Os
Fu Extraordinários*
Elisabeth Rochat de la Valléé
“Cérebro,
medula, ossos, mai (circulação vital), vesícula biliar e útero, esses Seis são
produtos dos sopros da Terra; eles entesouram (cang 藏) o yin e reenviam à imagem (xiang 象) da terra; é por
isso que eles entesouram sem jamais deixarem escorrer para o lado de fora (xie 泄). O nome deles é Fu
Extraordinários e perenes (qi heng zhi fu 奇恆之腑)”. (Suwen capítulo 11).
Elisabeth
Rochat:
Esse seminário se intitula fu extraordinários, qi heng zhi fu (奇恆之腑), são os fu
que são qi heng. O caractere qi 奇 é o mesmo que o empregado para
designar os meridianos extraordinários, qi mai 奇脈. Nós estudaremos inicialmente o
sentido dos caracteres tomados isoladamente qi e heng, depois suas
associações no Neijing, antes de apresentar cada um dos seis fu
extraordinários.
A
expressão “fu extraordinários” (qi heng zhi fu 奇恆之腑) aparece uma só vez no Neijing,
o Clássico da Medicina Chinesa, no Suwen, no capítulo 11 e num contexto
bem particular. Referências tão pontuais torna ainda mais importante a análise
dos caracteres.
O
caractere QI 奇
Elisabeth
Rochat:
O primeiro caractere qi 奇
tem um sentido bem amplo. Segundo a etimologia clássica, nos livros chineses do
século 1° e 2°, esse caractere pode ser dividido em duas partes, superior e
inferior. A parte baixa é explicada como uma exalação, ke 可. A linha horizontal
– representa um tipo de obstáculo e a segunda parte 亅 evoca alguma coisa que tenta se
liberar, se separando desse obstáculo. O pequeno quadrado 口 é a boca. O primeiro
sentido desse caractere é de emitir uma aprovação, de exalar um sopro
aprovador. Se você dobra esse caractere 哥 e acrescenta a imagem da boca aberta 欠, você obtém o
caractere que representa o canto, Ge 歌, e cantar, é expressar satisfação e
contentamento.
Claude
Larre:
Comumente nós expressamos o pensamento pelas palavras, mas às vezes as palavras
são insuficientes, então começamos a cantar. Isso vem do Coração.
Elisabeth
Rochat:
No chinês clássico, esse caractere ke 可 significa: consentir, querer, julgar
possível, ser possível, aceitável, ser capaz.
Para
obter qi 奇,
acrescenta-se no alto a representação de um homem com duas mãos e dois pés: 大.A primeira
significação desse conjunto, segundo a etimologia é um homem emitindo uma
exclamação de surpresa vendo alguma coisa um pouco estranha, inabitual,
extraordinária, desigual, ou ímpar no sentido onde essa coisa não forma um par,
não faz par com alguma outra coisa. Imediatamente pensamos nos zang e fu(臟腑) ordinários que
estão todos em relação de casal (no sentido que cada zang está associado
à um fu pela teoria dos cinco elementos). Mas os seis fu
extraordinários são emparelhados a um elemento específico. É a mesma coisa para
os meridianos. Os doze meridianos ordinários estão em casais yin yang,
mas não os meridianos extraordinários - mesmo se eles estão em certos casos em
relação um com outro.
É
extraordinário o que suscita espanto, surpresa; um fato raro, inesperado, que
sai do ordinário, que é maravilhoso ou estranho; o que não segue as regras
habituais, que pode mesmo estar fora da lei ou ilegal; o que surge inesperadamente
e pode enganar como um estratagema para a guerra; o que não possui seu igual,
desemparelhado, único, ímpar e sem associações usuais.
O
caractere qi (pronunciado ji) pode ter o sentido de estar em
excesso: uma parte “a mais” que resiste à divisão, à separação. E por isso qi 奇 tem sempre o sentido
de irregular: ele não segue nem as leis comuns da sociedade nem a corrente
geral da vida. A vertente positiva expressa simplesmente a ideia de uma outra
via de domínio do movimento da vida, que não segue as regras habituais.
O
caractere qi pode também ser pronunciado ji. Com a pronuncia qi,
tem-se o sentido, sobretudo, de uma exclamação diante da visão de alguma coisa
estranha e extraordinária. Com a pronuncia ji, o caractere qualifica
mais alguma coisa fora do costume, irregular, ou alguma coisa que sobra, um
excesso, a parte que resiste à divisão, como um número ímpar.
Claude
Larre:
O contrário de qi 奇,
extraordinário, é zheng 正,
regular, normal, correto.
Elisabeth
Rochat:
Se você toma o caractere qi 奇 e acrescenta outro radical, você obtém
um caractere diferente o qual o sentido esclarece o sentido de qi. Por
exemplo, com o radical do cavalo 馬
você obtém o caractere qi 騎
que significa cavalgar.
Claude
Larre:
A conduta se refere aqui à cavalaria encarregada das operações com ataques
surpresa. Ela pode ir a qualquer lugar e ela tem uma mobilidade extraordinária.
É bem diferente da infantaria que possui uma aparência regular. É bem fácil ter
esse elemento de surpresa com o cavalo.
Elisabeth
Rochat:
O livro “A arte da Guerra” de Sunzi, redigido nos séculos 3 -4 a.C., expõe as
maneiras qi, extraordinárias, de ganhar uma batalha e os meios de
apreciar se a situação demanda uma ação regular ou extraordinária. A tática
qi sai do ordinário. Ela contém também o elemento da surpresa. A estratégia
qi é a mais poderosa, mas também a mais difícil a ser conduzida.
Se,
no lugar do radical do cavalo, você tivesse o da montanha (山), você teria a ideia
de um grande perigo, de um caminho íngreme através das montanhas, de algo
precipitado e irregular, qi 崎. Com o radical do jade, 玉, você tem o sentido
de uma pedra de valor, uma joia, qi 琦. Com o radical do telhado, 宀, é o caractere ji
寄,
significando ‘permanecendo em algum lugar’, e ‘permanecendo com grande
segurança’ pois você pode ter confiança. Se você tem confiança, você pode
enviar uma mensagem, assim o sentido é também de enviar uma carta com a certeza
que ela vai chegar ao bom destinatário. Com o radical do ser humano (亻) esse novo caractere
significa se apoiar sobre, conta com 倚. Com o radical da madeira (木) você obtém uma
poltrona ou assento confortável yi 椅.
Assim
podemos ver dois aspectos desse caractere: alguma coisa de irregular que pode
se revelar ou perigoso e precipitado, ou estável, fiável e confortável.
