Por Elisabeth Rochat de la Vallée
Quando o padre Claude Larre, o Dr Jean Schatz e eu mesma nos encontramos em
1969-1970, estávamos longe de imaginar a aventura que começarmos.
Claude Larre e Jean Schatz eram nascidos todos dois em 1919 e estavam então
no meio de suas vidas e com uma carreira bem completa.
Eu tinha apenas 20 anos, e não tinha nenhuma ideia precisa do que faria de
minha vida e onde encontraria um sentido para ela, mas era interessada pelas
línguas e civilizações antigas. Eu queria entender a visão que elas haviam do
que existe de essencial na existência e como elas o expressavam com suas
palavras próprias
e seu espirito particular.
Claude Larre
havia passado 20 anos de sua vida na Ásia .Inicialmente na China
(1947-1952)onde ele estudou o chinês ao mesmo tempo que ele concluía seus
estudos de teologia para ser jesuíta e onde ele foi ordenado em 1952.Depois no
Vietnam (1956-1966) após duas curtas estadias na Filipinas e no Japão .Ele
havia adquirido uma familiaridade com os textos clássicos e o pensamento da
China antiga assim como com os chineses atuais , o “espirito e comportamento”
deles ,como ele o dirá no título de uma de suas mais importantes obras. Ele
havia assim medido como os ocidentais estavam longe de uma compreensão correta
da realidade chinesa passada ou presente, o presente sendo na época o início da
Revolução cultural.
De volta à
Paris em 1966, ele conclui seu doutorado de filosofia chinesa na Sorbonne,
apresentando sua tradução e interpretação do capítulo 7 do Huainanzi, sobre o
espirito vital do homem (“os espíritos leves e sutis”). Ao mesmo tempo ele teve
a ideia de reunir algumas pessoas que se interessavam pela cultura chinesa
naquilo que ela tinha de mais profundo e autêntico, e que não se deixavam
impressionar pela propagando do momento, não negando a importância da China
contemporânea e dos acontecimentos que estavam acontecendo na época; eram
pessoas preocupadas em aprofundar suas abordagens da civilização chinesa e da
língua clássica e desejosas de leva-las ao conhecimento de um público maior.
Isabelle Robinet, Irmã Marie-Ina Bergeron faziam parte deste grupo, chamado
o “Círculo de Jade “e que foi o precursor do Instituto Ricci de Paris. Eu tive
a oportunidade de ser
aceita nesse grupo mesmo sendo uma iniciante.
Após seus
estudos de medicina, o Dr Schatz tomou rapidamente conhecimento da medicina chinesa,
particularmente a acupuntura, que já era bem introduzida na França graças à
Soulié de Morand e aos médicos homeopatas que haviam estudado com ele nos anos
30.Ele ficou seduzido por essa abordagem na qual seu espirito visionário tinha
percebido uma grande medicina que ele não hesitava de classificar de alicerce
para a medicina do futuro. Os estudos que ele fez na França não haviam
respondido à todas suas questões, ele não hesitou em ir para Taiwan para se
aproximar do Dr Wu Weiping em meados dos anos 60.
Voltando
para Paris, ele continuava insatisfeito. Apesar de suas leituras e pesquisas,
ele sentia que lhe faltava algo fundamental e sobretudo ele tinha a certeza que
as respostas à essas questões se encontravam nos textos clássicos de medicina,
na época pouco conhecidos e traduzidos.
Ele encontra o Padre Larre em 1969.Ele o aborda ao final de uma conferência
do Padre Larre sobre o taoísmo e o pensamento chinês e insiste para que ele o
traduza pelo menos o grande livro da medicina, o Clássico Interno do Imperador
Amarelo (Huangdi Neijing). Padre Larre que eu havia encontrado e com quem eu
havia começado a aprender o chinês clássico a partir do Daodejing (Livro da Via
e da Virtude) que ele estava começando a tradução, me inclui nessa aventura.
Abrir o
Huangdi Neijing e começar a lê-lo tentando compreender algo foi como se lançar na
água sem saber nadar. Durante vários meses nós lutamos para não nos afogarmos.
Nós éramos
um pequeno grupo de uma dezena de pessoas que se encontravam uma vez por semana
na casa de Alice Fano, mulher extraordinária, apaixonada com a China e com o
Livro das mutações (Yijing), que havia passado vários anos em Shangai após a guerra.
Éramos acupunturistas (médicos e não médicos) e algumas outras pessoas curiosas
em conhecer a teoria da medicina chinesa tal qual ela era realmente apresentada
em sua língua original.
O padre
Larre, se apoiando sobre seu grande conhecimento da língua e cultura assim que
sobre os estudos particularmente os textos taoïstas, eram nosso guia. Jean
Schatz colocava as questões, discutia os fundamentos da tradução que e os confrontava
à sua experiência clínica. Eu tomava as notas e as passava a limpo para a
próxima semana. Nós nos confrontávamos à dificuldade de descobrir como abordar
um texto médico em chinês clássico, como compreender o sentido especifico de
certos caracteres, a significação precisa de termos técnicos, as referências mais
ou menos explicitas em situações clinicas como na visão cósmica da vida
aplicada ao corpo humano.
