quarta-feira, 30 de agosto de 2017

Conversando com Elisabeth Rochat de la Vallée


Perpétua Mutação
O que existe?
O que existe constantemente?

YONG  *
Constante , perpétuo, de longa duração .

Nos textos antigos chineses, as explicações dadas para este caractere tomam a imagem de um rio. Porque o rio está sempre no mesmo lugar , mas a água muda continuamente. Uma gota d’água nunca é a mesma gota d’água.
Interessante notar que na filosofia grega há a mesma reflexão mas, porém, leva à uma direção oposta, leva ao aspecto efêmero das coisas.

A questão é: qual é a identidade do rio?
Será que é o mesmo rio, mesmo em constante mutação?
Ele tem a mesma fonte, ele tem o mesmo percurso, ele se joga no mar,ele tem água... Então, o que muda? O que é constante no rio?
É o fluxo continuo que não muda. É isso que é real.
O que existe é o fluxo, o movimento de transformação contínua. E é esta transformação contínua que faz com que o rio nunca seja o mesmo. O rio existe.
Não se pode ver uma gota d’água. A água é a mesma e não é a mesma. Esse fluxo é a constante do rio. O que é diferente de dizer que o que é constante é rígido, inflexível.

Continuando com esta imagem, podemos nos interessar por uma gota. No frio do inverno, uma gota d’água pode congelar e este pedaço de gelo tem uma identidade particular. Logo chega a primavera, o gelo derrete e retorna ao fluxo do rio. É a mesma água antes de se tornar gelo.
A água é uma metáfora do Qi. O Qi é a transformação perpétua no interior de tudo. O Qi que não tem definição particular. O Qi que não é o Qi. O que tem uma potencialidade infinita e indefinida. Que podemos também chamar de Qi original, sinônimo do Grande Vazio.
Isso é um jeito de falar daquilo que é indizível.
Podemos ter imagens diferentes de coisas diferentes. Podemos dizer que Qi existe antes de qualquer coisa aparecer.
Qi tem o movimento de se juntar e nesta concentração se transforma e faz aparecer as diversas formas de vida. Mas estas formas de vida vão se desfazer um dia e retornar ao que não tem forma, ao Grande Vazio.

Entendendo isso, podemos acrescentar outras coisas:
Será que eu sou o gelo?
Eu sou interação entre Yin e Yang. Algo que existe entre o Céu e a terra.
Mas será que esta interação que existe, ela é mecânica?
O espírito humano nunca aceitou esta ideia; será que procuro outra coisa 
para não ficar louca(o)?

O que define o ser humano é ter uma consciência. Esta consciência de que sou o resultado de uma interação que um dia irá se desfazer. Não é fácil de aceitar que somos uma forma de vida cheia de vitalidade e que um dia irá morrer.

Então, o que fazemos com esta constatação?
Uma saída é a loucura. A loucura existiu em todas as épocas das civilizações.
Mas podemos dizer que existimos também em um não-sentido, numa falta de sentido. Podemos viver desta forma, aceitar. Existir em um não-sentido. Ou então podemos dizer que temos uma consciência, e isso quer dizer algo. Mas a partir deste momento, esta consciência gera uma responsabilidade. Não se trata de uma abordagem religiosa, embora existam cruzamentos com  abordagens religiosas. Se tenho consciência de ser uma forma de vida no meio das milhões de formas de vida no universo que, como eu, são formadas de condensação de Qi que também vão se dissipar, é esta consciência que me diferencia das outras formas de vida que existem.
 Nos textos clássicos esta consciência se chama o dom do céu. Este dom do céu é a capacidade de compreender, de ter consciência dos movimentos da vida. Isto é particular ao ser humano: ver o que se passa na natureza, observar a alternância das estações. E assim tirar as consequências desta constatação.
Contemplando e estudando estes movimentos, o espírito humano conseguiu estabelecer modelos e identificar um tipo de ordem no movimento do Qi. E consideram (pensamento chinês) estes modelos como uma organização subjacente a todas as formas de vida.
Por exemplo, observavam o bambu e o viam nascer e crescer. O bambu nos diz muito sobre o movimento vital.
Como sabemos dizer que o bambu sabe viver?
A sua circunferência é sempre a mesma. O bambu conserva a força vital durante todo o seu movimento de crescimento.
Então, se eu quero conservar minha força vital, é ideal que eu observe o bambu.
O sábio chinês observa que o bambu sabe parar. Quando o bambu cresce e chega a um ponto máximo de um movimento, ao invés de continuar forçando para crescer mais ainda, ele faz um nó, ele volta para ele mesmo se recuperando e depois relança o crescimento.
O ritmo é fundamental. A força vem da harmonia. Sem repouso, não posso agir. Então não se pode concretizar nada sem o repouso.
Mas podemos projetar outras coisas: o bambu é resistente e o ponto mais difícil de quebrar é onde ele é vazio dentro. Podemos constatar que a força do bambu vem desta natureza.
O espírito humano observa o bambu e tira as lições: então eu durmo quando o sol se põe e acordo quando ele se levanta.
O espírito humano tem a capacidade de elaboração, mas por quê?
Porque tem uma outra coisa que é especifica no ser humano e está ligada a sua consciência. Por que ele não é mecânico, ele não está totalmente na sua vida instintiva. Como sabemos disso?
Olhamos para qualquer humano, ele destrói sua vitalidade com as paixões, ele se coloca na desordem dele próprio em relação a ordem que observa da natureza. Vocês já viram algum animal selvagem morrer de indigestão?
Então me encontro face a um ser que está implicado neste sistema de comunhão do Qi e dos sopros, mas que tem a responsabilidade de regular seus próprios sopros de acordo com a ordem natural. E isso dá um sentido à vida.
Na china antiga, este sentido não é o mesmo na confucionismo ou no taoismo. No confucionismo, o ser humano é corresponsável da ordem cósmica, natural, tal qual ela se desenvolve nele mesmo, na sua família, na sua comunidade assim como no conjunto inteiro do planeta. O homem é responsável pela forma como a troca de sopro acontece; toda conduta emite sopros que vai perturbar a ordem natural. Mas isso mostra um lado grande do homem, ele é um dos três poderes do universo. Mesmo se sua vida pessoal é limitada ele tem uma grandeza que pode ir além dele, mesmo quando não se esta mais aqui.

Na china tradicional existe no culto aos ancestrais a ideia de que o que eu sou atualmente não irá desaparecer completamente com minha morte. A partir destas constatações vêm várias crenças. Para Confúcio o que é importante é participar agora da ordem das coisas.
Para os taoístas, a realização plena da natureza humana não é simplesmente colocar a ordem no mundo, da sociedade, etc. Mas incorporar completamente em mim mesma(o) as transformações vitais tais quais elas se apresentam. Então não estou preocupada(o) em ser um gelo porque eu tenho consciência de que este gelo é um estado temporário que um dia irá descongelar. Significa alcançar um nível de Consciência que vai além da consciência e que me faz estar conectada(o) com a unidade.
 Mas o que é a unidade? É o rio. Eu já sou o rio e serei sempre o rio.



*É a parte à direita do caractere MAI, circulações vitais , pulsos, sempre traduzido 
por « vaso ».Mai :  ou .E a parte da esquerda , a carne  =  .


