Elisabeth Rochat de la Vallée
Tradução:
Mariana C. T. Scarpa
Revisão: Thiago Fortes Ribas
https://vimeo.com/112034511
O
CARACTERE
O radical do caractere nao (腦),
cérebro, é a carne (月)
[localizado] à esquerda do caractere e indica que a noção faz parte de um corpo
de carne. Na parte direita, acima se encontram os cabelos (巛),
e embaixo um tipo de caixa com alguma coisa no interior (囟),
a qual evoca “a medula que está no crânio”, segundo a interpretação clássica[i].
Assim, a parte da direita em seu conjunto mostra o cérebro no topo do corpo,
abaixo dos cabelos.
Na antiga escrita chinesa, o
caractere designado para cérebro tinha um outro radical: (匕)
que deveria indicar a simetria estrutural do cérebro em dois hemisférios e se
escrevia (匘),
este caractere caiu em desuso desde muito tempo.
Desta forma, o caractere de cérebro,
nao (腦),
representa a medula invisível do cérebro no interior dos ossos do crânio e
coberto por cabelos. Os cabelos são a expressão de uma superabundância de
sangue e de essências. Um cérebro corretamente irrigado e nutrido por essas
essências dos cinco zang se reflete na beleza e no comprimento dos
cabelos. Isto é para explicar o porquê de os cabelos aparecerem no caractere de
cérebro.
Na descrição dos meridianos, no LingShu
capítulo 10, o caractere nao (腦)
aparece somente durante a descrição do trajeto do meridiano da Bexiga,
iniciando no alto no ângulo interno do olho e subindo sob o crânio em direção
ao topo da cabeça, onde ele faz uma relação de conexão especial, luo (络),
com o cérebro[ii].
Depois o trajeto continua, voltando-se
[para baixo], saindo do cérebro e descendo pela nuca. No Suwen capítulo
60, o dumai possui exatamente o mesmo trajeto e, portanto, as mesmas
relações com o cérebro que o meridiano da Bexiga.
O
Nanjing, na dificuldade 28, fornece uma descrição do dumai que é
mais usual, fazendo-o sair do períneo, subindo em seguida pela coluna vertebral
até a cabeça. Depois de ter passado pelo DM16 [VG16] (fengfu), o
meridiano entra no cérebro com o qual ele mantém uma relação de obediência, uma
relação shu (屬).
O caractere shu dá a ideia de pertencimento a alguma coisa, de aderência
ou de dependência de alguma coisa ou de alguém, como um vassalo que depende de
seu senhor, os dois estão ligados à serviço de uma mesma causa ou de um mesmo
país[iii].
A
relação do dumai com o cérebro é, portanto, de conexão, luo, no Suwen,
e de obediência, shu, no Nanjing. De fato, ele possui uma relação
de conexão quando ele segue o meridiano da Bexiga e desce; e uma relação de
obediência quando ele segue seu movimento mais habitual e sobe. Poderíamos
dizer que o dumai se liga ao cérebro de diversas formas. O meridiano da
Bexiga é o taiyang, e o dumai é o mestre e a origem de todos os yang
no corpo. Todos os meridianos yang circulam na cabeça, assim como os
meridianos yin pertencentes aos dois órgãos zang que estão do
lado yang, ou seja, ao Fígado e ao Coração (o meridiano do Fígado indo
até o vértice e o meridiano do Coração indo do sistema ocular ao interior do
cérebro). Assim, podemos dizer que os sopros yang sobem até o topo da
cabeça.
SUWEN capítulo 81
[Conforme]
Elisabeth Rochat: O Suwen, no capítulo 81, define o cérebro como sendo yin,
isto nos mostra a dualidade deste fu extraordinário. Com efeito, ele
está situado onde todos os sopros yang conduzem suas essências mais
claras, ele está no lugar onde todos os sopros yang convergem, que isso
seja o vértice ou mesmo na base do crânio: nós temos, por exemplo, no ponto
DM14 [VG14], a junção de todos os yang.
Mas
o cérebro é igualmente definido como um fu extraordinário entesourando
as essências, como [se vê] no capítulo 81 do Suwen, definido como sendo yin.