O
Caractere Heng 恆
Elisabeth
Rochat:
A etimologia do caractere heng 恆
mostra, à esquerda, o radical do Coração 忄=心. A parte direita 亙 é constituída de
duas linhas no lado e em baixo, representando uma passagem, a ideia de
travessia entre dois lados, talvez Terra e Céu, ou entre duas margens como um
barco fazendo a ligação. O caractere no seu conjunto tem o sentido de um
perpétuo movimento entre duas coisas, entre ying e yang
poderíamos dizer, de uma sucessão sem interrupção, que se faz completamente,
integralmente até o fim sem solução de continuidade. Daí o sentido de
continuidade e perseverança. Nessa perspectiva, o Coração preenche suas funções
naturalmente, pois o Coração deve controlar ambos os lados da vitalidade. Ele
deve ser capaz de tomar uma decisão e de manter a constância e a continuidade
da vida individual.
Na
mesma via, heng é também um dos sessenta e quatro hexagramas do Livro
das Mutações, o Yijing. É o trigésimo segundo hexagrama, o que o coloca
em lugar central pois 32 é a metade de 64.O sentido desse hexagrama é que, à
força de perseverança e de continuidade, as trocas entre as partes altas e
baixas do corpo do homem, da sociedade e da hierarquia são bem definidas,
assegurando assim a harmonia e a continuidade da vida.
Claude
Larre:
O hexagrama 32 é composto de duas linhas yin (descontinuas) em cima,
mais três traços yang (contínuos), depois uma linha yin (descontínua)
embaixo. Isso dá a sensação de uma construção tendendo para a estabilidade e
equilíbrio. Segundo o dicionário Ricci, é o momento onde a relação entre o
forte e o fraco evolui de maneira fecunda para um e outro, permitindo assim a
continuidade do desenvolvimento da vida entre Céu e Terra. Nem um nem outro não
podem prevalecer. A ideia principal do Livro das Mutações é de encontrar um
meio de governar o Estado ou o Império e si mesmo. A estrutura do hexagrama que
garante o equilíbrio no seio mesmo do movimento permite refletir à questão de
saber como encontrar o equilíbrio da vida. O aspecto heng será tirado do
aspecto qi, fazendo qi heng.
O
estabelecimento de qualquer coisa deve sempre emanar do extraordinário,
enquanto que o movimento contínuo em curso será tomado tranquilamente pelo
ordinário. O extraordinário e o permanente se completam e formam uma unidade
que é a base do processo de vida.
Elisabeth
Rochat:
existem duas formas de traduzir essa expressão qi heng 奇恆: ou como o
permanente, a regra, ou como o que é extraordinário. Em francês, devemos
escolher uma ou outra interpretação, mas elas coexistem na expressão chinesa,
mesmo que sempre um sentido se imponha segundo o contexto.
Nos
livros antigos, a expressão qi heng designa uma antiga técnica de
diagnóstico para determinar se a evolução da doença se faz em função ou não dos
ciclos das estações, quer dizer se sua evolução segue as regras normais,
habituais ou, ao contrário, se faz estranha e inesperadamente, fora das
transmissões e ciclos habituais.
Os
fu extraordinários são os fu que são diferentes dos fu
regulares; o caractere heng não é somente regra da vida, é também o que
assegura a continuidade do desenvolvimento da vida entre Céu e Terra. Nós
veremos como os fu extraordinários estão entre zang e fu.
Eles são chamados fu mas eles agem como os zang.
Claude
Larre:
Nós podemos nos referir ao que disse Elisabeth no início sobre a expressão qi
jing ba mai 奇經八脈,
os oito meridianos extraordinários. Eles formam um sistema que é a base e o
início do embrião e das funções da vida. Mas quando o embrião se desenvolve e
que distinguimos os membros, os meridianos são ligados aos membros e são
definidos como sendo do pé ou da mão. Então eles
não são mais somente os oito, mas os doze:
os
doze meridianos regulares entram em ação, ao lado dos oito meridianos
extraordinários. Duas vezes quatro é o sistema extraordinário que preside
as origens. Doze, ou seja, três vezes quatro, designa um outro aspecto das
atividades vitais que são religadas aos membros (Dois é a distinção yin yang,
mas Três é o número dos sopros manifestados).
Em
um texto chinês, quando não somos capazes de dar uma explicação, nós somos
livres de construir uma interpretação sistemática onde os números exercem seus
papéis e eles se ligam aos diferentes aspectos da vida. Então nós podemos
começar a perceber o vasto quadro do que é a vida.
SUWEN
Capítulo 15
Elisabeth
Rochat:
Neste capítulo e em alguns outros como Suwen 11,19,77 ou 80, qi heng
é uma expressão que nos leva aos livros de medicina. Infelizmente eles estavam
perdidos no momento mesmo da compilação do Suwen. Nós podemos ter
informações complementares através dos textos desses capítulos que citam os
tratados qi heng, e de seus comentadores.
“Huang
Di pergunta: Eu conheço pela tradição a avaliação e a medida (kui duo 揆度), o
extraordinário e o permanente (qi heng奇恆). Como eles indicam as diferentes
situações e como as utilizar?
Qi
Bo responde: a avaliação e a medida (kui duo 揆度) permitem determinar a profundidade da
doença. O extraordinário e o permanente estão relacionados com
as doenças extraordinárias. Permita-me falar a vocês dos números supremos (as
grandes leis, zhi shu 至數), da Via (do método, dao 道), dos cinco aspectos
coloridos (wu se 五色), das mudanças dos pulsos (mai 脈), do extraordinário
e do permanente (qi heng), da avaliação e da medida (kui duo 揆度).
A
Via (dao) está na unidade e nos espíritos (shen神), transmitem um movimento de rotação
sem volta. Se eles voltassem atrás eles não poderiam por mais tempo assegurar a
rotação e isso seria a perda do mecanismo (ji 機). Os números supremos (as grandes
leis) se aproximam de mais perto do que é sutil. Isso foi gravado nas tábuas de
jade, com o título: o mecanismo inscrito nas tábuas de jade. (Suwen capítulo
15) ”
Elisabeth
Rochat:
Os
Diagnósticos
A
avaliação e medida kui duo 揆度, é o nome dado às técnicas que
permitem avaliar o estado do paciente e a profundidade da doença. Utilizar kui
duo para fazer um diagnóstico é uma via, um método, e tratar com o
extraordinário e o permanente é uma outra via, um outro método. Para fazer um diagnóstico,
podemos também olhar a tez, as cinco cores (wu se 五色), apreciar as
variações do pulso, cada um fazendo sua análise segundo seu conhecimento
e seus meios. O resultado depende da experiência e da excelência do terapeuta.