Transcrição de trecho da explanação de Elisabeth Rochat de la Vallée sobre 
“O Movimento Vital”. . 
Transcrição feita por  Regina Nakamura
São José dos Campos, 31 de Julho de 2017







O movimento Vital segundo a visão chinesa tradicional



Elisabeth Rochat de la Vallée


O mundo antigo chinês percebia a vida como a interação constante de sopros diferentes, opostos, mas complementares, o yin yang. As múltiplas variações e transformações que resultam dessas trocas se organizam segundo ritmos e ciclos. É onde o espírito humano pode discernir modelos para a conduta da vida,a organização das atividades, a cultura de si mesmo; podendo assim atingir uma realização interior que coloca seu coração no compasso do coração do universo, o fazendo participar à harmonia do mundo.


Uma das maneiras de apreender uma civilização é de observar como ela reflete sobre ela mesma levando em conta sua origem e,a partir desse ângulo, sobre a origem do mundo e do homem.
Habitualmente existem várias formas para expressar a visão das origens: mitos, contos e legendas, religião e teologia, ciência, pensamento, filosofia.

Nosso objetivo aqui não é de enumerar essas diversas abordagens no mundo chinês, nem mesmo de considerar uma delas ao longo de sua história. Vamos ver como os pensadores chineses mais ou menos contemporâneos da idade de ouro da Grécia e do período helenista viam o universo e tentavam através dele penetrar a natureza. Isso os levou a reflexões resultando em conhecimentos que eles poderiam certamente classificar como cientificas. Isso os levava à um conhecimento da vida da vida que permitisse ao homem não somente de se situar no universo, assim como de encontrar nele referências descobrindo o sentido e a maneira de se conduzir para progredir no sentido da vida. No mesmo movimento, eles cultivavam suas vidas e a do universo expressa pelo e no conjunto de seres que o povoam.

Considerando os textos clássicos chineses, o primeiro aspecto que chama a atenção é a referência constante à unidade,à relação sempre necessária ao Um, a presença do indizível.
Tudo o que existe, quer dizer, todos os seres, manifesta o que não existe, o que não é nada, nada em particular, que se possa definir, nada palpável, normalizável.
Entretanto nós não nos referimos assim ao “ser “e no “não ser” da filosofia ocidental.

O pensamento chinês que se elabora nos séculos que precedem a era cristã, coloca no fundamento de todas as existências particulares, de todos os seres, o que não é isso, nem aquilo, nada disso e nada daquilo; o que não é nada e o que sem ele nada existe. Pouco importa que chamemos esse Nada, Tao (Via), Um ou grande Um, Vazio ou grande vazio, etc.

No seio do Nada que é tudo – podemos dizer que potencialmente, mas onde nada existe ainda de maneira distinta e distintiva, alguma coisa se movimenta como um sopro imperceptível e vago, um movimento aparece, como uma palpitação, um ritmo.

Podemos ver aí uma alternância de expansão e de contração, como os batimentos do coração. Podemos identificar uma alternância de movimento e de repouso, como toda vida se repousa para em seguida se acordar e se ativar ao longo dos dias e das noites.
Podemos nomear yang a expansão, o movimento, a atividade. E yin a contração, o repouso.
Mas o que existe não é nem um nem outro. O yin não pode ser ou existir sem o yang, e vice-versa. A expansão não tem sentido que pela contração. A ideia de expansão nem pode existir sem a contração, ou o repouso sem o movimento, e inversamente.

Assim, desde a primeira manifestação da existência, o pensamento chinês coloca não os dois como dualidade, oposição,mas o casal emergindo junto do Um. O que existe, o que compõe o universo onde estamos, são os simples produtos da relação do casal.

Falamos de casal quando um não pode nem mesmo começar a existir sem o outro, não pode continuar a existir sem o outro,nunca e em nenhum lugar. Entretanto cada membro do casal conserva sua especificidade, sua polaridade, seu modo de ação própria e suas qualidades particulares.

A manifestação primeira e depois dela, toda manifestação não é nem a expansão, nem a contração, mas a alternância delas e o ritmo dessa alternância.

O que funda o yin yang não é uma oposição que levaria a uma separação, uma cisão e finalmente à uma confrontação e uma luta,como podemos ver por exemplo em certos mitos da Grécia antiga. É ao contrario dois aspectos de uma mesma realidade, da realidade (o Um), diferentes, mas absolutamente complementares e em uma permanente interdependência.

Nem o yin nem o yang não são o “primeiro». O que emerge é um ritmo – ou sopro- que para existir precisa dessas duas modalidades chamadas yin e yang. É assim que o yin e yang são sempre fundamentalmente compreendidos.

Todas as variações desse ritmo são possíveis. O ritmo não é uma repetição invariável da mesma cadencia; ele está a o lado da vida que sempre recomeça, sendo sempre única em suas expressões. O ritmo implica uma infinidade de transformações e de relações, de mudanças incessantes. Elas são observáveis em tudo, por exemplo na natureza, a constante variação da duração do dia e da noite, a alternância das estações, no homem, as pulsações do coração e dos pulsos, seus ciclos biológicos.

Se o movimento, o yang, domina muito fortemente ou durante muito tempo, terá agitação, aceleração, irregularidade. Se o repouso, o yin, domina exageradamente, terá desaceleração, parada, irregularidade. Certas variações fazem parte da expressão da vida, da forma pela qual a vida procede para evoluir e continuar. Outras saem desse quadro e se tornam prejudiciais à vida. Podemos ver bem com os batimentos do coração. É normal que ele bata menos rápido quando se dorme, ou mais rápido quando uma “emoção” aumenta em nós o movimento dos sopros. Mas se ele se acelera ou desacelera muito, é a doença e a morte.

A consideração do momento é fundamental. O tempo não aniquila os seres; ele lhes dá a vida e a morte e, através delas, o sentido da vida sempre renovado. O tempo é visto como uma sucessão de momentos qualificados, quer dizer que cada momento implica uma relação yin yang particular com suas referências especificas para constituir e manter seu equilíbrio e o equilíbrio de tudo o que se encontra nesse momento especifico. Existem momentos de alegria e momentos de tristeza como existe a primavera ou o verão depois o outono; existem os nascimentos, os casamentos e os funerais.

Se trata de estar na estação, quer dizer, na sua idade, assim como nos múltiplos ciclos que compõem uma vida particular: ciclos biológicos como o da fecundidade ou do sono, ciclos familiares e sociais, desenvolvimento de situações e de acontecimentos que o meio ambiente cria em torno de si, etc. Se trata então de seguir as estações da natureza nas suas diversas formas de ser e de agir. É preciso que as variações do ritmo em um ser particular sigam as da ordem da vida observável na natureza e que estejam em harmonia com elas, sendo sempre a expressão única de uma vida particular.

Na natureza, o outono vem sempre depois do verão e a primavera depois do inverno. O inverno nunca é tão frio (yin) ou se prolonga por tanto tempo levando ao desaparecimento de todas as vidas. Existem limites que a ordem natural não ultrapassa pois se refere à preservação da vida e não se pode ir contra ela. Assim uma emoção ou um desejo contido em justos limites é normal; mais incontrolado, excessivo, destrói a vida do indivíduo.

Muito yang não favorece mais energia, mas rompe o equilíbrio e a harmonia e leva à morte. Muito yin não dá mais tranquilidade, mas um marasmo que rompe o equilíbrio e leva à morte. O que fornece uma verdadeira força vital, o que nutre e mantem a força da vida em um ser, é o equilíbrio entre os dois aspectos. A harmonia é fusão, compenetração, unidade reencontrada.