Podemos dizer que no nível dos fu extraordinários, temos um tipo de
síntese potente de yin yang. Nós podemos igualmente afirmar que isso que
irá subir ao cérebro será, no nível das essências, isto que representa o mais
claro e o mais puro, uma vez que é isto que vai subir ao mais alto e, normalmente,
mais facilmente.
As
essências possuem um duplo aspecto:
-
um aspecto psíquico: elas são o material de base, a vitalidade da vida; elas se
encarnam na vida, no corpo, nas vísceras, no sangue, na água, nos líquidos, nas
carnes, na medula, nos sopros, etc., para formar um corpo.
-
um aspecto invisível: elas constituem o programa, o plano, segundo o qual as
essências são empregadas para construir um corpo (como a semente do carvalho
contêm o carvalho). Por exemplo, na alimentação, eu vou assimilar as essências
(os nutrientes): isto que me serve para renovar minha vida tal como ela é nas
suas propriedades (um carvalho possui outras maneiras de renovar suas essências
de acordo com o seu modelo de vida).
Podemos
igualmente observar o contexto a cada vez para ver com qual outro caractere as
essências vão se encontrar associadas, afim de compreender qual seria a posição
exata delas. Por exemplo, essências/espíritos (jing shen 精神)
e essências/sopros (jing qi 精氣).
Jing shen (精神),
essências e espíritos, espírito vital, exprime a qualidade da vida que irradia
no homem. Assim, pela virtude das essências bem formadas em si mesmas, os
espíritos (shen) podem se exprimir. Mas, ao mesmo tempo, se as essências
não são suficientes para circular, a pessoa e os espíritos se tornam cada vez
mais fracos e não haverá mais nem alegria nem interesse pela vida.
Os sopros podem provir da
respiração, da alimentação e disto tudo que nos penetra através das essências
para renovar nossa potência de vida.
As essências dependem da
contribuição de todas as vísceras. Estas são os nutrientes que são dados sob a
forma de sopros. Mas os sopros não podem realmente ser assimilados se as
essências não estão lá para lhes dar a possibilidade de se manifestar e de
agir. Em cada ser, a vitalidade das essências se torna especificamente
qualificada: por exemplo, os humanos possuem as essências mais refinadas do
universo.
Uma distinção grosseira seria a de
afirmar que no caso do jing shen, os espíritos (shen) iluminam a
partir das essências; este não é exatamente o caso para o jing qi,
essências e sopros, em que as essências permitem a presença e a atividade dos
sopros. As essências desempenham o mesmo papel em todas as circunstâncias, o
qual é de fixar ou de estabilizar a fim de dar a possibilidade de se manifestar
em um corpo vivo.
SUWEN
capítulo 16 e 17
Estes dois textos não falam
especificamente do cérebro, mas da cabeça. O caractere de cabeça é tou (頭).
Resumindo brevemente o capítulo 16. Os
cinco zang podem ser postos em relação com outros conjuntos realizados
por seis, por exemplo, as seis partes do corpo. Neste caso, temos as cinco
partes do corpo ligadas comumente aos cinco zang e depois alguma coisa
aparece em sexta posição. Algumas vezes é uma passagem ou um lugar especial do
corpo, isto vai depender do contexto.
No capítulo 16, temos uma
correspondência entre os cinco zang e um par de meses no ano.
Evidentemente, um zang vai faltar, e, em seu lugar, se acrescenta a
cabeça na lista dos cinco zang. Durante o quinto e sexto mês do ano, os
sopros do corpo humano são ditos particularmente ativos na cabeça, porque é
neste momento que o movimento de elevação é mais forte, uma vez que os sopros
estão igualmente mais quentes. Neste sentido, a cabeça não está separada dos
cinco zang, mas pode constituir um conjunto de seis com eles e ela se
encontra em todo o caso representada como ascensão extrema do movimento yang
na vida.
O capítulo 17 tem uma
particularidade a mais: “Os cinco zang são a força poderosa do corpo. A
cabeça é o fu das essências irradiadas (jing ming 精明).
Quando a cabeça está perturbada, a visão se enfraquece, o espírito vital (jing
shen 精神)
está desprovido de força” (Suwen, capítulo 17).
