sexta-feira, 11 de novembro de 2016

A Alacridade e a Alegria – 喜 樂 - XI LE


ALACRIDADE - XI 喜*

Alacridade e a cólera (xi nu 喜怒 )

A alacridade é tradicionalmente colocada pareada com a cólera:

“O homem experiencia uma alegria excessiva (da xi 大喜), ele danifica em si o yang. Experiencia uma violenta cólera (da nu 大怒 ), ele danifica em si o yin. Quando yin e yang estão os dois danificados, as Quatro estações já não chegam (em seu tempo), a composição harmoniosa do frio e do calor já não se realiza, o que por sua vez irá prejudicar o corpo (xing ) deste homem. Isto faz com que a alegria e a cólera, no homem, percam o seu lugar (shi wei 失位); faz com que ele seja constantemente sacudido de um lugar a outro, que seus pensamentos e projetos não cheguem a lugar algum ...”. (Zhuangzi 11)

A alacridade e a cólera representam dois movimentos opostos, pois a alacridade refresca e a cólera aquece. Estas duas emoções são então próprias para desorganizar a harmonia yin yang do sopro no indivíduo.  Como o homem participa dos sopros do cosmos, sua desordem é a desordem da natureza: as Quatro estações estão desorganizadas, elas que representam o modelo de alternância e da composição harmoniosa do yin e do yang. A desordem das Quatro estações, no indivíduo, é a desordem dos seus sopros, a má composição e a má alternância do yin e do yang no seu organismo e no seu mental.
Este par é retomado nos textos médicos, onde ela pode representar os desequilíbrios induzidos pelas emoções má geridas, ao lado dos males causados pelos perversos exteriores (calor e frio) ou de outras causas como o mau uso da sexualidade:

“Assim então, o 'savoir-faire' é a manutenção da vida.
Não deixar de observar as quatro estações e de adaptar-se ao frio e ao calor,
harmonizar alacridade e cólera e estar tranquilo no repouso assim como nas ações, regular o yin/yang e equilibrar o duro e o mole.
Deste modo, evitada a chegada dos perversos, haverá vida longa e visão duradoura. ”(Lingshu 8)

Alguém que, na sua constituição, tem um domínio do yin ou do yang, terá no seu temperamento, nas suas reações espontâneas, tendência à alacridade ou à cólera, a estar exaltado e vivo ou a estar nervoso e irritado:

“Muito yang, é muita alacridade. Muito yin, é muita cólera.” (Lingshu 67)

O yin é colocado aqui em relação com a cólera, pois se trata de um bloqueio que desencadeia a reação de cólera; enquanto que o yang é uma expansão plena de vivacidade.
Este par da alacridade e cólera representa também todas as desordens emocionais, pois estas duas emoções atacam o yin e o yang, o sangue o os sopros, tudo o que nutre, umidifica e irriga ou tudo o que anima, aquece e transforma.

“O Céu tem Quatro estações e Cinco elementos para produzir, fazer crescer, recolher e tesourizar, para produzir o frio, o calor, o seco, o úmido e o vento. O homem tem Cinco zang e, por transformações, Cinco sopros, para produzir alacridade, cólera, tristeza, pesar e medo. Assim então alacridade e cólera prejudicam os sopros, frio e calor prejudicam o corpo. Cóleras violentas prejudicam o yin, alacridades violentas prejudicam o yang. Os sopros em refluxo sobem, entopem as circulações vitais (mai) das quais a vitalidade deixa o corpo. Se alacridade e cólera não são regulados, se frio e calor são excessivos (intempestivos), a vida não mais é sólida.” (Suwen 5)

No par alacridade e cólera, estamos na presença de duas emoções “yang”, pois elas correspondem aos elementos ((Madeira e Fogo) associados às estações yang (primavera e verão) e aos zang ditos “masculinos” (Fígado e Coração). Tem-se então um par yin yang, no interior do yang. A alacridade não representa o yin nas emoções, mas unicamente no interior das emoções que são caracterizadas por um movimento yang dos sopros.
Compreende-se bem como a cólera prejudica o yin, ela que apressa os sopros em direção ao alto com violência, em um movimento yang incontrolado, que esvazia o baixo e que danifica o sangue e os líquidos. Compreende-se com menos facilidade como a alacridade prejudica o yang.