Assim as variações estão inscritas desde a origem do mundo e do casal; podemos chamá-las transformações, mutações, mudanças.... Assim aparecem os seres e tudo o que existe. Variações e transformações estando inscritas na origem de cada ser, coisa ou fenômeno, cada um é uma interação yin yang específica que lhe define e que evolui ao longo do tempo, fazendo acontecer e tornando sua vida segundo os ritmos e o equilíbrio desse yin yang.

O homem possui algo de particular: dotado de um Coração, quer dizer, de um espirito, de uma consciência, ele é responsável pela qual a vida se faz, pois, ele é responsável pelo discernimento que o guia em sua conduta.

Não se trata unicamente de uma realização pessoal, pois uma dimensão cósmica está inscrita em todo destino humano.Uma vida cada vez mais em harmonia com a ordem natural participa à harmonia do cosmos; senão ela a diminui e pode até mesmo destruí-la.

Tudo se faz igualmente segundo o espaço e o tempo. Nada existe senão em um lugar e um momento. Lugares e momentos são qualificados também pelo yin yang e determinam as variações naturais de tudo o que existe.

O que não é ligado à um lugar e um momento –os dois mudando perpetuamente, sobretudo o tempo – não existe,não é nada , é Nada.

Cada ser se apresenta como uma massa de sopros yin yang, em uma composição particular, onde as palpitações ou as modalidades de troca e de relação variam em função do lugar e do momento.

O conjunto de seres que povoam o universo: massas de sopros palpitando e mudando reagem entre eles pois são a expressão da mesma realidade original, Uma. Do mesmo sopro original. A realidade dos seres é interação, cruzamentos incessantes de estímulos e de respostas, cada um sendo modificado no processo.

Vemos então que o casal yin yang, expressão do advento do ser e da vida, leva à visão de um universo em constantes mudanças e transformação. No pensamento chinês, não é possível separar a vida, o ser vivo, todo ser vivo, das transformações. O que não é transformado não pertence ao mundo dos seres. E o que não é um ser, é o Nada.

As transformações podem aparecer como um balé vertiginoso. Entretanto, o espirito humano pode discernir nele os modelos nas relações e interações, as formas de proceder nos estágios da evolução. O yin yang vai ainda servir para isso, pois a alternância e a complementaridade, a compenetração são os grandes modelos.

Poderíamos precisar os movimentos dos sopros enriquecendo a análise pelo yin yang da dos Cinco elementos (ou Cinco agentes). Encontraríamos múltiplas aplicações nos diferentes domínios do saber e da atividade humana.
Uma grande rede de relações e de correspondências explica o mundo; o espirito humano discerne aí os modelos que guiam as atividades. Mas o sentido ultimo da realidade retorna sempre à sua raiz, ao que não é possível reduzir à uma expressão particular, ou seja a Via viva, realidade além dos seres e, portanto, presente em cada um e entre todos.

Retornando à origem ou ao movimento, à constância do fluxo.
Ao seio do que os textos chamam normalmente uma mistura onde não se pode discernir nada, um caos não nomeável, falta de palavras para falar ao que escapa ao conhecimento intelectual e sensorial, à imaginação e ao pensamento. O ritmo primeiro faz aparecer o céu e a terra ou, para ser exata, o céu-terra, o universo que se forma da relação entre o céu e a terra.

O que se estende, que vai em extensão, que sobe como um vapor leve e então representa o aspecto yang do sopro, forma o Céu, feito de um movimento incessante visível nas nuvens, jamais imóveis, jamais com um a forma fixa, assim como na sucessão das estações, o desenrolar interruptor do tempo. O redondo – ou o círculo, a roda – é seu melhor símbolo.

O que se concentra, se cristaliza em uma forma que mesmo mutante não é definida, como um corpo, nosso corpo, representa o aspecto yin do sopro, forma a Terra e seus espaços, constitui lugares estáveis, faz aparecer as substancias que as transformações guardam nos processos de vida. O quadrado, o espaço delimitado é o seu melhor símbolo.

Enquanto casal, como para o yin yang, céu e terra não podem ser um sem o outro. Toda forma de vida, tudo o que existe e tudo o que acontece, aparece na confluência do que vem do céu e do que vem da terra. Nada existe que como encontro do céu e da terra. Tudo o que existe é um nó de sopros yin yang, frutos das trocas entre céu e terra. O espaço entre céu e terra, o céu terra, é o universo com todos suas miríades de seres.

O que implica que céu e terra não se opõem, não se viram as costas, mas são inteiramente voltados um para o outro, mesmo que eles sejam formados pelos dois aspectos contrastados do sopro.

Mesmo que seja a maior e completa expressão do yang, o céu contém suficientemente yin, representado por exemplo pela lua; e inversamente pela terra. Se a expansão fosse infinita, não existiria nem céu nem terra. De que essa expansão se nutre? E a contração.

A água fornece uma metáfora exemplar: vaporizada, ela se eleva formando as nuvens do céu, condensada, ela se abaixa e fertiliza a terra. Seu ciclo figura a manutenção da vida e sua perenidade através das mutações. A água não se perde mudando de forma ou de estado; ela é como a vida.

Entretanto existe uma diferença entre o casal yin yang e o casal céu e terra. Não é que um, o céu terra, tenha mais visibilidade, pois de fato o céu visível é manifestação do poder do céu além do visível. Igualmente para a terra.
A diferença é que existe no casal céu terra uma hierarquia que não existe no casal yin yang. Yin e yang se alternam. O céu domina sempre a terra; ele está sempre acima, superior. É ele que ordena, dá a ordem, em todos os sentidos do termo: ele é a ordem na qual procede a vida como ele dá ordem - ou mandato – à cada um. Jamais céu e terra não se alternam ou mudam suas posições. A harmonia deles está na supremacia do céu e a obediência imediata da terra. Senão tudo fica às avessas.

O céu é a ordem natural: além das nuvens, da chuva e o vento, além da alternância do dia e da noite, é a maneira como os sopros se sucedem e interagem, fazendo aparecer todas as variações diárias e sazonais, a alternância regular dos dias e das noites e todos os ciclos da natureza. Além dessa ordem natural, existe o poder de vida que se expressa nessa ordem assim como na fonte dessa força. É isso que constitui o céu além do céu. O homem percebe essa ordem e essa força no exterior dele e nele mesmo; ele discerne os modelos das atividades e as coloca em conformidade com sua conduta segundo uma moral da qual o fundamento é de se integrar ao movimento natural da vida. É o céu no coração de todo homem. Procedendo assim, o homem desenvolve da melhor forma a força vital nele e os efeitos que ele provoca nos outros; dizemos que ele cumpre seu destino, aquilo ao qual o céu (ou natureza) o destina.

A terra recebe o que lhe vem do céu e lhe obedece. Segundo as composições particulares de yin yang que o céu sopra sobre ela e insufla nela, a terra cristaliza as formas, faz aparecer seres vivos particulares que possuem seus destinos celestes a cumprir. O céu dá forma à vida segundo as diretivas do céu. Isso se encontra em cada um. Um humano deve sua vida a seus pais, à suas linhas familiares, à condensação, cristalização que permite o início do embrião, e ele é condicionado por tudo isso. Mas ele deve ainda mais sua vida ao sopro celeste que sozinho é fecundo, ao Céu que lhe dá sua natureza primeira da qual a realização é sua realização e sua participação à vida cósmica.