O essencial é realizar a unidade de todos os sinais diagnósticos e de fundar
essa unidade sobre a qualidade dos espíritos, os shen 神.
Os
Espíritos
Os
espíritos são os asseguradores e os inspiradores da ordem natural de cada um.
Quando todos os ciclos e alternâncias transcorrem corretamente, quando tudo vai
na boa direção e segundo o ritmo apropriado, é uma expressão dos espíritos. Os
espíritos (shen) são o centro da vida, e por isso mesmo, na origem de
cada movimento da vida. Os espíritos de cada pessoa impulsionam esse movimento
vital. Se essa impulsão é seguida sem ser contrariada, então o homem torna-se
cada vez mais “espiritual”, assemelhando-se aos espíritos.
Os
espíritos (shen) seguem as estações, e por isso cada um dos cinco
elementos possui um período de dominação. O equilíbrio é encontrado na sucessão
natural deles. Após o inverno vem a primavera, após a primavera é o verão, etc.
Na natureza, jamais veremos o inverno vindo após a primavera, ou a primavera
depois do verão. Às vezes o tempo está completamente fora da estação, mas é
somente por curto período de tempo e não se trata de uma lei da natureza. Em
cada indivíduo, esse movimento deve ser mantido; cada um deve seguir sua
própria natureza e seu ambiente, observando as estações em tempos e horas, e
nosso tempo interno, nossa idade. Assim esse movimento se expressa sempre
através um movimento de rotação que não conhece volta para trás, o que seria
perverso. Seria como pretender que tenhamos 20 anos quando se tem 50, ou viver
à noite ao invés do dia.
A
circulação do composto sangue e sopros no interior do organismo depende dos
movimentos corretos de cada zang e fu, e da rotação natural dos
cinco elementos. Devemos estar atentos à esta circulação, assim como às
essências (jing 精)
e à renovação delas segundo o ritmo da nutrição. Devemos também estar atentos à
expressão dos espíritos que vem dos cinco zang e especialmente do Coração, e
que se manifesta na qualidade das essências e na circulação do sangue e sopros.
De
acordo com Suwen 13, quando um homem está com a plena possessão de seus
espíritos, significa que ele lhes permite governá-lo se regulando sob a ordem
da vida. Então se manifesta um grande esplendor da vida. Sua tez é bela, a
circulação do sangue e sopros é perfeita, e o homem não fica doente.
O
Suwen 14 adverte: quando os espíritos se vão, a doença se torna
incurável. Pois mesmo um bom técnico não pode fazer nada para um indivíduo que
perdeu o centro e a articulação de seus movimentos vitais.
Suwen
26 diz que “sangue e sopros (xue qi 血氣) são os espíritos no homem”. É por
isso que nós devemos lhes prestar todos nossos cuidados.
Em
Suwen 1, uma das condições necessárias para tornar-se um sábio é ter uma
boa relação entre o corpo e os espíritos. Os espíritos são o pivô mais
secreto e o mais profundo da vitalidade e, graças à manutenção de sangue e
sopros, eles têm a ocasião de governar a vida. Isto nos permite realizar nossa
vida segundo o número de anos que nós temos para viver, e de seguir “os números
supremos”, zhi shu 至數, quer
dizer, as leis que regulem a ordem natural como, por exemplo, em medicina os
ciclos da defesa (wei 衛),
da nutrição (ying 營),
os do ano e das estações.
Assim,
no nível mais sutil e íntimo, os espíritos governam a vida e comunicam o bom
ritmo e a justa circulação. Esse bom ritmo e essa perfeita circulação não são
nada mais que a transmissão natural de um zang a um outro, de um zang
a um fu e a distribuição de sangue e sopros no organismo. É também todas as
trocas entre o interior e o exterior. Se uma dessas transmissões está alterada,
então a doença pode aparecer.
As
Perturbações dos Espíritos
Nós
temos várias maneiras de determinar as perturbações. Por exemplo, pela
observação da tez ou pela palpação dos pulsos. Tez e pulsos, assim como as
técnicas mais misteriosas de diagnóstico, chamadas kui duo e qi heng,
fazem conhecer onde e como os espíritos tornam-se incapazes de comunicar o bom
movimento da vida.
O
essencial é de retornar à unidade. Quem não é capaz de ir até os espíritos,
como diz o Lingshu 8, será incapaz de permitir uma cura real. A dor
poderá ser tratada, mas a boa circulação com seu movimento de rotação não será
restaurada. A conservação desse sutil mecanismo é tão importante que o
imperador pede à Qi Bo de inscrevê-lo sobre uma tábua de jade.
Claude
Larre:
Se alguma coisa é gravada em letras de ouro sobre uma pedra de jade, é como a
cor do Céu, ouro, inscrita sobre a terra, jade. É o ensinamento mais válido que
você possa receber. Assim é sempre importante ver não somente o que é dito, mas
também seu contexto. Se certas coisas são preservadas numa biblioteca, a
orquídea - que é o nome da biblioteca do imperador- e são gravadas no jade,
isso significa que o ensinamento deles é muito precioso.
Elisabeth
Rochat:
O Grande Comentário do Livro das mutações, o IChing, anuncia:
”Quem
conhece a Via das mudanças e transformações (bian hua 變化), conhece os
espíritos. ”
Os
espíritos shen 神
não são perceptíveis senão através da manifestação de todos os mecanismos dos
quais o Coração é o articulador e o assegurador. Assim, como explica um
comentário, podemos perceber através dos pulsos o mecanismo dos espíritos no
indivíduo. Podemos percebê-los também observando a tez, por exemplo.
O
essencial é de atingir shen através dessas manifestações e qi heng
é uma via, um método, para fazê-lo. Não podemos exatamente dizer o que seria
essa técnica chamada qi heng, mas o capítulo 46 do Suwen fornece
esclarecimentos:
SUWEN
Capítulo 46
““O canhão do superior”, shang jing 上經,
ensina as relações do qi com o Céu. O canhão do inferior” xia jing 下經,ensina as mudanças e
transformações das doenças. O “cofre de ouro”, jin gui 金匱,é o que decide
entre a vida e a morte. A avaliação e a medida (kui duo 揆度) são a precisão nas
medidas. O extraordinário e o permanente (qi heng 奇恆) ensina o proposito
de doenças extraordinárias . Quando falamos de extraordinário (qi 奇), a morte não
está em relação com as quatro estações. Quando falamos de permanente (heng 恆) é que a morte está
relacionada com as quatro estações. Quando falamos de avaliação (kui 恆) é para determinar
as coisas justas tocando e procurando as estruturas íntimas das circulações
vitais e dos pulsos (mai 脈).A medida (duo 度) é para atingir o
lugar exato da doença nas quatro estações.”