A alacridade corresponde ao Coração, aos sopros do Fogo:

“No Céu, é o calor; sobre a Terra, é o fogo;  [...] nos zang, é o Coração.[...] Nas vontades, é a alacridade (xi ). A alacridade prejudica o Coração.” (Suwen 5)
“Quando as essências e os sopros anexam (bing )[1] o Coração, há alacridade (xi )” (Suwen 23)

A alacridade patológica, em excesso, deveria então logicamente ser um excesso de fogo, uma excitação, um aquecimento, que danifica o yin e infla indevidamente o yang. De fato, isto pode ser encontrado perfeitamente em caso de alacridade excessiva; mas pode-se preferir acentuar o dano ao yin.
A razão é sem dúvida dupla. Primeiro porque a alacridade é antes de tudo um sentimento normal e desejável, que solta e refresca muito mais que aquece; em seguida por que se o vento é muito forte, que é o sopro da Madeira desequilibrado, desencadea-se a violência, o calor excessivo, o sopro do Fogo desequilibrado queima e consome não apenas os líquidos, mas também os sopros:

“Um fogo potente diminui os sopros, um fogo leve reforça os sopros;
Um fogo potente se nutre de sopros, os sopros se nutrem de um fogo leve;
Um fogo potente dispersa os sopros, um fogo leve produz sopros.” (Suwen 5)

A alacridade como relaxamento dos sopros
A alacridade representa os sopros do Fogo. Ora, na normalidade, os sopros do Fogo são o que nutre a vida e não o que a destrói. Olhemos a apresentação do elemento Fogo em um texto do 3º século D. C.:
“O Fogo é posicionado no quadrante meridional. No quadrante meridional, o yang está no alto e os Dez mil seres deixam pender os seus ramos. O Fogo (huo ) significa também transformar (hua ): os sopros yang regulam os afazeres e os Dez mil seres são mudados e transformados (bian hua 變化). [......]    O quadrante meridional comanda o crescimento e a manutenção (zhang yang 長養)” (Baihutong, cap. Cinco elementos)

O fogo que mantém a vida não é aquele que flamba e queima; é aquele que aquece e nutre, como o Coração, enquanto órgão representando o elemento Fogo, faz circular o sangue para aquecer e nutrir todo o corpo. O verão, a estação que corresponde ao elemento Fogo, é o período onde esta função está em seu apogeu, quando os ramos das árvores se curvam sob o peso dos frutos e a terra carrega as plantações que completaram seu crescimento (o Fogo gera a Terra). O fogo, os sopros, o yang mantém relações analógicas estreitas; pode-se então associar ao Fogo a ação dos sopros que, pela transformação que eles operam incessantemente sobre as essências e todas as substâncias vitais, permitem a evolução e a maturação dos seres. O Coração, também, permite a maturação e a realização da vida pessoal. O Fogo é, também, os sopros que circulam por toda parte, se elevam e se infiltram como uma fumaça, tudo o que permite propagação e desdobramento. O Coração corresponde a isso comandando as circulações vitais (mai ) que distribui regularmente o sangue e tudo o que mantém a vida.
Assim, uma alacridade que expressa os sopros equilibrados do Fogo ajuda à circulação do sangue, à difusão dos elementos nutritivos, às operações dos sopros yang. Por uma circulação sem obstrução de um sangue rico e fluido, os espíritos se manifestam, os pensamentos e disposições íntimas são mais facilmente corretos, as ruminações e reavaliações, os ressentimentos e os temores têm menos conquista sobre nós.
É a apresentação da alacridade que se encontra no capítulo 39 do Suwen:

“Quando há alacridade, os sopros se relaxam (huan ). [............]
Quando há alacridade, os sopros são bem harmonizados e a vontade (zhi ) se distribui bem por toda parte, reconstrução (ou nutrição) e defesa (ying wei 營衛) comunicam e circulam bem. É assim que os sopros estão relaxados.”