As quatro estações veem do céu; a visibilidade e efetuação delas é na terra. Vemos os efeitos do sopro da primavera, do verão, do outono e do inverno na vegetação, nos animais assim como no corpo, no coração e na conduta dos homens.

A harmonia cósmica é o jogo dos sopros yin yang entre céu e terra, na relação Céu Terra. Ela é natural às estações e aos fenômenos da natureza, aos minerais, aos vegetais e aos animais.
O homem ocupa um lugar particular na sua responsabilidade de participar à essa harmonia e de fazê-la bem ou então, de diminuí-la, destruí-la. Pois o homem é dotado de uma capacidade de conhecer, memorizar, associar os conhecimentos e experiências; ele beneficia de um discernimento que podemos chamar, segundo as sensibilidades, sentido moral, inteligência espiritual,
consciência, iluminação...

Esse discernimento não é automático. Ele é sempre mais cego que esclarecido. Segundo as Escolas de pensamento, tem-se pontos de vista diferentes, mesmo divergentes, sobre o que é exatamente esse discernimento e sobre os meios de cultivá-lo. Entretanto encontramos sempre o controle das paixões e dos desejos dos quais os transbordamentos levam a distanciar-se. Limitar as paixões, não é se reprimir, é continuar no sentido da vida, como canalizar a água permite fazê-la servir à vida e não à morte que ela provoca quando transborda inundando tudo. É impedir as emoções, pensamentos e ambições de perturbarem a ordem das trocas e dos ritmos yin yang e céu terra em sua vida pessoal.

O homem cumpre essa harmonia, indissociavelmente, em seu corpo e em seu espirito. Seu corpo é terra nele e seu espirito, o céu. O espirito não comanda o corpo que o compenetrando nos mínimos cantos, como o sangue que vem do coração /mental/espirito penetra a mínima parcela do corpo. É assim que abordamos no homem as almas espirituais (Hun) e as almas corporais (Po) pelas quais a união faz a vida e a separação, a morte. Nesse ponto também uma não existe sem a outra. O corpo não é completo e perfeito se é pelo espirito. Mas o espirito não é completo e perfeito que pelo e com o corpo.

O espirito é às vezes dado, como potencial como o que não é ou não é ainda, e como realização a ser completada, graças à capacidade de conhecimento e ao discernimento, à consciência da qual o ser humano é dotado pela natureza sendo sua parte celestial por excelência.

Aqui reside a grandeza do homem. Ele pertence ao cosmos. Sua vida tem os mesmos sopros, os mesmos modelos e as mesmas leis que a vida cósmica. Ele encontra sua harmonia integrando esses modelos em sua conduta e no que dita sua conduta.
Ele é assim triplo com o Céu e a Terra; ele é uma das três forças ativas do universo participando plenamente do jogo dos sopros no universo, para o melhor e para o pior...


Mas se ele não cultiva a harmonia dos sopros yin yang, o equilíbrio das trocas e a retidão dos ritmos entre Céu e Terra, se ele não constrói sua realidade interna, seu espirito, como sua capacidade de participar plenamente do processo vital, pessoal e cósmico, ele não cumpre aquilo ao qual está destinado. Não sendo fiel à sua natureza, ele não se torna digno do nome de humano.



Tradução Emilia Firmino



sexta-feira, 18 de agosto de 2017

O Querer Um e Múltiplo (Partes I e II)
Elisabeth Rochat de la Vallée

                                                                      
Quando falamos do querer (zhi ) em medicina chinesa, pensamos imediatamente ao dos Cinco espíritos (wu shen  五神) ligado aos Rins, ou seja, à participação dos sopros
da Água na elaboração e no funcionamento da consciência e do mental.
Entretanto, pensamos também dos Cinco quereres (wu zhi 五志) e então nos perguntamos como eles se diferenciam das emoções, se são normais ou patológicos.
Analisando minunciosamente como a noção de zhi , querer, se apresenta nos textos clássicos, atingindo um melhor conhecimento do que ele é em sua base, compreendemos sua utilização nos textos médicos.

A Orientação da Vida

O caractere zhi  se compõe do coração  sair de  quer dizer um jovem broto  que sai da terra (ilustrada pela linha inferior _). A partir de uma base sólida, a planta vai crescer e amadurecer, tirando continuamente de suas raízes o necessário para desenvolver tronco e galhos.

Nos textos clássicos de antes da era cristã, o caractere zhi  significa a intensão que se desenvolve em si, seu sentimento, sua determinação, seu fim; é aspirar a um ideal, a um desejo, ir em direção de um objetivo, uma ambição. É também perpetuar a memória de alguma coisa, por exemplo através de escritos, das “memórias”, pois a inscrição na duração está implícita na noção: não se pode falar de um querer sem uma certa constância, sem persistência; é preciso reter no espírito uma ideia, um desejo, um pensamento porque advenha um querer que leve à sua manifestação e à sua realização.É essa a definição que o Lingshu cap.8 dá ao querer:
“Que o propósito (yi ) seja permanente, pode-se falar de
querer. ”

Tomemos zhi  como o querer, a determinação que possuímos no coração, o que faz agir e agir em uma certa direção, em vista de um objetivo. Se trata de visar um objetivo, de se fixar solidamente em um ponto visado, de dispor inteiramente tendo em vista o objetivo visado, de aspirar profundamente e sinceramente, de todo o seu ser, alguma coisa.

A Relação com a Origem

Em direção do que tende inicialmente e antes de tudo, senão é, como o jovem broto, para o desenvolvimento de sua vida. O querer – viver é natural, primeiro e definitivo.
Ele é também específico.

A primeira impulsão, que permite o início de uma vida e lhe dá suas características, vem do Céu. Ela toma forma na Terra, nas restrições e determinações pelas forças terrestres, por exemplo as das essências misturadas dos pais de um novo ser, que recebe em o dom celeste e o exprime especificamente em função da hereditariedade e das pessoas. É a natureza própria, a natureza primeira que define uma vida particular e a qualifica para um futuro em função das capacidades depositadas nela em sua origem.

Se o que ao qual se aspira faz parte do desenvolvimento natural, o querer coloca sua força ao serviço do desenvolvimento contínuo da vida. Se o que se aspira é contrário à ordem natural tal qual ele se expressa em um ser, o querer torna sua força contra a vida, usando a vitalidade pelas paixões, pervertendo-a pelos desejos inapropriados.

O que quer dizer que se o que se aspira é conforme sua natureza original, o querer nos faz ir em direção de nosso destino próprio nos fazendo participar à harmonia cósmica. Mas se se tratam de ambições pessoais, ele nos desvia em múltiplos desejos que não param de aumentar suas exigências.

A relação à origem é fundamental no querer. Como a tensão que habita uma árvore vem de suas raízes e leva a seiva até o alto e até a extremidade do último galho para permitir seu crescimento normal, o querer, em um ser, é a fonte de seus pensamentos, de seus sentimentos e de suas condutas; ele determina seu futuro, mas deve fazê-lo ficando fiel à sua raiz, sua fonte de vida, a natureza primeira desse ser.

O Querer dos Rins

A associação do querer com a Água dos Rins na medicina leva em conta esse laço na origem assim como à continuidade no desenvolver da vida em função dessa origem.
Os Rins são a relação constante à origem, o Céu anterior; eles são também o fundamento de todas as manifestações yin e yang nos diferentes órgãos, esses dependendo dos Rins para sua força e duração.

Os Rins são a memória da origem, permitindo assim a perpetuidade da vida e a manutenção da identidade, assim como a passagem à posteridade e ao Céu posterior.