Tratado
Superior e Tratado Inferior
Nós
temos uma apresentação do “tratado do superior “, shang jing 上經 e do “tratado do
inferior”, xia jing 下經.
Jing designa aqui um livro clássico, um tratado. Assim o shang jing
e o xia jing são clássicos. Shang 上, é acima, a mais alta posição, e xia
下,
é a posição mais baixa.
O
que existe nas alturas na hierarquia humana, é o Imperador; no universo, é o
Céu. Na posição mais baixa, é a Terra. É a razão pela qual o shang jing
é um clássico que trata as relações do homem com o Céu para a manutenção de
seus espíritos e o xia jing trata das relações com a Terra. A relação
com o Céu mantém uma boa circulação dos sopros como podemos ver no Suwen,
nos capítulos 1, e 3 a 9. Esses capítulos descrevem o bom ritmo da vida através
o yin yang e os cinco elementos que concordam à impulsão dada pelo Céu.
Os tratados que descrevem nossas relações com a Terra falam de manifestações
mórbidas, no Suwen, capítulos 28 a 49. A citação do capítulo 46 aqui
acima fala das “mudanças e transformações das doenças”.
O
Cofre de Ouro
Um
“cofre de ouro” jin gui 金匱,
é lugar que contém alguma coisa preciosa, como uma coleção de escritos
fundamentais. Essa expressão se encontra no título de várias obras tais quais o
famoso Jingui Yaolüe de Zang Zhongjing ou em capítulos, tal qual o capítulo 4
do Suwen. O que é mais importante, o mais precioso, é de ser capaz de
distinguir entre o que leva à vida e o que leva à morte. É a observação
diagnóstica cuidadosa, que permite ver se a doença progride em direção da morte
ou da vida.
O
Extraordinário e o Permanente.
O
extraordinário e o permanente qi heng 奇恆 “ensina à propósito das doenças
extraordinárias. ”
“Quando falamos de extraordinário (qi 奇), a morte não está relacionada com as
quatro estações. Quando falamos de permanente (heng 恆) a morte está em
relação com as quatro estações”.(Suwen 46)
Sabemos
que as doenças ordinárias se desenvolvem em acordo com as quatro estações, em
reação às influencias vindas do exterior, do frio, ou do calor, e assim por
diante. O ponto importante é que a evolução dessas doenças segue o ritmo das
estações, o sentido normal de transmissão indo de um elemento (ou agente)
a
um outro, de um zang ao outro. A evolução da doença é quase matemática e
previsível. É uma doença heng 恆, permanente pois sua evolução
segue o sistema permanente do movimento das circulações vitais através das
estações, dos elementos, dos zang. As doenças extraordinárias são as
outras doenças, o resto, o excedente e são menos dependentes desse ritmo: suas
causas não estão em correspondência com as quatro estações. Por exemplo, elas
podem vir de nossas emoções ou de nossas tensões, que perturbam o movimento da
vida. Nesse caso, os espíritos são incapazes de assegurar a continuidade da
vida, pois as emoções constituem um movimento que domina o das estações.
Esse
exemplo mostra que o extraordinário é capaz de causar e de levar a um tipo de
doença que varre os ritmos habituais da vida normalmente assegurados pelos doze
meridianos, os doze meses do ano, etc. Se o extraordinário é capaz de levar a
esses distúrbios, ele é também capaz de manter a vida além dos ritmos normais.
Claude
Larre:
É como um tipo de rede de proteção ou de organização superior.
Elisabeth
Rochat:
Assim, devemos avaliar com o diagnóstico, se a doença depende do extraordinário
ou do permanente, do regular. A doença se inscreve no ciclo normal da vida? É
uma doença mortal? Ela provém de um aspecto mais profundo da vida não emergindo
dos ciclos normais?
Claude
Larre:
Parece-me que o problema da morte não é a única consideração. Se é a sua hora,
porque não morrer? Mas se não é o caso, então você não deve morrer. Essa
informação depende de um bom diagnóstico.
Se
a causa da doença está ao seu alcance, você pode encontrá-la porque é alguma
coisa que acontece com você. Mas a causa da doença pode também estar além do
que pode ver um diagnóstico ordinário.
Elisabeth
Rochat:
Os cinco zang e os espíritos ligados aos cinco zang seguem o
ciclo da vida do adulto? Ou eles estão perturbados pela doença? Nesse caso,
estamos numa situação extraordinária, qi 奇, com uma doença extraordinária. É o
lado ruim do extraordinário, qi 奇 do qual o lado bom é a manutenção da
vida por trás de todas as circulações regulares e das correspondências com o
mundo exterior. Podemos ver algo de análogo com os meridianos extraordinários
que não possuem correspondências com as estações, ao contrário dos meridianos
regulares. Aqui o extraordinário, qi 奇, evoca o que não faz parte da ordem
estabelecida.
LINGSHU
capítulo 76
Elisabeth
Rochat:
A circulação dos sopros defensivos (wei qi 衛氣) é perfeitamente regulada com as
diferenças entre o dia e a noite, seguindo o movimento do sol. Essa circulação
é dividida em etapas de 15 minutos porque era a unidade do tempo do relógio à
água ,15 sendo 3 X 5. Temos também uma descrição desta circulação durante o dia
de 24 horas, ou durante o ano.
Mas
um dia não faz exatamente 12 vezes 120 minutos como o ano não faz exatamente
365 dias. O nome dado ao tempo restante nesses textos descrevendo a circulação
dos sopros defensivos é ji 奇. Esse resto nos permite viver com um
ritmo que é o melhor para nós, pois esse pequeno “excedente” chamada ji nos
permite ir à cama um pouco mais cedo ou mais tarde de maneira a ficar
exatamente no nosso próprio ritmo. Ele permite uma certa flexibilidade, e é
assim que segue a vida. Existem normas e regras na China e na medicina chinesa,
mas existe também uma certa flexibilidade. Esse pequeno resto ou ji permite a
regularidade dos ritmos e dos ciclos na flexibilidade.
SUWEN
capítulo 11
Elisabeth
Rochat:
É nesse capítulo que aparece a única ocorrência da expressão
“fu
extraordinários”(qi heng zhi fu 奇 恆 之 腑).
“Huang
Di perguntava: no mundo do mestre em receitas (fang shi 方士), às vezes cérebro
e medula são zang e às vezes são fu .Eu
ousaria lhe interrogar sobre essa sucessão de contradições? Todo mundo pretende
ter razão. Eu não sei como é. Você poderia me explicar?