Os sopros se relaxam, pois eles não estão submetidos a nenhuma tensão indevida; não há nenhum nó no peito que atrapalharia a distribuição dos sopros yin (reconstrução) ou yang (defesa); nenhum bloqueio no mental que impediria o bom funcionamento do espírito.
Entretanto, a alacridade pode se tornar muito viva, acarretando um desequilíbrio dos sopros, no qual o yang domina o yin, o fogo queima os líquidos e consome os sopros. O relaxamento dos sopros se torna então um esgotamento.
A dilapidação só tem um tempo: uma vez que as reservas estejam esgotadas, fica-se esgotado e despojado; toda a vitalidade foi desperdiçada e os sopros, no presente, faltam. Um relaxamento completo, uma falta de tônus, por vezes mesmo o abatimento, o vazio na alma, sucedem frequentemente períodos de alegrias delirantes.
Não se vê as jovens crianças, quando há uma festa, entregarem-se de Coração à alegria, e depois cair, esgotados, em uma apatia e depois em um sono reparador? E que dizer de todos aqueles que se excitam por conta de um evento esportivo, passando da medida, sem mais conseguir parar; nutrindo sua excitação, que é cada vez menos alegre e cada vez mais violenta, por todos os meios: gritos, álcool..., confundindo a aceleração do ritmo vital com o prazer da alacridade.

 A alacridade como superexcitão e desvio
Pode-se também considerer a alacridade como um superaquecimento, uma superexcitação. A aceleração da corrente vital, de sangue e sopros, não mais consegue parar, se conter; ela se embala. O Fogo muito forte ataca então o Metal, o Pulmão, de acordo com o ciclo de dominação (ciclo ke ):

“De alacridade e de alegria, os espíritos se assustam e se dispersam; partindo, não há mais entesouramento” (Lingshu 8)

Muito normalmente, a alacridade provoca uma expansão, uma exteriorização: de alegria, pula-se, fremissa-se, volta-se aos outros, fossem estes, mesmo, estrangeiros. Uma grande alegria pode mesmo cortar o fôlego ou fazer urrar. Não se vê, não se escuta isso todos os dias nos recintos esportivos?
A doação que se faz de si mesmo ou de suas riquezas sob o golpe da excitação provocada por uma alacridade viva é raramente apropriada, refletida, útil: um homem que acaba de ganhar na loteria dará, sem consciência da incongruência, sapatos a alguém sem pés.
Se a difusão é saudável, a dispersão é patológica. Neste último caso, o interno se esvazia, há dilapidação em direção ao exterior. A inconsciência conseguinte à alacridade faz perder toda noção de perigo ou de simples discrição; nada é guardado ou conservado; mas longe de ser uma generosidade real, há aí apenas um desperdício vão. As forças da vida, as essências e os sopros, são pulsadas para fora do corpo. Seguindo-as, os próprios espíritos, deixados sem suporte e sem eco, se dispersam como pássaros assustados.

Os espíritos (shen ) são pássaros no mundo antigo. Eles têm sua liberdade de vôo. Eles têm também dos pássaros a fragilidade, o aspecto ou assustado ou amendrotado. Uma excitação viva ou uma dilatação sem limite é como o cachorro correndo loucamente pelo pátio ou o gato fazendo os pássaros fugirem.
Se tudo é empurrado para fora, como as essências poderiam continuar entesourizadas no interno? Se as essências já não são guardadas, como os espíritos poderiam se tonar em mim meus espíritos vitais (jing shen 精神 palavra por palavra: essências e espíritos)? 
Se meus espíritos vitais já não me guiam, como poderia eu me conduzir de maneira razoável e racional? Isso não é loucura? Encontra-se um pouco mais à frente, no mesmo capítulo 8 do Lingshu:

“Quando o Pulmão é acometido por uma alacridade e uma alegria[2] sem limite, os Po ficam prejudicados. Prejudicados os Po, o indivíduo perde a razão (kuang , fica-se louco); nesta perda de razão, o propósito ignora outrem, a pele se encolhe e se encarquilha. Os pêlos se tornam quebradiços e aparecem todos os sinais da morte prematura. Morre-se no verão .”