Igualmente, a identidade de um rio vem da fonte e lhe dá a orientação de seu trajeto para o mar, mesmo se ele recebe em abundancia (chuva, afluentes) a água que possui.

Daí a importância do ideal que escolhemos, da ideia que deixamos penetrar em nosso espírito, do propósito (yi ) que serve de base ao funcionamento mental e aos estados afetivos, pois o proposito que fica no Coração será o querer, como já dissemos (Lingshu, cap. 8).

Entretanto, no homem, o querer não é simplesmente o querer –viver do instinto animal ou do crescimento de um vegetal; ele deve se combinar com o humano, e o humano deve dominar e ordenar. O que é fundamental e específico no homem, é o discernimento que o faz ver como viver como um homem e não simplesmente como sobreviver; como cumprir seu destino tomando consciência das qualidades depositadas originalmente em si pelo no Céu. O Céu qualifica assim cada ser em vista de um certo desenvolvimento de vida, fixando ao que cada um está destinado (ming ).

O Querer do Céu

Conhecer o querer do Céu, é conhecer seu destino, tomar consciência ao qual o Céu nos destina. Isso é fundamental, particularmente para os confucionistas.
Como Confucius pensava atingir o conhecimento do que seria o querer do Céu? Orientando corretamente seu próprio querer, guiando seu espírito na boa direção:
“Concentre sua vontade (zhi ) sobre a Via, tomando apoio na Virtude, modele suas ações sobre o ren (), et tenha prazer com as artes”. (Lunyu, VII.Trd.A. Cheng).
“ O mestre diz: Com 15 anos, eu decidi (zhi ) aprender. Com 30 anos, eu me reforcei na Via. Com 40 anos, eu não tinha mais nenhuma dúvida. Com 50 anos, eu conhecia os decretos do Céu (tian ming 天命). Com 60 anos, eu tinha um discernimento perfeito. Com 70 anos, eu agia em toda liberdade, sem, portanto, transgredir nenhuma regra”. (Lunyu, II, 4.Trad. A. Cheng p.33).

Assim para conhecer ao que o Céu nos destina, o que é nada além que a vontade do Céu relacionada a mim, é preciso começar através de um ato de vontade pessoal, a determinação de ir em direção do Céu, aqui, para Confucius, através do estudo.

Porque alguns colocam esse ato de vontade e outros não? Alguns pensam que se trata de uma diferença de qualidade nas naturezas próprias; alguns seres sendo feitos de sopros mais ricos que outros (Lunheng cap;4), seus sopros são mais fortes e podem manter da melhor forma suas resoluções. Outros se focam sobre a questão das circunstâncias. Todos os homens possuem a capacidade nata de fixar assim sua vontade, mas todos não possuem essa possibilidade (Xunzi, cap.23) na pratica e nos fatos.

Se o Céu tem uma “vontade “, como ele a possui? Qual ideia temos dela? Seria simplesmente uma maneira de falar da ordem natural ou bem, uma maneira de abordar um tipo de divindade onipresente e onisciente?

Mozi fala do Céu sobretudo como uma potência capaz de ter seus sentimentos e disposições próprias, suas ideias, pensamentos e sua vontade; capaz também de recompensar aqueles que se conformam a seu projeto de vida e de punir os que o contrariam.

Dong Zhongshu segue a direção da ordem natural. Os sentimentos do Céu são o yin yang, e a vontade do Céu se manifesta nos fenômenos naturais: presságios de prosperidade e paz quando tudo está bem regulado ou então de calamidades e sofrimento em caso contrário.
Se o soberano compreende e aplica a vontade do Céu, o povo o segue e tudo fica em ordem na natureza como na sociedade. O soberano compreende e aplica a vontade do Céu, pois ele possui o coração de um sábio, pois cultivou em si mesmo as virtudes que permitem ser um com o Céu, estar em acordo com a ordem natural. Ele retornou à origem das coisas, para conhecer a natureza delas; é no Céu que ele compreende e conhece a origem das coisas e dos seres, dos fenômenos e das manifestações.

Mesmo um cético como Wang Chong, que refuta todo “sentimento “do Céu, reconhece uma “vontade do Céu” (tian ming 天志) que o sábio percebe em seu Coração: “O Coração do Céu reside bem alto no peito do sábio. ” (Lunheng, ch.42)

Para obter p Coração de um sábio, ou para perceber a vontade do Céu em seu Coração, é preciso que esse Coração esteja livre de todo apego e de todo preconceito.

A relação com a realização do que o Céu (ou a ordem natural) nos destina é também fundamental, pois realiza-se seu destino (ming) orientando nosso Coração com firmeza e constância na Via do Céu.

 O Querer do Coração

O Coração humano recebe o Céu. Ele tem, por natureza, a faculdade de conhecer e discernir; ele é o que permite tomar consciência do querer do Céu, de aceita-lo e o seguir; ou então de faltar força para fazê-lo; ou ainda de se deixar seduzir por apetites e prazeres, em aparência mais intensos e mais reais.

“ Como um homem pode conhecer a Via? Pelo Coração Como o Coração pode conhece-la? Pelo vazio a pura intenção que unifica o ser e o acalma. [...]
O homem vive e possui o conhecimento; ele o conhece, e por aí, possui o querer. O querer, é a tesourização (guardar preciosamente e ativamente no íntimo). Mais, entretanto, dizemos que o Coração é vazio; pois o vazio pesa sobre as impressões já tesourizadas, mais sobre o que está para ser recebido. O Coração é vivo (é vida) e ele possui o conhecimento; ele conhece e assim, faz as distinções. ” (Xunzi, cap.21).

O Coração é o mestre de todo o mental, inteligência, memoria e vontade. Ele faz suas escolhas e pode submeter o corpo e seus sentidos à suas escolhas; ninguém nem nada pode fazê-lo mudar, se ele e suficientemente forte. Suas escolhas são feitas à luz da inteligência e a inteligência deve se oferecer à luz dos espíritos (shen ming 神明) para ser inteligência espiritual, inteligência do Coração.

O Coração é igualmente o mestre da vida, o soberano do corpo, da vida mental, afetiva sensorial. Tudo obedece à suas escolhas, recebe suas ordens; mas ele não acolhe outro senão de sua visão próprias. Sua visão depende da luz que está nele mesmo, da presença dos espíritos.

Nada não é sem querer; cada um tem suas convicções, seus desejos, suas orientações, das quais não se cede. O que determina seus pensamentos e seus atos, o que forja sua consciência; o que então guia seus sopros e todas as suas atividades. Tudo o que afeta o querer, afeta também os sopros e toda a vitalidade das quais eles são o suporte.

Que o Coração seja afetado, seu conteúdo e sua expressão se alteram:
“Os sons (sheng ), as cores (se ), os cinco sabores (wu wei 五味), os longínquos países, o precioso e o estranho, o extraordinário e o diferente, os objetos extravagantes são suficientes para mudar o coração (bian xin 變心), a modificar a vontade (yi zhi 易志), a agitar e movimentar os espíritos essenciais (jing shen 精神), a fazer reagir às incitações o sangue e os sopros (xue qi 血氣) inumeráveis vezes. ” (Huainan zi, cap. 8 – Remi Mathieu – Pléiade)

O Vazio do Coração

O Coração deve vigiar o que lhe preenche; ele não deve jamais se deixar tomar ou obstruir por um pensamento, uma ideia, um desejo, um sentimento, uma vontade .... Devemos esvaziar continuadamente seu Coração do que se apega a ele; a ao que, como retorno, ele se apega;
e, finalmente, se impõe à ele como o que o ocupa e o molda e se torna rapidamente a direção na qual ele tende e aspira, o que se quer , o objeto do querer.