Qi Bo respondeu: cérebro, medula, ossos, mai, vesícula biliar e útero, esses
seis são
produtos de sopros, qi, da Terra ( di qi 地氣).Eles entesouram (guardam)o yin e
reenviam à imagem da Terra. O nome deles: fu extraordinários (qi heng zhi
fu 奇
恆
之
腑).
O Estômago, o Intestino Grosso, o Intestino Delgado, o Triplo Reaquecedor e a
Bexiga, esses cinco são produtos dos sopros do Céu (tian qi 天氣),seus sopros nos
enviam à imagem do Céu .É por isso
que eles fazem fluir para o exterior e não entesouram(não guardam).
Eles recebem os sopros turvos (zhuo qi 濁氣) dos cinco zang. O nome deles é fu
para
as transmissões e transformações ( chuan hua zhi fu 傳化之腑 ).Eles não podem por
muito tempo guardar sem transmitir ,para finalmente fazerem vazar para o
exterior. A porta dos Po (po men 魄門,o ânus)é também um servidor
distanciado dos cinco zang pois líquidos e cereais não devem permanecer entesourados
por muito tempo.
Assim portanto, os cinco zang são aqueles que entesouram as essências e os
sopros (jing qi 精氣 ), sem os deixar vazar para o
exterior. É por isso que eles são ditos serem plenos de plenitude man 滿 e a plenitude shi 實 não lhes convém.
Enquanto que os seis fu que transmitem e transformam sem jamais guardar são
eles plenos da plenitude shi 實 e a plenitude man 滿 não lhes convém.
Assim, quando líquidos e cereais penetram pela boca, o Estômago se enche
enquanto os intestinos estão vazios . E quando a comida desce ,os intestinos se
enchem (shi 實)
enquanto que o estômago se esvazia (xu 虛).Falamos com relação à eles de plenitude shi e não de plenitude man.”
As
duas Séries de Fu
Esse
texto apresenta duas séries de fu: os fu regulares que são
chamados chuan hua zhi fu 傳 化 之 腑, que são os cinco fu
encarregados das transmissões e transformações, e um outro grupo, os qi heng
zhi fu 奇
恆
之
腑
que são os fu extraordinários e permanentes, no número de seis. O primeiro
grupo reflete a imagem do Céu e o segundo, a da Terra.
A
Terra controla todos os movimentos que guardam e entesouram, é o aspecto do
movimento yin pelo qual a Terra ela mesma é formada, e a gênese do universo. É
o movimento de condensação e de aglomeração. Em seguida expressa o yang que
está no sei yin
pelo seu movimento de subida, semelhante aos dos vapores de água que sobem para
o Céu formando as nuvens. É uma imagem das influências que provêm da Terra e
que se elevam para o Céu.
Do
seu lado, o Céu dirige todas as transformações e seus desdobramentos, as
circulações e distribuição de influxo. É o movimento mesmo pelo qual o Céu é
formado na gênese do universo. É o movimento yang de expansão e subida. Em
seguida o Céu expressa o yin que está no seu yang por um movimento de descida,
por exemplo fazendo chover. É assim que as trocas yin yang do Céu Terra podem
realizar-se. No corpo humano essas trocas do Céu e da Terra se veem por exemplo
nas relações entre o Reaquecedor Superior o Reaquecedor Inferior, ou entre o
Pulmão e os Rins. Pode parecer bizarro que os fu extraordinários, que
guardam as essências vitais, sejam ligados à Terra enquanto que os fu
ordinários, que digerem os alimentos vindos da Terra, sejam ligados ao Céu. A
guarda das essências puras e claras poderia qualificar os fu
extraordinários em um grau superior na hierarquia que o dos fu normais,
que se ocupam do turvo e do impuro. Ouro é o Céu que é hierarquicamente superior
à Terra.
Claude
Larre:
Não se trata somente de nossa questão, mas também a do Imperador à Qi Bo. A
ambiguidade está no texto. O Huainanzi, capítulo 3, descreve a aparição
do Céu e da Terra. É o Céu que se dissocia primeiramente do caos. O que chamamos
Céu não poderia ser chamado Céu antes de existir por esta separação do caos. O
Céu é o movimento de expansão: tudo o que se difunde e se emprega a partir do
caos para subir e se implantar é chamado Céu. Assim, quando tem a separação, o
que não pode se implantar e subir cai num tipo de concentração e de
condensação, e é isso que faz a Terra. Nesse nível, falamos apenas de um
movimento de subida e de implantação e de um movimento de descida e de
condensação. Esses dois movimentos são naturais ao Céu e à Terra: eles definem
o que eles são. No seio do caos, esses dois movimentos fazem a distinção, a
separação.
Mas
por outro lado, nós sabemos que Céu e Terra trabalham juntos e que deve ter um
movimento do Céu para a Terra e da Terra para o Céu, que é um movimento
secundário se assim quisermos e do qual já falamos. Para que alguma coisa
apareça, é necessário que alguma coisa venha da Terra sob a influência do Céu,
e é assim que ele pode surgir, subir. Mas essa aparição é secundária comparada
à primeira aparição que é natural ao Céu. Esse aparecer para o alto é
interrompido quando os influxos vindos do Céu descem para a Terra. A questão é
a da distinção entre zang e fu, entre o valor simbólico dos
números cinco e seis e entre uma plenitude shi e uma plenitude man.
Elisabeth
Rochat:
Nesse texto do Huainanzi, os seis fu estão em relação com a Terra. No Suwen
11, a Terra e o movimento da Terra são o modelo, a imagem para os seis fu
extraordinários.
Claude
Larre:
“Imagem” é a palavra que temos para traduzir xiang 象. E essa imagem não é
uma imagem visível. Xiang é de fato uma analogia, um símbolo: a relação de
alguma coisa ao Céu ou à Terra.
Elisabeth
Rochat:
Os fu extraordinários agem como a Terra, entesourando, guardando e
fechando; mas ao mesmo tempo, eles permitem ao que é puro e essencial
elevar-se. Se retornamos à imagem dos vapores, das nuvens e da chuva, o que
sobe para o Céu é mais puro que a lama que fica na Terra. Por outro lado, os
cinco fu das transmissões e transformações possuem um movimento
semelhante ao do Céu, que faz descer o yin, as substancias e os líquidos
para baixo.
No
capítulo 11 do Suwen, os seis fu extraordinários que refletem a imagem
da Terra são yin e os cinco fu para as transmissões e
transformações que refletem a imagem do Céu são yang. O fato de
considerar os fu extraordinários como do yin explica-se se nos
colocamos do ponto de vista do movimento secundário da interação entre o Céu e
a Terra.