Com 1 ou 2
anos, estávamos cada vez mais confiantes em nossas interpretações e de nós mesmos. Uma
tradução explicada e comentada nascia, ainda fragmentada e incerta mais,
entretanto, rica de ensinamentos.
Em 1974, eu passei um ano em Taiwan (ainda era a revolução cultural na
China continental) para melhorar a conversação em chinês. Na minha volta, em
1975, nos 3 começamos a ensinar o que estávamos aprendendo com os textos. Em
1976 decidimos formalizar nosso trabalho e ensinamentos e criamos em Paris a Escola
Europeia de Acupuntura (E.E.A).
As primeiras obras que publicamos em comum foram a transcrição de um
seminário dado à Milão, na Escola So-Wen, onde ensinava Yvonne Mollard-Brusini,
médica acupunturista sutil e grande amiga, “As Energias do Corpo”. Seguido de
“Visão Geral da Medicina Chinesa Tradicional”.
A morte
prematura de Jean Schatz em 1984 interrompeu esse trabalho feito por nos três.
Ele foi um médico extraordinário, não simplesmente pela extensão de seus
conhecimentos, mas pela forma que ele havia de “ver ” o paciente e de apreender
suas desordens. Ele possuía uma verdadeira fé no poder das agulhas que se
transformavam em instrumentos mágicos em seus dedos.
Com ele eu aprendi as bases da clínica: a tomada dos pulsos, o diagnóstico,
o tratamento. Ele me mostrou a profundidade e a beleza dessa pratica. Eu
acompanho pacientes a mais de 30 anos, mesmo que, devido aos estudos, tradução
e ensinos, meu tempo seja bem limitado. Mas é a ele que devo o esforço
constante de confrontar os textos à pratica que lhe é intrínseco.
Com a morte
de Jean Schatz, o Padre Larre e eu continuamos a desenvolver a E.E.A levando
seu espirito e ensino em diferentes países da Europa e da América. Mesmo quando
trabalharmos na elaboração na elaboração e edição do dicionário Grande Ricci,
nós não paramos de trabalhar com acupunturistas e para a medicina chinesa. As
publicações que fazíamos juntos tratavam da filosofia, particularmente o
Taoísmo antigo e a medicina.
Quando morreu em 2001, o padre Larre era como um mito para numerosos
praticantes de medicina chinesa. A extensão de seus conhecimentos, seu talento
de professor, senso de humor e sobretudo sua profunda humanidade marcaram
muitas pessoas com relação aos ensinos assim como nas suas vidas.
Eu perpetuo a memória deles continuando fiel à um ensinamento fundado nos
textos chineses. Esse ensino metódico é a transposição em francês – ou em
outras línguas ocidentais, do que dizem os maiores textos chineses, a
apresentação organizada dos clássicos da medicina com suas terminologias
especificas, na perspectiva chinesa.
Assim, sem
pretensão de uma unidade fictícia, os participantes podem adquiri uma visão da
fisiologia e da patologia assim como um vocabulário de chinês médico, inseridos
no pensamento chinês tradicional.
Para manter
a tradição da E.E.A, uma equipe se formou comigo. Ela é composta de pessoas de diversos
horizontes: médicos e não médicos, sinólogos e não sinólogos,
fisioterapeutas, praticantes de shiatsu, psicólogos, artistas, técnicos de
informática etc. Ela se caracteriza pela amizade e a confiança entre todos
assim como um profundo laço ao que a Escola representa em termos de escolha de
ensinamentos e de pesquisa.
A direção é representada atualmente por Patrick Richer, Jean Chami, Colette
Malissard. Entre os conferencistas estão Dea Angelelli, Martine Espouy,Monique Drapier,Heidi Thorer…
A Escola se endereça a pessoas
que possuem uma formação de base de medicina chinesa, ou estudantes e pessoas
curiosas da China e de sua visão de vida, que desejem trabalhar através da
referência aos textos tradicionais.
Sua originalidade se encontra
em três aspectos:
- A abordagem rigorosa dos
textos médicos clássicos, e o estudo preciso deles que trata metodicamente as
questões teóricas e clinicas se apoiando sobre uma visão do conjunto do legado
médico chinês.
- As questões medicas
estudadas são desenvolvidas em ligação com os grandes textos do pensamento
chinês tradicional, tanto confucionistas como taoïstas ou outros,
particularmente os contemporâneos do desenvolvimento da teoria médica dos
séculos iniciais da era cristã.
-Uma abertura sobre a pratica
e a experiência. Essa pesquisa se inscreve no diálogo e no compartilhamento da
experiência com os participantes, que se estende aos ateliers oferecendo uma
verdadeira aplicação de uma disciplina tradicional – a caligrafia, por exemplo,
ou ainda a aprendizagem do chinês clássico, sem esquecer a arte culinária
chinesa que participa do equilíbrio e da saúde de todos os dias.
Maiores detalhes e
programa das atividades, cursos, conferencias, publicações, se encontram no
site da E.E.A.
http://www.acupuncture-europe.org/
Tradução
de Emilia Firmino