Jing ming (精明)
é traduzido por essências luminosas. Ming (明)
sugere a ideia de luz, de irradiação, mas também de inteligência; é uma
emanação que está plena de vida; encontramos esse mesmo caractere na expressão shen
ming (神明)
a qual podemos traduzir por: espírito e luz, a radiância luminosa dos espíritos
ou as inteligências espirituais. Ming é a luz interior vinda do espírito
que estão mantidas na profundeza do coração, mas que são capazes de iluminar
toda a vida e de assumir a boa conduta em cada parte do corpo. Esta luz
interior se vê na aparência de cada pessoa. Se a pessoa é capaz de manter seus
espíritos em seu Coração e de permitir que eles iluminem cada coisa, em
particular através dos outros zang, então essas circulações serão bem
feitas, sua tez será bela, o brilho dos seus olhos perfeito e sua inteligência
da realidade das coisas será plena. Desta forma, ming, a luz, se
encontra aqui acoplada à Jing, as essências.
Temos, portanto, no nível da cabeça,
a subida de todos os sopros Yang, os mesmos sopros yang que podem
igualmente se estabelecer como suporte para os espíritos. E temos igualmente no
cérebro o acúmulo das mais puras essências do organismo. Desse modo, que seja a
cabeça ou o cérebro, eles estão em um lugar onde essências e sopros se
encontram reunidos em seu mais alto nível. É por isso que se encontram lá os
órgãos do sentido, a expressão das faculdades superiores do ser humano, os
orifícios superiores, em particular esses que, como o nariz, o olho, ou orelha,
trabalham com isso que não é palpável: os odores, os sons, a visão, isto que há
de mais fino e mais sutil. Estes orifícios superiores necessitam da conjunção
das essências, de sangue e de sopros, mas igualmente, a presença dos espíritos,
para funcionar bem não somente em um nível psicológico, mas que reflita toda a
especificidade disso que é um ser humano.
O Suwen capítulo 81, assim
como o Lingshu capítulo 80, explicam particularmente essa questão para
os olhos. As essências e os espíritos provenientes dos cinco zang e seis
fu sobem até o olho para formar a visão e para permitir que a luz
interior, que é a inteligência, se manifeste através da pupila.
O primeiro ponto do meridiano da
Bexiga, no canto interno do olho, é jing ming (睛明).
O primeiro caractere jing (睛)
não é o mesmo que o jing (精)
de essência, apesar de ele ser parecido e que ele tenha uma parte em comum. O
radical muda uma vez que a esquerda temos o radical de olho (目)
no lugar daquele de grão de cereal (米)
[usado] para as essências. A direita, temos a parte comum a eles, (青),
é a cor verde, mais exatamente a cor de uma vida bem cuidada. É a cor da
vegetação quando uma seiva rica e nova corre por ela na primavera. É a
manifestação no homem, analogamente, de um movimento de subida das essências
ricas.
Pelo fato de que todas as essências
sobem até os olhos, a partir do cinco zang e dos seis fu, o olho,
recebendo essas essências mais puras e as utilizando, é capaz de se deixar
penetrar pela potência dos espíritos, isto que se manifesta também através da relação
específica deste orifício, o olho, com o Coração e seu meridiano[iv].
O olho é beneficiado igualmente de todos os meridianos yang que circulam
nesta região. Assim, o olho é capaz de preencher todas as funções da visão, de
distinguir claramente, mais igualmente de poder discernir não somente
psicologicamente, mas também mentalmente. Isto vem da presença dos espíritos do
Coração. É por esta presença dos espíritos no olho que a força do olhar que
lançamos sobre uma outra pessoa pode ser compreendida por esta última com apenas
um golpe de vista.
O olho é uma imagem extremamente
útil para compreender a mesma conexão no nível do cérebro, pois o cérebro é a
reunião das essências e dos sopros que permitem a presença dos espíritos e
permite, igualmente, o bom funcionamento dos órgãos dos sentidos no mais alto
nível. Vários comentadores sublinharam o fato de que os sete orifícios
superiores não funcionam bem se os espíritos não estão presentes neles. Podemos
compreender que as atividades sutis no nível dos órgãos dos sentidos são
realizadas através disso que se chama jing ming (精明),
através das essências que não somente podem nutrir psicologicamente, mas também
isto que permite a presença luminosa e inteligente dos espíritos. Evidentemente
os sopros são apresentados como isto que vai permitir todos os movimentos, os
transportes e as transformações necessárias.