O
objetivo deste texto é de mostrar, através as trocas por
cinco e por seis, a complexidade e a realidade das trocas entre Céu e Terra.
O
Cinco e o Seis
Se
temos uma série de cinco termos, o fato mesmo que eles sejam cinco é carregado
de sentido e indica o nível no qual é necessário compreender as noções de que
falamos. Próximo à era cristã, toda uma série por cinco deve ser tomada sob o
modelo dos cinco elementos: a série recapitula a totalidade e permite a
classificação de tudo o que comporta segundo cinco grandes tópicos.
Por
exemplo, cinco cores servem para classificar as cores, ou cinco sabores, todos
os sabores; cada cor ou cada sabor está ligado a uma das cinco cores ou sabores
tipos, pois ela divide com o elemento associado a esta cor, ou sabor, um mesmo
sopro; sopro que se encontra em todas as noções e realidades das inumeráveis
outras séries que se encontram ligados ao mesmo elemento.
O
número seis simboliza a rede de relações encarregada da manutenção da vida.
Seis serve para a implementação da organização iniciada a cinco; é o número por
excelência do que administra por repartição:
Representação
das realidades constituídas do conjunto dos sopros yin yang pelos
hexagramas compostos cada um de seis linhas contínuas ou quebradas; divisão dos
sopros yin yang em três pares dos quais as trocas formam as seis junções
(ou reuniões, liu he 六合),
quer dizer, o universo conhecido, no cruzamento do dinamismo celeste e da
submissão terrestre. Analogicamente, a constituição do espaço vital de um ser
pelas relações entre meridianos -os Seis yin e os Seis meridianos yang
-assegurados por trajetos que se distinguem desses meridianos e chamados jing
bie 經別.
Assim
os cinco zang representam a totalidade das atividades vitais, o conjunto
do todos os sopros que fazem e mantém a vida, à imagem dos Cinco elementos.
Enquanto que os Seis fu representam o sistema que fornece à manutenção
da vida, pela alimentação, fonte das essências, para os fu ordinários, e
para as essências propriamente ditas, fonte de vida, para os fu
extraordinários.
Esses
seis fu extraordinários seriam o que constitui e constrói a rede de
relações das essências durante a formação e a vida do corpo. Existe um tipo de
estabilização através desses seis para concentrar e conservar o que é puro. O
que é impuro, turvo, é encaminhado para o exterior via o ânus. Se alguma coisa
sobra no interior do corpo, deve ser sempre puro e pleno de vitalidade, e útil
para a renovação e manutenção da vida, o que chamamos essências. Somente as
essências podem ser entesouradas, guardadas no corpo pelos Cinco zang
assim como pelos Seis fu extraordinários.
Questão:
Vocês podem dizer alguma coisa a propósito das seis junções entre o Céu e a Terra?
Claude
Larre:
Essa questão do Seis é habilmente expressa nos textos pelas Seis junções (liu
he 六
合).
Encontra-se não somente no Neijing mas também no Zhuangzi, por exemplo.
O
que está no interior das Seis junções é alguma coisa que não podemos realmente
compreender, mas à qual podemos participar. O que está fora do modelo das seis
reuniões ultrapassa a compreensão do espírito humano ou da consciência. A
grandeza do espírito dos Chineses é tal que eles fizeram uma clara distinção
entre o que podemos e o que não podemos esperar. Eles supõem que alguma coisa
existe além de nosso alcance e é além das seis reuniões. Ao nível de nossa vida
humana, nós somos num nível de organização onde é normal falar de cinco para a
interpenetração e de seis para as relações.
Elisabeth
Rochat:
Outra maneira de ver a diferença entre zang e fu e entre os dois tipos de fu
é dada no texto pela oposição de dois caracteres para plenitude, man 滿 e shi 實.
Eles
designam cada um tipo diferente de plenitude.
Se
olharmos o caractere shi 實,
vemos um telhado 宀
no alto do caractere. Um teto indica residência, um abrigo onde alguma coisa
pode ser trazida. Embaixo, está desenhada uma ligadura de búzios, conchas,
símbolos de riqueza: búzios 貝
enfiados num cordão 貫.
Coloca sua fortuna ao abrigo sob um teto. É a prosperidade para a casa, pois
temos riquezas e, portanto, a família e seus dependentes podem frutificar. Um
fruto tem uma riqueza que vem da árvore e se torna shi 實, um fruto bem maduro
e verdadeiramente pleno, de uma plenitude substancial que podemos tocar,
apalpar. A plenitude shi 實,
nesse texto, implica que alguma coisa de substancial toma lugar num espaço
livre, vazio: por exemplo, os alimentos no Estômago. Os alimentos recebidos no
Estômago serão transformados, digeridos, assimilados, e, para a parte não
assimilada, ocorre uma transmissão do Estômago para os Intestinos. A plenitude shi
indica por exemplo que o Estômago, que se apresenta como um saco vazio está
pleno de alimentos ou quimo, e depois os Intestinos na vez deles, serão plenos
de quimo. Estômago e Intestinos se enchem e se esvaziam em alternância.
O
caractere man 滿,
composto de água 氵
e do perfeito equilíbrio dos pratos de uma balança, dá a ideia de uma total
impregnação. Nada é visível, não tem bloco substancial que seria visível num
espaço livre para arbitrá-lo. É mais a imagem da água numa esponja: a água está
aí, mas vemos somente uma esponja que não está seca, que está plena.
Os
cinco fu ordinários para as transmissões e transformações (chuan hua
zhi fu 傳化之腑),
estão plenos de plenitude shi, e os cinco zang são plenos com a
plenitude man. Isso significa que os fu extraordinários são
capazes de guardar e de entesourar as essências assim como de liberar os sopros
que provêm das transformações das essências. É evidente que eles não recebem as
essências como alimentos substanciais, porque as essências são sutis e
imperceptíveis. Elas podem embeber qualquer coisa de maneira a lhe tornar plena
da plenitude man. O problema é que os fu extraordinários se apresentam
mais como um espaço vazio que se enche de qualquer coisa, e não verdadeiramente
como um zang, que é uma massa completamente embebida de essências.
Tomemos o exemplo da Vesícula Biliar. Ela parece um pequeno saco que é cheio de
essências especiais formando a bile. A bile é o aspecto visível das essências entesouradas
na Vesícula Biliar. Isso funciona muito bem para a Vesícula Biliar ou o Útero,
até para os ossos e as circulações vitais. É mais difícil de compreender para a
medula e o cérebro. Mas como não é possível ter Cinco zang representando a
totalidade da vida e sua organização central, os outros órgãos são de uma certa
forma seus subalternos; o termo de “fu” lhes convém então melhor.