É por isso que somente um Coração vazio, impassível, pode preservar o ser na direção de seu desenvolvimento natural.

Também o que se quer, o que se decide do querer, é o Coração. Poderíamos dizer que o querer é a expressão, no Coração, quer dizer, em si mesmo, do movimento dos Rins: o enraizamento na origem, que permite seguir em pé na vida, ser autêntico (zhen ).

Quando abordamos assim o Coração, não nos referimos não nos referimos a seu aspecto como sendo um dos Cinco zang, encarregado dos sopros do fogo, responsável do sangue e de sua corrente no organismo. Falamos do Coração impalpável, da consciência própria, meu espirito, meu mental, minha inteligência, minha reflexão, meus pensamentos, minhas disposições, minhas emoções.... Tudo o que se passa nesse Coração, passa no organismo pela circulação do sangue. O correr do sangue informa todos os lugares do corpo, que se tornam iluminados pela luz espiritual do Coração, na medida onde o Coração é capaz de o acolher e de o difundir.

“ Quando o mestre (o Coração) difunde sua luz (ming ), os inferiores se pacificam; uma tal manutenção da vida (yang shen 養生) leva à longevidade, de geração em geração, e o Império sob o Céu resplandece de uma grande luminosidade.
Mas se o mestre não propaga sua luz, as Doze cargas ficam em perigo; o que provoca fechamento e bloqueio das vias, parada das comunicações; e o corpo fica gravemente atingido. Uma tal forma de manter a vida é catastrófica. ” (Suwen, cap.8)

O Coração que é o grande mestre dos Cinco zang dos Seis fu é mais que um dos Cinco zang; ele é a combinação deles, seu conjunto, sua compenetração, sua unidade. O que é em mim consciência e espirito é o amalgama sempre renovado dos Cinco elementos sob a forma dos Cinco órgãos zang.

Assim, o querer que é ligado aos Rins no nível dos Cinco espíritos (wu shen 五神), é de fato o querer do Coração, que é a união e fusão dos Cinco espíritos para formar meu ser, minha consciência e o que dirige as modulações de minha vida interior. E por isso que é praticamente impossível falar do querer sem falar do proposito (yi ), pois é a associação deles que suscita a qualidade e a força da orientação tomada por um ser. Poderíamos dizer que o querer (zhi ) é a força com a qual nos mantemos na direção que o proposito (yi ) iniciou.

E também praticamente impossível falar de querer sem falar da abertura do Coração aos espíritos, porque é a luz deles que permite o discernimento sobre o que é para ser guardado no espirito, afim de que o espirito se fixe nele e o queira. Associa-se espíritos e querer para formar a expressão shen zhi 神志, que designa o espirito, a consciência, a faculdade de conhecer e de refletir sobre o que se conhece.

Poderíamos nos perguntar se a Vesícula Biliar tem um papel com relação ao querer, ela que é responsável pela retidão e a decisão, ela que é cheia de sopros yang, e então em relação com o yang autentico, o fogo da Porta do destino pessoal (Mingmen).
Um lugar existe, pela natureza mesma dos sopros, entre vesícula Biliar e o querer. Através da coragem e retidão deles, pela relação deles aos Rins e à Mingmen,

Um laço existe, pela natureza mesma desses sopros, entre a Vesícula Biliar e o querer. Pela coragem e retidão deles, pela relação deles com os Rins e Mingmen, esses sopros ajudam o querer no Coração. Mais não é o movimento da Madeira que está no fundamento do querer. É o da agua, que tem mais sabedoria e menos impulsividade, que é o enraizamento na origem e a base permanente de todas as atividades vitais. É também a luz do Coração que permite a justiça da Vesícula
Biliar. 

Parte II


Os Sopros, Sustentação do Querer 

O querer é uma força que se apoia nos sopros. Sem os sopros, o mental não funciona, o espirito não se exprime, o querer fica impotente. 
“ Os sabores (quer dizer a comida wei ) ativam os sopros (qi ); os sopros reforçam o querer (zhi ); o querer fixa a palavra; a palavra dá as ordens”. (Chunqiu zuozhuan,7° ano do duque Zhao).

A mesma coisa encontramos na medicina, pois os sopros e sua boa renovação, permitem o bom funcionamento de todas as instancias psíquicas, mentais e espirituais, tanto quanto eles permitem a força física e a manutenção das substancias do corpo. 
Assim, em Lingshu ch.32, os espíritos (shen ) estão igualmente colocados na dependência da alimentação para a manutenção de suas presenças e força de expressão graças ao bom estado dos Cinco zang:

 ”assim então, os Espíritos (shen ) são as essências –sopros (jing qi 精氣) dos alimentos sólidos e líquidos. ” 

O Querer, Perturbador dos Sopros
Mais ainda, querer e sopros devem concordar, no sentido que o querer do Coração e a força vital não agem um contra o outro, quer dizer que os desejos e intenções que emanam do Coração não semeiam a desordem na regulação dos sopros, levando-os assim à dissipação.

O Lüshi Chunqiu descreve assim o mal professor:
“Sua intenção (zhi ) e seus sopros (qi ) não estão em harmonia (he); ele toma uma ideia para deixa-la, mudando continuadamente, sem nenhuma constância em seu Coração. ” (Lüshi Chunqiu, livro 4)

Enquanto que em um ser humano bem equilibrado:
“Os movimentos musculares e os ossos devem estar bem firmes; o Coração (xin ) e o querer (zhi ) devem estar em harmonia (he ), as essências (jing ) e os sopros (qi ) devem circular bem. ”
(Lüshi Chunqiu, livro 20)

Pois o homem bem o suficiente para colocar seu Coração em união com o Céu tem um querer direito e sopros em abundancia:
“ Quando ele é assim em si mesmo puro e luminoso (iluminado, ming ), seus sopros e suas intenções (qi zhi 氣志) são semelhantes aos dos espíritos (shen). ” Então sua vontade e seus sopros(ou sua vontade sustentada e expressa pelos seus sopros, zhi qi 志氣) preenchem o Céu Terra. ” (Liji,ch.Kongzi xianju)

O Querer, Guia dos Sopros

“ O querer é o mestre dos sopros (seu guia, shi ) pois os sopros dão ao corpo sua plena potência (chong ). Desta forma o querer é superior enquanto que os sopros estão em segundo plano.
É porque eu digo: assegure firmemente seu querer e não deixe os sopros se exaltarem. ” (Mencius, ch.2)

A atenção é atraída por alguma coisa, no corpo ou no exterior: uma dor, um calor ou então um belo objeto, uma coisa repugnante...essa atenção, se ela é sustentada, se transforma em um tipo de finalidade, um objetivo. O querer que assim nasce no coração guia os sopros e os faz fluir onde a atenção está fixada. Os movimentos do corpo, os gestos, as atitudes, as reações ...são assim guiadas pelo querer. Eu estendo a mão para o objeto de desejo; eu coloco minhas forças em obra para obter o que aspiro.