Estudemos uma citação de Bencao
gangmu, o herbário escrito por Li Shizhen, ao final do século XVI d.c. Ela nos
fornece uma outra definição de cérebro: “O cérebro é o fu dos yuan
shen (元神)”
Yuan (元)
representa a origem e shen (神),
os espíritos.
Podemos dizer que o cérebro,
preenchido de essências sob a autoridade dos Rins e cuja pureza manifesta a
fidelidade à natureza original, oferece aos espíritos do Coração o lugar
perfeito para esclarecer as atividades mais altas e mais sutis do ser humano no
topo da cabeça.
Assim temos a relação com os Rins
pela medula espinhal e a relação com o Coração pelo meridiano e o luo do
shaoyin da mão. É também no rosto e na cabeça que podemos ver a
circulação mais fina do sangue e sopros através do aspecto da tez. Toda mudança
neste nível é uma informação sobre o sangue, os sopros e os espíritos
manifestos pelas essências.
Se estamos no mais alto nível, temos
somente as mais puras essências e sopros, pois o processo de filtragem
trabalhou corretamente durante toda a subida. Muito das perturbações neste
nível são devido a penetração do turvo: mucos, umidade e assim por diante. Pode-se
ter dor de cabeça com as substâncias impuras enevoando a cabeça. O Suwen
evoca o diagnóstico dos olhos não somente para ver os olhos, mas também o
espírito e através dele os zang no íntimo do corpo.
A passagem do Suwen capítulo
10 “todos os mai dependem do olho” significa que todas as circulações
vitais yang, assim como os trajetos yin, do Fígado que passa
atrás do olho e do Coração que acessa o olho, formam uma constelação em torno
dos olhos e levam a ele um sopro muito rico. Com este sopro, eles trazem também
os líquidos necessários a uma boa nutrição do sistema visual. E porque o olho é
como um sol, ele é um centro de radiância não somente para a visão, mas também
para a circulação dos sopros através de todos os meridianos. Podemos ver isso
na circulação dos sopros defensivos (wei qi). Durante o dia, é sempre a
partir do olho que os sopros defensivos (wei qi) circulam nos meridianos
yang e nas zonas superficiais do corpo. Bexiga 1 é um ponto importante
de partida da circulação dos sopros defensivos durante o dia e é também o ponto
de partida de uma parte do dumai e do taiyang do pé (Bexiga),
segundo Suwen, capítulo 60 e Lingshu, capítulo 10.
Uma outra passagem do Suwen, capítulo
17, fornece uma definição das essências luminosas (jing ming 精明):
“Jing ming: por isso nós somos capazes de ver os dez mil seres, de
distinguir o branco e o preto e de diferenciar o curto do longo”. Não ser capaz
de distinguir as cores ou o tamanho dos objetos é um sinal de enfraquecimento
das essências. Através dos meridianos do Coração e do Fígado, shen (神)
e hun (魂)
estão presentes no nível dos orifícios superiores do cérebro.
Esta citação apresenta dois
aspectos. De um lado, a visão correta depende do bom funcionamento de todos os
mecanismos pertencentes ao olho, mas também aos espíritos. Por outro lado, um
problema de visão revela que as essências diminuem ou se encontram com uma
qualidade insuficiente para que os espíritos tragam a luminosa radiância.
LINGSHU,
CAPÍTULO 28
O Lingshu [capítulo] 28
descreve o caminho e a transmissão especial dos líquidos corporais densos (ye
液)
para a parte alta do corpo, até os olhos. Os olhos são apresentados como o
lugar onde a quantidade de circulações vitais convergem e essa circulação
conduz os líquidos ye em direção as regiões altas e o cérebro. A orelha
é igualmente apresentada como o lugar onde convergem uma quantidade de
circulações vitais. Graça a esta circulação vital, o meridiano leva os líquidos
ye para o olho; se as impurezas estão presentes no Coração, elas serão
excretadas pelas lágrimas. Mas um excesso de lágrimas secaria os olhos e
enfraqueceria as essências.
O
final deste capítulo apresenta os perversos extraordinários (qi xie 氣邪)
que são capazes de tocar particularmente os orifícios superiores, ou seja, a
cabeça. O texto afirma que se os sopros perversos são capazes de invadir estas
regiões do corpo, é porque os sopros corretos nessas regiões superiores do
corpo e o cérebro estão insuficientes, é isto que provoca os zumbidos na orelha
e os problemas na visão.