O que desaprovamos na alacridade e na alegria?

 De ser sem fronteira, sem limite. Elas são trabalhadas pelo desejo de ser sempre mais. Se nada vem opor-se a isso, torna-se um desenvolvimento em todas as direções e incontrolável. É uma excitação que faz saltar, os pontos de apoio da vida e dos espíritos se escoam, as bases são arrebatadas pelo movimento desenfreado em direção ao exterior, suscitado pela alacridade.
As instâncias Po, de qual todo o serviço é estritamente definido e ligado às essências, são levadas para longe de suas tarefas. Nada mais é como deveria ser. O arrebatamento do yang prejudica estes Po, associados das essências; os condutos naturais e instintivos da vida são pervertidos; os condutos normais do ser humano se tornam aberrantes; o yin se esvazia, as essências se empobrecem.
Os Po ficam loucos à sua maneira de Po, e se fala de loucura, loucura furiosa (kuang ), como os Hun se tornam loucos à sua maneira de Hun, quando a tristeza toma o Fígado[3]. Mas, diferentemente da loucura ligado aos Hun, não se diz da loucura ligada aos Po que ela se acompanha de esquecimento. Quando se fala de esquecimento, compreende-se com naturalidade que o indivíduo se escapa a si próprio; a crise se torna crise de identidade; ela é própria aos Hun, instâncias superiores.
Os Po estando prejudicados transmitem o golpe recebido ao propósito (yi )[4]. O Coração se agita de alacridade e de alegria, suas emoções próprias; ele se ressente da excitação dos sopros no Pulmão, ele já não fixa o propósito, não mais vivifica corretamente o Baço, não reconhece mais o que lhe é bom e conforme. Se o Coração não pára, não se aplica, não há propósito real, mas sucessões de propósitos inconsistentes e que são em seguida abortados. O propósito não conseguindo se conservar, não mais há possibilidade de uma vontade autêntica, de uma orientação sã e sensata das emoções, do mental. Nem mais pensamento, nem mais reflexão reais se formam. O propósito incapaz de servir de matriz à vontade e ao pensamento, de reconhecer e considerar seres e coisas, é um comportamento frenético, onde as relações humanas são ridicularizadas, onde a relação com o exterior é desviada moralmente: o propósito ignora outrem, é o fim das relações que fazem o homem; é o desvario, a loucura.

O Fogo do Coração, muito forte, agride o Metal do Pulmão (ciclo de dominação), o que propulsa por todos os sopros do Pulmão. Eles escoam, plenos de calor perverso, até a pele, associada ao Pulmão que se encolhe e se encarquilha sob esses jatos de ar chamuscantes.
Morre-se no verão, quando o calor exterior e a tendência natural da estação à exteriorização vêm encorajar a patologia e trazem o golpe de misericórdia à falta de entesouramento das essências e dos sopros no interno.
A loucura desencadeada por uma alacridade muito forte se encontra no Lingshu, cap. 22:

“Loucura furiosa (kuang ): tem-se bastante saudade, tem-se tendência a ver demônios e espíritos (gui shen 鬼神) e a rir sem emissão ao exterior. Isto se adquire por uma alegria muito viva (da xi 大喜). Trata-se no Taiyin, Taiyang e Yangming do pé. Depois no Taiyin, Taiyang e Yangming da mão.”

Uma alacridade viva intensifica o movimento natural dos sopros do Fogo em direção a elevação e à exteriorização, em direção à difusão de tal maneira que este movimento já não é equilibrado suficientemente pelos outros sopros. Os sopros do Coração se dispersam em direção ao exterior e se tornam incapazes de entesourizar as essências no interior. Tem-se então uma situação de vazio de sopros do Coração, de ausência de sopros vitais (jing shen 精神).