O controle de si não é um constrangimento (mesmo se um certo constrangimento pode ser necessário em certos momentos ), mas a posse de si , quer dizer ,consciência da realidade da vida em si e de sua regulação natural .Retemos os sopros desenfreados  da 
cólera ,dominamos os sopros perturbados do medo, mantemos as aspirações e desejos justos e convenientes , temos o gesto justo e seguro ,...para a aquisição progressiva da serenidade ,pela aproximação do estado espiritual , ou, em outros termos, guardando os espíritos em seu Coração.

Le Huainanzi , no final do capitulo 1 ,trata da relação dos espíritos ao querer. Porque os sopros são abundantes, tudo pode funcionar. Porque os espíritos estão presentes no Coração tudo pode funcionar corretamente e em toda parte. Porque os espíritos permitem o vazio do Coração, a atenção não fica retida e pode então estar presente em todo lugar, difusa, mas real. Os espíritos dirigem  o querer sobre o objeto ou o lugar da atenção presente, mas sem mobilizar a atenção exclusivamente sobre aquele objeto, ficando assim disponível ao que possa se apresentar.
O querer guia assim os sopros, os fazendo fluir para um lugar particular quando necessário, mas sem os fazer desertar das outras atividades. A consciência é então presente como latente em todos os lugares nos quais ela não está ativada; nada lhe escapa.

“ Bem, então! O que dá a um homem vista clara e audição fina, para distinguir bem, um organismo resistente e capaz, por cem articulações, de flexão e extensão, o que torna capaz de distinguir o verdadeiro do falso, o que em seguida? Senão que os sopros, sendo abundantes, os Espíritos são capazes de dar o impulso(shi 使).

Como saber se ele está bem assim? O querer (zhi 志 )em cada um tendo um lugar onde ficar; os Espíritos possuem, seus laços (xi ). Andamos, o pé encosta, caímos, a cabeça bate num poste, perdemos consciência; nos fazem sinais que não podemos perceber; chamadas que não podemos escutar. Nem os olhos nem os ouvidos não nos deixaram. Mas então o que é que faz que não podemos responder? É que os Espíritos (shen ) não asseguram mais a custodia (shou ) deles.

Assim, presentes no que é pequeno, eles são ausentes do que é grande; se eles estão no centro, eles são ausentes do exterior; se eles estão no alto, eles são ausentes do baixo; se eles estão à esquerda, são ausentes da direita. Mas se existe abundancia em toda parte, em toda parte eles também estarão presentes. Quem estima o Vazio, da ponta fina de um fio fará sua residência.

O homem tomado pela demência, se  cai em uma vala ou canal, vocês creem que seja por falta de corpo (xing ), de espíritos (shen ), de sopros (qi ) ou de querer (zhi )? Não. É porque ele faz um uso aberrante. Eles deixaram suas posições de guarda (shou ), abandonaram suas casas, as do exterior (wai ) e as do interno (nei ). ” (Huainanzi.ch.1 – Trad.C.Larre & E.Rochat in “Les Grands Traités du Hai nan zi, Le Cerf.

Os textos médicos se preocupam mais particularmente do efeito sobre o movimento dos sopros e da incidência sobre o funcionamento orgânico. Quando os quereres degeneram em desejos, emoções e paixões, a perturbação dos sopros é  própria a cada emoção (Cf Os Movimentos do Coração DDB e As Emoções em Medicina Chinesa, apostilas da EEA).

Eles consideram igualmente como a atenção dada à uma dor, por exemplo, dirige os sopros para o local doloroso.

O Lingshu, capitulo 27 descreve as dores devidas ao frio, que condensam os líquidos corporais que fazem então pressão nas carnes. Depois ele acrescenta:
Quando existe dor, os espíritos se prestam (shen gui 神鬼); os espíritos se prestando, tem aquecimento; e o aquecimento dissipa a dor. ”
O mesmo princípio se encontra nos exercícios corporais, onde guiamos o sopro no corpo, tanto pelo mental que pelos movimentos físicos, e ainda mais nas práticas onde o sopro é guiado interiormente somente pelo mental.

Se os espíritos dirigem a via, a luz deles ilumina a inteligência e a escolha de finalidades, os objetivos, ideias, desejos, querer. Se os sopros são abundantes, eles colocam suas forças ao serviço dos espíritos se exprimindo no ou nos quereres. O corpo guarda esse jogo determinado de espíritos e de sopros o que permite a elaboração de uma vida pessoal.

O vazio (do Coração) dá acesso à uma plenitude verdadeira. Se não queremos nada para si, podemos acolher a plenitude da vida.
É a mesma coisa nas artes marciais .O querer não é nem um desejo de bater o adversário , nem uma atenção limitada aos detalhes para compreender o sentido de um movimento , adivinhar a significação do esboço de um movimento .

O querer é a plenitude dos sopros ao serviço de uma inteligência espiritual .Quando não queremos nada estamos prontos para 
tudo .Mas não querer nada , ser sem desejo , é o culminar de um longo caminho , no qual não se pode engajar nem perseverar sem um firme querer , uma solida determinação.

Os Cinco Quereres

Quando consideramos o querer como a expressão dos Rins no espirito, ele é a orientação vital geral, o que dirige todos os sopros.
Consideremos os sopros dos Cinco elementos, que são o funcionamento dos Cinco órgãos zang, e olhemos seus efeitos no nível emocional. Temos então Cinco direções tomadas naturalmente pelos seus sopros, cinco quereres, que são normais quando eles se harmonizam e patológicos quando o excesso o fazem fatores de desequilíbrio.

Tomemos um exemplo mais em detalhes. Os sopros da Madeira, representados no homem pelo Fígado, têm uma tendência natural a projetar para o alto e para fora, a dar uma forte impulsão às circulações, a limpar os caminhos. Na normalidade, esse movimento encontra seu equilíbrio se harmonizando com os outros quatro. Na patologia, ele se torna muitas vezes excessivo e desequilibra o organismo.

Na vida interior, funcionamento do mental e estado emocional, esse mesmo movimento de sopros é chamado nu , habitualmente traduzido por “cólera”, mas que significa também: ardor, impetuosidade, grande esforço. Nu  é uma cólera patológica, mesmo um furor, em caso de excesso; mas é também o impulso necessário à um bom funcionamento mental e afetivo. Sem ele, nada que leva adiante, permite de se projetar no futuro, da coragem de atravessar s obstáculos da vida. Nu  é então o querer próprio aos sopros do Fígado-Madeira.

Podemos, de uma forma geral, falar das Sete emoções, usando do valor simbólico do número sete para dizer que as emoções são poderosas, mais que elas são também  um perigo permanente, uma desordem em potencial.

Podemos a partir dos antigos modelos, falar das Seis emoções que são, no homem, análogas aos Seis sopros do Céu na natureza. Essas seis emoções que são então chamadas os Seis quereres (liu zhi 六志) e o homem é convidado a regula-los se inspirando da regulação natural do frio e do calor, do vento e da chuva, do dia e da noite, que são os Seis sopros do Céu.

“No homem, amor e raiva, euforia e cólera, aflição e alegria, são produzidos pelos Seis sopros (liu qi 六氣) (do Céu). É por isso que conhece-los à fundo permite regular convenientemente os Seis quereres (liu zhi 六志), por analogia. ” (Chunqiu zuozhuan,25°ano do duque Zhao).

Podemos falar de Cinco quereres, quando consideramos a organização do sopro vital, na Terra, em Cinco qualidades ou modalidades de operar.