LINGSHU, CAPÍTULO 80
Lingshu [capítulo] 80
desenvolve a relação entre o cérebro e os olhos. O início do capítulo fornece a
descrição dos olhos e sua divisão em cinco partes segundo os cinco zang.
Depois vem este texto: “[As essências dos cinco zang que compõem o olho]
sobem para pertencerem ao cérebro e aparecerem no meio da nuca. Quando os
perversos alcançam a nuca, se aproveitando de um vazio do corpo e penetrando em
profundidade, então, eles seguem o sistema de conexão do olho (mu xi 目系)
para penetrar no cérebro. Penetrando no cérebro, então, o cérebro gira[v] (nao
zhuan 腦轉)
e se o cérebro gira, isso irradia ao olho e as conexões são espasmadas. Se elas
são espasmadas, então, ao olhar a vista se turva. Quando o perverso atinge as
essências, as essências não podem mais permanecerem associadas e, com isso, as
essências se dissipam. Se as essências se dissipam, a visão se desorienta e se
vê duplicado.
“O
olho é, as essências dos cinco zang e dos seis fu, o campo
permanente da reconstrução/nutrição e da defesa (ying wei 營衛)
das almas Hun e das Po; lá são produzidos o sopro espiritual (shen
qi 神氣). Assim, quando os espíritos estão
cansados, Hun e Po se dissipam, vontade (zhi 志)
e propósito (yi 意)
estão em desordem”.
O
caractere próprio para o cérebro não está presente neste texto, mas o cérebro
está bem presente, uma vez que é ele quem tem uma relação íntima com o olho e
todo o sistema visual. Dado que as essências dos cinco zang e dos seis fu,
assim como os sopros que sustentam os espíritos, estão necessariamente no bom
funcionamento dos olhos, eles operam no nível do cérebro. Os comentadores dizem
que a luz que vem da qualidade das essências, as essências luminosas (jing
ming 精明),
são necessárias à visão. Os espíritos estão especialmente e claramente
presentes no nível dos olhos, pois o olho é o mensageiro do Coração.
LINGSHU, CAPÍTULO 21
Este capítulo descreve uma parte do
trajeto do meridiano da Bexiga, o taiyang do pé, quando ele obedece a
“raiz do olho”[vi],
pois penetra no cérebro.
“O Taiyang do pé está em
livre comunicação (tong 通)
com a nuca e penetra no cérebro (nao 腦);
ele vai diretamente ter uma relação de dependência (shu 屬) com as raízes do olho (mu
gen 目根),
isso que se chama: sistema de relações do olho (yan xi 眼系).
Se a cabeça e o olho sofrem de dores, tomamos o meio da nuca entre os dois
músculos[vii].
Ele toma o cérebro e se distingue em Yinqiao e Yangqiao. Yin
e yang se cruzam, o yang penetra o yin e o yin sai
do yang. Há um cruzamento no canto interno. Quando os sopros yang
estão subindo em potência, então, abrimos os olhos. Quando os sopros yin
estão subindo em potência, então, fecham-se os olhos”.
Já vimos a relação entre o cérebro e
o dumai. Este capítulo fala da comunicação entre dois outros meridianos
extraordinários, o yin e o yang Qiaomai, que tem seu lugar
igualmente no cérebro. Isto mostra ainda mais a importância da conjunção yin
yang no cérebro. Com efeito, a região do ponto Jingming – Bexiga1, é
a projeção da junção dos yin e yang Qiaomai no interior do
cérebro. Conhecemos a relação dos yin e yang Qiaomai com os
sopros defensivos (wei qi) e os ritmos que cada homem deve ter entre o
dia e a noite, atividade e repouso, despertar e sono. É uma maneira de exprimir
a harmonia yin yang no tempo, por uma alternância regular. Quando é hora
de despertar, o yang domina e tudo funciona no nível yang. E
quando é hora de ir para a cama, tudo isso que circulava no nível do yang
e da superfície entra no yin. O yang penetra o yin. É
exatamente a imagem da circulação dos sopros defensivos.
SUWEN,
CAPÍTULO 10
Este capítulo contém a seguinte
frase: “Toda medula (sui 髓)
pertence ao (shu 屬)
do cérebro (nao 腦)”.