Os
fu extraordinários são exatamente como os zang pois eles entesouram
essências, mas eles não são como os zang no fato que eles possuem um
espaço vazio que lhes torna semelhantes aos fu.
Uma
das funções dos fu extraordinários é de evacuar fora do corpo. Esses fu
extraordinários possuem uma posição intermediária entre zang e fu;
eles estão também entre Céu e Terra ou entre alto e baixo. Eles guardam as
essências, mas não permitem a elas subirem, quer dizer, se soltarem e se
movimentarem. Nós veremos isto no Lingshu capítulo 10 onde eles aparecem
como a primeira etapa do desenvolvimento do corpo.
Os
fu extraordinários aparecem somente no capítulo 11 do Suwen e
estão ligados ao mundo dos mestres nas receitas (fang shi 方 士). Esses são os
mestres taoistas que praticam técnicas particulares tais como a respiração
embrionária. A respiração embrionária aparece várias vezes nos comentários
desse capítulo, para explicar os fu extraordinários. Eles explicam que a
divisão entre zang e fu é feita para estudar a emissão dos sopros
os mais puros, a concentração das essências as melhores, para construir o
embrião espiritual no baixo ventre no nível do campo do cinábrio inferior. De fato,
no contexto do Suwen 11, se trata muito provavelmente de um
desenvolvimento da nomenclatura, ainda mal definida na época dessa apresentação
da teoria médica.
Os
comentários dizem também que as funções dos fu extraordinários estão
mais próximas da origem que os doze meridianos ordinários ou as vísceras por
exemplo. É a mesma coisa com os meridianos extraordinários; os adeptos da
alquimia interna e da respiração embrionária recomendam a prática para os que,
com boa saúde, tentam procurar atingir sua própria natureza original.
Segundo
um comentário, a comunicação com a Fêmea Original pode se estabelecer graças à
atividade dos seis fu extraordinários; é por isso que os mestres
poderiam utilizar os seis fu extraordinários com esse objetivo. Os seis fu
extraordinários ocupam um lugar particular com a origem, e por essa razão, eles
podem assegurar a continuidade do desenvolvimento da vida, através do movimento
das essências.
Esses
fu extraordinários estão permanentemente ativos no corpo humano,
exatamente como os meridianos extraordinários. Eles possuem funções especiais
para estabilizar e regularizar a vitalidade quando ela é deficiente ou muito
fraca ou quando ela é atacada pelas influências sazonais externas, por exemplo.
Eles permitem também aos que estão em boa saúde fazerem o retorno à origem com
exercícios específicos, sendo fiel ao modelo original das essências.
Claude
Larre:
Esses fu são extraordinários, e eles asseguram a continuidade da vida.
Quando falamos de medicina, estamos interessados pelas doenças, mas aqui,
falamos de pessoas em perfeita saúde que querem proteger essa saúde e se
manterem em um nível superior.
Vocês
jamais viverão bem se não viverem a partir de sua origem e se não retornam à
sua origem. É sempre esse caminho cíclico entre o presente e a origem.
Elisabeth
Rochat:
A volta à origem é um retorno ao domínio do corpo, e isso explica os
comentários do Suwen 15 ou 46 segundo os quais, se vocês são incapazes
de agir sobre os espíritos, vocês são incapazes de tratar, pois seu paciente não
pode retornar a sua origem, que é também sua natureza própria e seu ritmo de
vida.
LINGSHU
Capítulo 10
O
início desse capítulo descreve a constituição do corpo humano:
“Quando o homem começa sua vida, primeiramente, as essências (jing 精) se compõem
perfeitamente ( cheng 成).Quando
as essências são perfeitamente compostas, o cérebro e a medula (nao sui 腦髓) aparecem(sheng 生).Os ossos (gu 骨) fazem a estrutura
,a circulações vitais (mai 脈) nutrem(ying 營),o muscular ( jin筋)faz a solidez. As carnes
(rou 肉)
fazem os fechamentos ( qiang 牆),as camadas da pele são firmes e os
pêlos e cabelos crescem. Os cereais entram no Estômago, as vias da animação
(mai dao 脈道)estabelecem
suas livres circulações (tong 通 ), e sangue e sopros (xue qi 血氣)podem circular (xing
行
).”
As
essências primeiras, originais, são os quatro primeiros fu
extraordinários: cérebro, medula, osso, e circulações vitais mai; eles
são então assim os primeiros componentes do ser humano.
As
essências chegam primeiro porque elas são nada mais do que a composição da
compenetração das essências do pai e da mãe que dão o modelo para uma nova
vida, permitindo aos sopros se particularizarem e se ativarem. São as essências
ditas do Céu anterior.
Não
existem seres vivos sem essências. O Lingshu capítulo 8 liga as
essências ao aparecimento da vida:
“Que
os vivos aconteçam indica que as essências existam (jing 精) ”.
O
capítulo 30 diz que “Quando Dois espíritos se abraçam, a conjunção deles dá
forma a um corpo. O que vem primeiramente na vida de um ser (numa vida pessoal
expressa num corpo, shen sheng 身生), é chamado Essências (jing 精).”
O
encontro das essências, nesse nível, é considerado como celeste ou terrestre,
yin ou yang? As essências são yang e ligadas ao Céu quando elas
são o modelo daquilo que formará a estrutura do corpo. Mas elas são geralmente
consideradas como yin, porque elas constituem a substância viva que constrói e
mantém toda forma, incluindo o corpo. Elas não são a impulsão ou atividade que
constituem os sopros. Elas geralmente formam um casal yin yang com os
sopros.
Claude
Larre:
Ser ativo, é ser yang; depender de alguma coisa, é ser yin. Aqui
vocês dependem das essências, e vocês dependem delas para a vida.
Elisabeth
Rochat:
Vimos que os fu extraordinários entesouram as essências; nesse texto
descrevendo a fabricação e a constituição do corpo humano, temos as essências
antes de qualquer coisa. Os Rins são os zang que entesouram as
essências, não somente as deles, mas também as essências que provêm de outros zang
e as essências do Céu anterior, para a continuidade e o desenvolvimento da
vida. O primeiro modelo da construção do corpo humano permanece constante. Nós
não podemos mudar nosso rosto, nem nossa constituição nem nossa natureza. Às
essências asseguram a continuidade e a permanência do andamento e do
desenvolvimento da vida. É um outro ponto que elas possuem em comum com os fu
extraordinários.
“Quando um ser humano começa sua vida, primeiramente, as essências compõem-se
perfeitamente. ” (Lingshu 10).