É isso que encontramos no Suwen 5, onde um querer corresponde, na normalidade, à cada zang; mas onde esse querer afeta também esse mesmo zang:
“No Céu, é o vento. Na Terra é a madeira. Nas partes do corpo, são os movimentos musculares. Nos zang, é o Fígado {...}. Nos quereres, é a cólera (nu ). A cólera afeta o Fígado ...”

A mesma coisa para cada um dos outros quatro órgãos. A euforia é associada ao Coração, o pensamento obsessivo ao Baço, tristeza ao Pulmão e o medo aos Rins.

Listas um pouco diferentes desses Cinco quereres podem ser estabelecidas. Variações aparecem não somente na mesma obra, mas às vezes no mesmo capitulo. A significação delas é a mesma: uma orientação particular do movimento dos sopros através cada órgão, em função do elemento que ele representa no ser humano.

O querer, em cada órgão, guia seus sopros; ele guarda a retidão de seus movimentos e de suas atividades; ou ele se incha indevidamente, se desregula, e desorganiza suas atividades.

Quando os Cinco zang podem se colocar na luz do Coração de uma pessoa que se esforça para ser cada vez mais semelhante aos espíritos e fiel à Via do Céu, então seus quereres manifestam sobre os Cinco a força e a justiça do querer.

“ As Cinco vísceras podem se colocar na dependência do Coração e não se distanciar, qualquer que seja a exaltação do querer (zhi ), a conduta não se desvia. Assim, os espíritos vitais (jing shen 精神) abundam e nada não se dissipa dos sopros (qi ). Abundancia de Espíritos, plenitude de sopros, tudo é ordenado, equilibrado, compenetrado: É o Estado espiritual (shen ). ”
 (Huainanzi capitulo 7 -Trad. Claude Larre)

As Variações Sazonais do Querer

O homem autentico não varia na sua determinação; ele continua fixado em seu ideal de virtude e tenta através de todos os meios consegui-lo. Entretanto, ele se adapta infinitamente e indefinidamente à todas as situações, dobrando seu querer às circunstâncias, mudando suas disposições interiores e sua conduta, sem alterar a orientação profunda de sua vida, que é de ser um com a Via do Céu.

“Tais homens têm o espirito voluntario (xin zhi 心志), o rosto pacifico, sereno. Tristes, eles se identificam ao outono, alegres à primavera, seus movimentos de humor (palavra por palavra: euforia e cólera, xi nu 喜怒) se acordam com o círculo das estações (tong si shi 通四時). Eles se encontram em conformidade com as coisas tão bem que nada não pode limitar seus limites. ” 
(Zhuangzi capítulo 6- Trad. Jean Lévi, As Obras de Mestre Tchouang)

Le Suwen 2 apresenta as Quatro estações. Para cada uma ele indica as disposições apropriadas do querer. Assim, na primavera, “exercemos o quere pelo brotar da vida: Fazer viver e não matar, dar, não tirar, recompensar e não punir”, então no outono, “exercemos o querer com paz e tranquilidade, para atenuar o efeito repressivo do outono». No verão, “exercemos o querer, mas sem violência: Auxiliando o raio de beleza e de força, que cumprem assim suas promessas; auxiliando a evacuação dos sopros que gostam então de se exteriorizar “, e no inverno “exercemos o querer como encoberto, escondido, voltado somente para si, como ocupado em se possuir”.

Assim o querer, a tensão interna, varia segundo as estações, os diferentes momentos do tempo, as idades da vida, as etapas de um processo a qualidade do meio ambiente, as especificidades do que com o qual interagimos...
O que deve ser feito, ou seja, a querer, muda com as circunstâncias. A firmeza não é a rigidez. A adaptabilidade permite a eficiência e a economia de forças. O oportunismo, quando ele não é utilização e manipulação dos outros e das circunstâncias para interesse pessoal, é um dever sagrado, um sincronismo que é concordante com o movimento da vida. O que fica constante é a correspondência à realidade da vida.

Pois essas variações não são possíveis que se o enraizamento é solido; como em uma empresa a coesão do conjunto está ligada à um ideal, à um objetivo geral, uma certa finalidade que nos fixamos e que subtende as múltiplas decisões e orientações tomadas no desenrolar da atividade e de seus desenvolvimentos.

Para começar um negócio, é preciso ter uma ideia e um ideal, querer realizar qualquer coisa e em uma certa direção.
No processo de desenvolvimento , vamos criar departamentos , que não devem ser “divisões” , mas setores complementares pelas suas diferenças ;cada um com um objetivo particular , mas que não será correto que se ele responde à exigência do departamento ao mesmo tempo que ele participa à harmonia e à progressão do todo .No nível da direção geral como ao nível dos departamentos , as estratégias mudam segundo as circunstâncias ; mas sem nunca ser contrarias aos objetivos e ideais da empresa tais quais foram compreendidos no início permitindo sua criação.

Cada orientação particular é tomada em função da inspiração geral e inicial; nada não deve ser perdido de vista, sob pena de distorção, de perda do espirito que anima a empresa; essas determinações podem ser de todas ordens e às vezes aprecem como opostas, porque serão comandadas pelas circunstâncias; mas elas não devem quitar o que faz o enraizamento, o que está na fonte é à base do projeto.

Assim, o rio, a partir de sua fonte, não muda nunca seu destino, que é sempre o mar. Entretanto, nenhum rio não é retilíneo; ele chaga ao mar através inúmeros desvios. Mas em nenhum momento a água abandona sua natureza própria, que é de descer, de rolar para baixo. O rio chega então sempre ao mar, que está mais embaixo. Assim foi cumprido seu destino guardando sua direção geral, seu querer, mas se adaptando segundo a natureza e as configurações do terreno, mesmo que tenha tomado às vezes direções que não são as do mar.

As Mudanças do Querer Constante

A adaptação permanente, no respeito de sua natureza original, é obra do pensamento. O pensamento humano se dirige onde um querer ilumina a porta; ele reconhece as situações pelo que elas são e pelo que elas reclamam e encontra como se conformar a elas sem se desnaturar.

O Lingshu 8 define o pensamento como mudanças no querer: “ Que o querer que se mantêm muda estamos falando de pensamento. ”
O querer que muda com as estações e os momentos, com a idade e as circunstancias, se mantêm, contudo, como orientação e direções gerais.

Em um ser, um querer único emerge da origem: no homem, ele passa pelo seu Coração, sua consciência, para ser fixado. Esse querer guia sua vida até o fim e ele deve se orientar na direção do destino de sua vida, que no homem é antes de tudo celeste e espiritual. O querer deve então orientar o ser para as luzes espirituais (shen ming 神明) e para o Céu ou a Via.

Assim os sopros guiados corretamente, pelo Coração de uma maneira geral e unificada, e pelos Cinco zang nos movimentos particulares dos sopros e nos diversos setores da atividade vital.
Firmemente ancorado, o homem sábio pode então mudar indefinidamente. Como o cata-vento. Pode-se dizer que o cata-vento não muda, é o vento que muda. De fato, um ótimo cata – vento não muda jamais por ele mesmo, mas sempre em função do vento. Ele indica a direção do vento porque ele é equilibrado, ele não se vira para nenhuma direção, ele não prefere nenhuma; isso porque ele está solidamente colocado, bem direito e bem flexível.



Tradução: Emilia Firmino

ZHUANGZI ch. 5 - Trad. Jean Lévi

  O Tao deu-lhe a sua aparência e o céu a sua forma, porque deixaria que as paixões prejudiquem o seu corpo? Você se deixa distrair pelo mu...