A menção “pertence ao” indica que a
natureza do cérebro e da medula é a mesma. É o mesmo caractere (shu 屬) que havíamos traduzido
por “obedecer” no contexto dos trajetos dos meridianos. Quando o meridiano taiyin
da mão obedece (shu 屬)
ao Pulmão, é porque seus sopros são de mesma natureza. Se há uma relação luo
de conexão com o Intestino Grosso, é porque eles não são de mesma natureza, mas
podem trazer alguma coisa um para o outro. A medula se rende ao cérebro como em
seu lugar natural de vida. A medula está lá com seu próprio elemento; e a
relação entre cérebro e medula se encontra em um grande número de textos. O
cérebro é o mar da medula e eles se encontram muito frequentemente ligados nas
patologias, por exemplo, no Lingshu, capítulo 30.
LINGSHU,
CAPÍTULO 30
Neste capítulo o imperador pede a
Qibo uma definição de essências (jing 精),
de sopros (qi 氣),
de líquidos corporais jin (津)
e ye (液),
de sangue (xue 血)
e dos mai (circulações vitais, 脈).
Qibo responde que todos são um só sopro, mas com seis nomes diferentes. Ele
fornece uma explicação e apresenta cada um deles. Eis a definição que ele apresenta
para os ye: “Os cereais entram; os sopros impregnam de sua plenitude (man
滿);
a embebição fecunda (nao ze 淖澤)
se propaga nos ossos e os ossos podem assumir os movimentos de extensão e
flexão; um correr fecundo tonifica e torna pleno o cérebro e a medula, enquanto
que as camadas da pele se tornam sedosas por uma boa irrigação; isto é o que
chamamos de líquidos ye (液)”.
Na sequência, o capítulo fornece uma
patologia para cada um destes Seis sopros. Para os líquidos densos ye:
“Quando os ye estão gastos, os movimentos de flexão e de extensão que
estão sob autoridade dos ossos, não se fazem tão facilmente, a tez murcha,
cérebro e medula esmorecem, as pernas ficam doloridas e as orelhas tem zumbidos
frequentes”.
LINGSHU,
CAPÍTULO 36
A mesma ideia é retomada em termos
idênticos ou próximos: “Por uma harmoniosa conjunção (he he 和合),
os jin ye extraído dos Cinco cereais formam uma rica massa (gao 膏)
que, no interior, se infiltra nas cavidades dos ossos, tonifica e torna pleno (bu
yi 補益)
cérebro e medula, e desce escorrendo pela parte yin da coxa.
Mas se yin e yang não
compõem harmoniosamente (bu he 不和),
então, os ye transbordam (yi 益)
e descem escorrendo para o yin (aparelho genital); medula e ye se
enfraquecem descendo; e se passarmos da medida neste chamado na direção para
baixo, é o vazio (xu 虛); e quando há um vazio, há
dor na lombar e nas costas e as pernas ficam doloridas”.
Neste texto veremos a afinidade
entre os ossos, medulas e cérebro, pois eles são irrigados pelas essências e os
líquidos orgânicos. Esta irrigação depende da potência dos Rins. As essências e
os líquidos ye devem subir para a parte mais alta do corpo, contudo, se
eles não o fazem, por exemplo, porque eles se esgotaram devido ao excesso
sexual ou por uma fraqueza dos Rins, então, os lugares e funções normalmente
plenos pelas essências padecem; daí aparecem sintomas de dores lombares, de
impotências ou fraquezas nas pernas.
Podemos fazer um paralelo com as
práticas sexuais taoístas que visam reforçar os Rins e o cérebro pela retenção
da ejaculação e a reabsorção das essências espermáticas no organismo.
O caractere traduzido para uma rica
massa é gao (膏).
Abaixo do radical 130 da carne (月)
se encontra a parte fonética gao (高)
que significa acima, superior, numa posição alta. Este caractere gao (膏)
é o mesmo que se encontra na descrição do início da vida embrionária, isto
mostra bem que se trata de uma substância fértil, rica de essência e de
vitalidade, e que suas relações com a origem e com as essências dos Rins são
fortes.
LINGSHU,
CAPÍTULO 52
Apresentamos dois capítulos em que o
cérebro aparecia numa série de quatro entidades. Uma é bem conhecida: os quatro
mares do Lingshu [capítulo] 33; outra, no Lingshu [capítulo] 52,
é menos conhecida. Trata-se das quatro ruas dos sopros.