“Quando a alacridade cria um grande vazio, os sopros dos Rins encavalam (cheng  , usurpam os do Coração).” (Suwen 19)

O vazio dos sopros do Coração é sentido como um vazio interior, por exemplo, na região do epigastro, que se deseja preencher por uma espécie de bulimia. Mas comer muito não é suficiente para recolocar em ordem o movimento dos sopros, pois nada os guia corretamente em direção ao Coração. As essências não conseguem renovar corretamente o sangue do Coração e nutrir os sopros corretos.
A inspiração dos espíritos não mais está presente no olho, ela que dá iluminação ao Coração e luz à visão, já não se reconhece então o que se vê. Como é o Coração que está danificado as alucinações tomam a forma de demônios e espíritos. O olho é particularmente prejudicado por duas razões: sua relação estreita com o Coração, do qual ele é menssageiro, e sua posição alta, aonde chegam os sopros que sobem seguindo o meridiano do Coração[5]. Ora, os sopros que são pulsados para fora do Coração seguem o movimento do yang em direção ao alto.
Os sopros projetados pelo Coração em direção à garganta fazem normalmente ressoar aí o riso. Aqui, o riso torna-se rictos, pois os sopros já não são suficientemente potentes para fazê-lo ressoar.
O tratamento proposto pelo Lingshu cap. 22 se apóia primeiramente sobre a renovação, pela alimentação, dos sopros do organismo e, portanto, daqueles do Coração. Trabalhando sobre os meridianos do Baço e do Estômago, assim como naquele da Bexiga para guiar os líquidos que nutrem e que refrescam. Depois se trabalha sobre os meridianos do Pulmão, do Intestino Delgado e do Intestino Grosso para dispersar o calor em excesso no peito, o Intestino Delgado estando ligado ao Coração e o Intestino Grosso ao Pulmão[6].

 O RISO
O riso xiao é, de acordo com a etimologia tradicional, um homem que se curva e pende sua cabeça para frente , torcendo-se como bambus = chacoalhados pelo vento.
O riso, como a alacridade, é bom ou nocivo. Como ela também, ele depende do Coração:

“Nos zang, é o Coração. [.....] Nos sons, é o riso” (Suwen 5)

Quando os sopros são conduzidos pelo Fogo, pelo Coração, eles se elevam no peito e brotam na garganta produzindo o som do riso, da mesma maneira como, por exemplo, empurrados vivamente pela Madeira, pelo Fígado, os sopros produzem um grito. Quando os sopros do Coração estão equilibrados, o riso é saudável e calmo; ele sobe e explode a partir de uma situação de paz e de alacridade serena, ele relaxa as tensões, particularmente no nível do Coração; ele deixa à vontade e permite uma melhor comunicação. Mas ele pode também explodir sob a pressão de uma excitação e de uma agitação incontroladas.
O Suwen, cap. 62 faz do riso irreprimível um sinal de desequilíbrio dos sopros do Coração:

“O excesso relativo aos espíritos[7], é um riso irreprimível.”

O Lingshu, cap.8, o denuncia como uma plenitude patológica dos sopros do Coração, um calor excessivo:

“O Coração entesouriza as circulações vitais (mai), que são a habitação dos espíritos. Quando os sopros do Coração estão em estado de vazio, há tristeza, quando eles estão em estado de plenitude, ri-se sem conseguir parar (xiao bu xiu 笑不休 ).”

O riso louco incoercível, o riso louco denota uma situação interna nociva e não mais a ressonância do bem – estar.
O que nós chamamos de riso amarelo – e que os Chineses chamam de riso frio (leng xiao 冷笑 ) – é um riso que não expressa a realidade da situação interna. O Coração está frio, esvaziado de seu calor por um luto que entristece ou por uma situação que embaraça e torna vergonhoso. Mas se faz boa figura, para não perder a cara, mostra-se um riso que não pretende enganar, imitar o riso caloroso; mas um riso que significa: eu mantenho meu coração valente. Toda pessoa bem educada compreende e não insiste, para não aumentar o embaraço ou perturbar a situação.