É a compenetração de
duas essências a perfeita realização de um ponto
de partida para a nova vida (por exemplo, as essências do pai e da mãe). Quando
as essências são compostas assim, então o
cérebro e a medula são produzidos; a relação entre cérebro e medula é muito
forte pois o cérebro é o mar das medulas e que o cérebro é também uma
concentração de essências. A relação do cérebro com os Rins é igualmente muito
forte desde as essências vindas dos Rins e, que,
pela medula espinhal, revitalizaram o cérebro e a medula do cérebro. A conexão
entre os Rins de um lado, e os ossos e a medula de outro lado, é igualmente
muito forte pois os Rins vitalizam e produzem ossos e medulas, lhes dando ao
mesmo tempo força e flexibilidade.
Questão:
Os Rins não são mencionados nesse texto; as medulas precedem os Rins?
Elisabeth
Rochat:
Os textos não permitem responder à essa questão, pois nenhum entre eles não
fornece o processo complexo do desenvolvimento do embrião, detalhado em todos
os seus aspectos. Procedemos alguns textos como esse que descreve a evolução do
ser humano partindo das essências para sangue e sopros.
Os
três primeiros fu extraordinários tem uma relação particular com os
Rins, e os Rins estão relacionados com a origem e com o sopro original, e, de
acordo com outros textos, com mingmen, a porta do destino. Podemos então
estabelecer uma relação entre fu extraordinários e os inícios da vida
num ser. Não é por acaso, se temos quatro dos seis fu extraordinários
presentes na construção do corpo pelas essências, sem dúvida num estado
embrionário. Os dois fu extraordinários restantes, a Vesícula Biliar e o
Útero, devem ser tomados num outro nível, o da diferenciação entre macho e
fêmea; nós retornaremos a eles mais tarde, quando os trataremos em detalhes.
Obviamente,
o movimento que forma a vida começa no mais interno do corpo (medulas) e
termina na parte mais externa (pele e pelos). A partir dos ossos que fazem o
esqueleto (a estrutura), existe uma progressão para as circulações vitais, os mai,
pelas quais a vida é nutrida e mantida. Em seguida a musculatura aparece
com sua força, sua tensão e a possibilidade de movimento que ela permite, em
seguida as carnes que são mais exteriores no sentido que elas dão a forma ao
corpo. Finalmente chega-se nas camadas da pele e aos pelos. Os fu
extraordinários estão nas zonas mais internas, pois eles são associados
às essências.
O
poder das essências é visível em tudo, manifestado igualmente como sangue e
sopros. Pode parecer estranho chamar as circulações vitais um fu, mas essas
circulações vitais, essas mai são de fato nada menos que a circulação das
essências sob a forma de sangue animado pelos sopros. Os músculos precisam
também ser nutridos e irrigados por todos os líquidos plenos de essências como
também pelo sangue e sopros afim de poder efetuar seus trabalhos. Igualmente,
no nível das carnes ou mesmo dos pelos e dos cabelos, o bom estado deles é a
expressão do bom estado das essências e de sua boa circulação sob a forma, por
exemplo, de um sangue abundante.
Os
caminhos das circulações vitais (mai dao 脈道) estabelecem as livres circulações
pois doravante se trata das circulações de sangue e sopros próprios à criança e
não mais aquelas dependentes da mãe. Assim, o recém-nascido começa a entrar em
ressonância com seu ambiente cósmico, tendo saído da barriga de sua mãe. Todas
as vísceras e meridianos que foram preparados para a gestação recebem então a
informação que permite colocá-los em relação com o mundo exterior através das
estações, dos sopros, etc.
Vísceras
e meridianos começam a trabalhar antes do nascimento. No momento do nascimento,
eles próprios se colocam em relação com o meio cósmico. Os meridianos e os fu
extraordinários não param suas atividades no nascimento.
Claude
Larre:
Nós falamos da medida do tempo, mas o tempo não tem realmente nenhuma relação
com maneira com a qual nós o medimos. O tempo, são diferenças de movimento.
Existe um movimento, alguma coisa de desenvolve, alguma coisa muda tudo isso é
uma questão de diferenciação de sopros.
SUWEN
Capítulo 76
Elisabeth
Rochat:
O Suwen 76 fala também das essências e das formas tomadas graças a elas.
“Cinco zang e seis fu, Vesícula Biliar, Estômago, os dois
Intestinos, Baço, Útero (bao 胞),
Vesícula, cérebro e medulas, secreções nasais e saliva, lágrimas de tristeza e
de
sofrimento, é através disso que circulam as águas e que um homem é em vida.”
O
interesse dessa citação é de mostrar que os Rins são igualmente as guardiãs,
responsáveis pelo entesouramento das essências e da água. O trabalho do
estômago é igualmente necessário: é pela assimilação e a digestão que todos
esses líquidos e essa água podem ser renovados. O Baço participa da assimilação
e da distribuição desses líquidos. E os dois Intestinos mantêm uma relação
especial com os fluídos corporais (jin ye 津液), como o faz igualmente a Bexiga. O
texto menciona em seguida o cérebro e a medula, assim como o muco, o escarro e
as lágrimas. Todos esses líquidos, normais ou patológicos, são o sinal da
presença de essências no nível dos orifícios superiores - nariz, boca e olhos.
Temos assim também toda uma circulação completa de água e de líquidos
permitindo a vida.
Um
comentador diz que as águas essências são como as fontes, mas elas devem se
elevar e entrar em comunicação livre com o Céu. Dito de outra forma, nossas
essências são, por definição, regidas por um movimento de concentrações e são
guardadas no interior do corpo. Mas uma parte de nosso corpo precisa das
essências para ficar viva e então elas devem ser igualmente submissas à um
movimento de subida e de difusão. E talvez os fu extraordinários
participem desse movimento. Efetivamente, medula e os ossos se encontram
presentes em todo o corpo e os mai asseguram a circulação de sangue e de
sopros em todos os lugares.
O
cérebro, que está no topo do corpo, representa a conjunção das essências e dos
sopros no nível mais puro. Essa elevação e circulação, difusão das essências é
um tipo de movimento secundário para elas, depois da condensação, e é talvez
por isso que temos seis fu extraordinários. São fu porque eles
vão distribuir alguma coisa num conjunto de relações, mas eles têm, contudo, um
aspecto zang porque são sobretudo guardiães das essências.
*
Trecho da apostila “ Os Fu Extraordinários “ – Primeira Parte –
Elisabeth
Rochat de la Vallée et Claude Larre
Publicação
da E.E.A
Tradução:
Emilia Firmino