A ALACRIDADE E A ALEGRIA

O duplo aspecto do coração

A alacridade forma igualmente um par com a alegria (le ). Acontece da alegria não diferir realmente da alacridade e que as duas emoções expressem a mesma situação onde os sopros do Coração se escapam sem conseguirem serem retidos e controlados. É o caso do Lingshu cap. 8 citado previamente.
Mas o mais frequente é a alegria diferir fundamentalmente da alacridade, mesmo que uma e outra sejam ligadas ao Coração. Elas expressam perfeitamente então o duplo aspecto do Coração, a alacridade representando o Coração como um dos Cinco zang, como os sopros do Fogo, e a alegria representando o Coração soberano, unidade do ser e da consciência, centro de todos os movimentos de sopros que constituem o físico e o mental.
A etimologia tradicional dos dois caracteres mostra bem sua diferença:

xi, a alacridade : uma mão bate no couro do tambor e a boca entoa cantos de alegria: o prazer das festas dos vilarejos, a excitação dos cantos e das danças ao som frenético do pequeno tambor, a alacridade.
le, a alegria : o grande tambor apoiado num suporte , ladeado por sinos (sinos ou litofones) = , montados sobre uma base de madeira ; eis a alegria, a música oficial[8], bem programada que, na Corte, dá ritmo às cerimonias da vida do Império, com força e majestade.

Na alacridade, existe uma excitação, algo rápido e leve, à semelhança da mão batendo no tambor viva e ritmicamente; o dinamismo vital irrompe, manifesta-se com a petulância da juventude, sob o impulso de um sangue vermelho claro.
Há mais calma, lentidão, profundidade e tranqüilidade, harmonia e vibração orquestrada, na alegria, que é também a música.
Onde o riso exprime a alacridade, frequentemente partilhada em grupo, o sorriso é suficiente para comunicar plenamente a alegria, que é harmonia consigo e harmonia com o cosmos e as miríades de seres que aí vivem.
Onde a alacridade acelera a circulação do sangue e sopros, tornando mais fácil e mais agradável nossas sensações internas e nossas percepções exteriories, a alegria é a serenidade que faz coincidir nossa vida com a vida do universo. O Coração, mestre das circulações vitais e sanguíneas (mai ) é também nossa capacidade de seguir a ordem natural do Céu em nós, a abrigar os espíritos (shen ).

A alegria do Céu
A alegria não é uma emoção; ela é um sentimento profundo que vem do fato que a vida em nós segue seu caminho sem ser desviada por desejos ou atividades contrárias à nossa natureza própria. A alegria é o que experimentamos no mais profundo de si, quando se é um com o Céu, com a ordem do mundo que se expressa no movimento regular dos sopros. Ela é como a música[9] harmoniosamente composta e executada, quando cada instrumento da orquestra, dócil à batuta do chefe, toca apenas para a harmonia do conjunto e vive apenas para ela. Aqueles que não se conduzem assim impedem o desabrochar da alegria:

“Eles conduzem seus espíritos a contra – tempo, eles se afobam e enfraquecem seu Coração, eles vão contracorrente da alegria de viver. (sheng le 生樂 ).” (Suwen 1)

No lugar de seguir o tempo, os momentos do tempo e de tocar na sua vez e com os outros, cada um quer exisitir para si próprio e por si próprio se fazendo escutar. Tal hiperatividade fruto de um ego que não quer ceder, se opõe à harmonia yin/yang, feita de alternâncias e de uniões equilibradas. É o oposto da alegria própria à vida.
Aquele que soube renunciar à avidez de viver desfruta serenamente e plenamente da alegria da vida que é a alegria ou música do Céu:

“Também se diz de quem tem o conhecimento da Música (Alegria) do Céu,
A vida é um movimento do Céu; a morte é uma transformação do ser;
Sua tranquilidade é partilha da virtude do yin; sua ativação, a irrupção yang.
Quem então conheceu o que é a Música (Alegria) celeste
Não é exposto nem ao ressentimento do Céu, nem às contestações dos homens
Nem ao obstáculo das coisas, nem às censuras das almas Gui.
O ditado o diz bem:

"Nele, a atividade é apenas Céu; a tranquilidade é apenas Terra
Seu Coração todo inteiro instalado no repouso, ele reina sobre o mundo.
As almas Gui não se exaltam, suas almas Hun não se abatem.
Seu Coração todo inteiro instalado no repouso, os Dez mil seres lhe permanecem submissos.
Isto é o Coração em repouso estando vazio
Acompanha o movimento próprio do Céu/Terra.
E comunica com os Dez mil seres.
Isto se chama: Música (Alegria) do Céu.
Através dela o Coração do Santo mantém a vida do mundo.” (Zhuangzi 13)

Alacridade e alegria, servidores do Coração

A alacridade e a alegria se encontram lado a lado, no Suwen, cap. 8, para expressar o perfeito funcionamento dos sopros do peito, a serviço do Coração:
“O Meio do peito (dan zhong 膻中) tem o cargo dos agentes em missão (chen shi 臣使 ); alacridade e alegria (xi le 喜樂) se originam.”

O Meio do peito (Danzhong) é o sítio do mar dos sopros; aí se unem os sopros que vêm diretamente do Céu pela respiração e aqueles que vêm da Terra pela transformação dos alimentos. Uma harmonia yin/yang se realiza então constantemente neste mar, composição harmoniosa que dá aos sopros sua qualidade e seu ritmo. A harmonia realizada no mar dos sopros representa a harmonia yin/yang operando em todos os sopros do corpo: sangue e sopros, reconstrução (ou nutrição) e defesa... O ritmo correto que emana disto se percebe na regularidade da respiração do Pulmão e àquela dos batimentos do Coração. Há então um efeito sobre o próprio local, no peito, no Pulmão e no Coração, e um efeito à distância em todas as circulações, comandadas desde o peito e percorrendo todo o corpo. Mas a harmonia da composição dos sopros, colocando a vida no seu ritmo natural, é também a melhor maneira de servir o Coração, de lhe permitir comandar a vida tal qual ela deve se desenrolar.
Quando os criados servem um mestre tal qual o Coração, eles não se ocupam apenas do sangue e de sopros, de reconstituição ou de defesa, de carne e de ossos; eles se ocupam, por estas circulações e graças a elas, de irradiar a influência dos Espíritos. Não apenas a saúde é boa, a tez fresca e o olho vivo, mas tem-se no Coração o sentimento de pertencer plenamente à vida, à sua própria vida: é a alegria (le ); aquilo que dá uma espécie de estimulação alegre (xi ) que se repercute em todas as instâncias (vísceras) e todos os movimentos (circulações de sangue e sopros) do organismo. Este sentimento, experenciado harmoniosamente por todos os lugares, reforça a unidade e a coesão do composto humano, é a marca que um autêntico senhor opera. O prazer de seguir espontaneamente aquilo que a vida comanda pelo Coração é também um sinal de autenticidade.
 Ausência de alegria
Contrariamente ao que acontece com todas as emoções, que se tornam patológicas pelo excesso, não há e não pode haver patologia pelo excesso de alegria. A patologia que toca a alegria é sempre uma falta, uma ausência de alegria: bu le ( 不樂 )
A ausência de alegria não é um simples desprazer; ela é o sinal que a pessoa não está em harmonia com ela mesma, que ela desenvolve pouco ou mal as potencialidades depositadas nela na origem, e que em conseqüência ela também já não se integra na harmonia cósmica.
A ausência de alegria é um sintoma, que pode assinalar um dano no Coração, antes mesmo do aparecimento de qualquer outro sinal:

“Doença de calor do Coração: primeiramente está-se sem alegria; depois, após vários dias, há o calor (febre)...” (Suwen 32)

O dano no Coração, assinalada pela ausência de alegria, não é unicamente física; ela pode ser mental:

“Quando a demência (dian ji 癲疾) começa a aparecer, fica-se antes de tudo sem alegria (bu le ),a cabeça está pesada e dolorosa, olha-se em direção ao alto e o olho está vermelho; quando a doença se intensifica e culmina, há indisposição no Coração (agitação e aquecimento).” (Lingshu  22)

Trata-se de demência (dian ), e não de loucura (kuang ) como no caso da alacridade, pois o mal começa por uma fraqueza dos sopros corretos, uma incapacidade do Coração manter seus sopros na boa ordem. Em conseqüência, uma contracorrente ascendente se instala e explica os sintomas na cabeça e no olho. A ausência de alegria assinala a fraqueza do Coração.
A ausência de alegria pode até mesmo, como no Lingshu cap.24, assinalar a fraqueza do Coração que já não consegue assegurar a vida e se torna assim o último sintoma na evolução de um mal; após o qual já não há nada a fazer além de aguardar o desfecho fatal.






[1] Anexar é se encontrar um excesso, sangue e sopros todos reunidos em um lugar, em vez de se partilharem e de se distribuirem nos diferentes lugares de suas funções.
[2] Alacridade e alegria (xi le 喜樂) é para serem tomadas aqui com o sentido único de alacridade. Cf mais à frente estudo da alegria.
[3] Ver a apresentação da tristeza. Ressalta-se que, no Lingshu cap.8, o dano aos Hun e aos Po se traduz por uma loucura agitada, conseqüente a uma grande força do yang. No caso do Fígado, atacado pela tristeza e pela aflição e afetando os Hun, a força do yang vem do bloqueio e da queima das essências, e o yang volta sua força contra a vitalidade interna, provocando a morte por retração. No caso do Pulmão atacado pela alacridade e pela alegria afetando os Po, a força do yang carrega tudo para o exterior, provocando a morte por inflamar a vida, consumindo-a por todos os meios. Cf Os Movimentos do Coração, reed. Desclée De Brouwer 2006, p.184 a 196.
De uma maneira geral, toda emoção carrega para fora de si e faz perder a razão, cada uma à sua maneira.

[4] Para uma explicaçãodo que representa o propósito, cf Os Movimentos do Coração, opus cité, p.87 à 90.
[5] O Shaoyin da mão, do qual um ramo liga o Coração ao sistema interno do olho.
[6] Os comentários citam mais frequentemente os seguintes pontos : Bp.1 & Bp 4 - Be.39, Be.58, Be.61 & Be.63 - E.36 & E.41 - P.9 & P.7 - I.D. 7 & I.D. 8 - IG. 6 & IG. 7.
[7]  Os espíritos representam aqui o Coração, os sopros do Coração. Nao pode haver excesso de espíritos, quando estes tem o sentido da presença celeste, da inteligência espiritual. Quando se fala de excesso de espíritos, é necessário compreender um excesso no calor, o fogo, os sopros do Coração.
[8] Em chinês, o caracter de pronúncia le significa alegria e de pronuncia yue significa música.
[9] Pois é o mesmo caracter para alegria e música.




* Passagem extraída do Fascículo "As Emoções", editada pela E.E.A.
http://www.elisabeth-rochat.com/docs_fr.html

Tradução de Andrea Jacusiel.





quinta-feira, 3 de novembro de 2016

Capítulo II do Suwen (em português)







Esse curso é o primeiro que a EEA disponibiliza em VOD.
Através do capítulo II do Suwen, ele apresenta a visão tradicional chinesa das estações e dos “qi” ou energias ,sopros que eles representam, assim que suas manifestações fisiológicas ou patológicas na medicina tradicional chinesa.
É um texto fundamental para a prevenção de doenças e para o exercício da “arte de preservar a vida”.


“Temperar os Espíritos “ - O capítulo II do Huangdi Neijing Suwen, ou “Grande Tratado sobre a regulação dos Espíritos segundo os quatro Sopros “,traduzido e analisado por Elisabeth Rochat de la Vallée, legendados em português:

https://vimeo.com/ondemand/suwen2portugues










ZHUANGZI ch. 5 - Trad. Jean Lévi

  O Tao deu-lhe a sua aparência e o céu a sua forma, porque deixaria que as paixões prejudiquem o seu corpo? Você se deixa distrair pelo mu...