“Os sopros do peito (xiong 胸)
têm uma rua (jie 街).
Os sopros do abdômen (fu 腹)
têm uma rua. Os sopros da cabeça (tou 頭)
têm uma rua. Os sopros da perna têm uma rua. Assim, quando os sopros estão na
cabeça, eles param no cérebro. Quando eles estão no peito, eles param nas áreas
laterais do peito (ying 膺) como os pontos shu
das costas. Quando eles estão no abdômen, eles param no ponto shu das
costas e no Chongmai a circulação (mai 脈)
bate à direita e à esquerda do umbigo. Quando eles estão nas pernas, eles param
no Qijie (Estômago 30), assim como no Chengshan (Bexiga 57) e ao
redor do maléolo” (Lingshu, capítulo 52).
Desse modo, quando os sopros estão
na cabeça, eles param no cérebro. Eles param, mas eles não estão bloqueados. É
uma estação em que eles param para serem bem conduzidos. Visto que a rua é um
lugar de passagem. O cérebro é a rua para regular os sopros da cabeça. É um
lugar em que isto que sobe neste nível se acumula. A rua é utilizada para as
livres comunicações e o cérebro é utilizado para as livres comunicações da
medula através do corpo. A função do cérebro não é limitar o crânio, mas
irradiar particularmente através da medula. O Lingshu, capítulo 52,
chama o cérebro uma rua (jie 街)
de sopros.
Nos
comentários nós encontramos o ponto DM20 [VG20] como ponto de reunião de todos
os sopros yang.
LINGSHU,
CAPÍTULO 33
“O
homem tem um mar das medulas, um mar do sangue, um mar dos sopros e um mar dos
líquidos e dos cereais. Eis os quatro que correspondem aos quatro mares”.
Esta
não é exatamente a mesma apresentação que encontramos no Lingshu
[capítulo] 52, mas podemos falar também de quatro lugares importantes do corpo
que são: o cérebro, o meio do peito, o Chongmai e o Estômago. Nós
podemos também reconhecer os três campos de cinábrio, dan tian (丹田), ou os três níveis de reuniões fundamentais, chamados
ancestrais, zong (宗): O músculo ancestral (zong jin
宗筋) que está localizado na parte inferior do abdômen, os
sopros ancestrais (zong qi 宗氣) no peito e as circulações
ancestrais (zong mai 宗脈) na região dos olhos e orelhas.
O
texto continua nomeando os mares e precisando os pontos específicos de cada um
dos Quatro mares: “O Estômago é o mar dos líquidos e dos cereais. Seus
transpontos[viii]
estão em cima na rua dos sopros (qijie Estômago30) e embaixo alcança Zusanli
(Estômago 36).
Chongmai
é o mar dos doze meridianos. Seus transpontos estão em cima no dozhu
(Bexiga 11) e embaixo ele sai pela face superior e inferior do grande vazio
(=Estômago 37 e Estômago 39).
Danzhong
(meio do peito) é o mar dos sopros. Seus transpontos estão em cima e embaixo do
osso pilar (DM14 e DM15 [VG14 e VG15] ou Bexiga 10) e ele está na frente do renying
(Estômago 9).
O
cérebro é o mar da medula. Seus transpontos estão em cima (DM20 [VG20]) e
embaixo no fengfu (DM16 [VG16])”.
As
ruas dos sopros servem para a livre circulação, as subidas e as descidas dos
meridianos, sangue e sopros e essências. Os mares são necessários para a
concentração: são reservatórios para isso que circula através das ruas. Na natureza,
os rios escoam para o mar e os mares se evaporam, formando nuvens que retornam
aos rios, assim, há circulação.
Considerando
os pontos do cérebro, mar da medula, o Lingshu não menciona o DM20
[VG20], mas unicamente DM 16 [VG16] fengfu. DM 20 [VG20] é evocado
somente pela sua relação como dossel (gai 蓋).
Um dossel é uma descrição exata para isso que é o crânio, que é uma cavidade
que contém o cérebro. Um comentador afirma que pelo crânio ser o maior osso oco
do corpo é que ele recebe a medula em seu interior e pode ser o mar da medula.
O
caractere de dossel é também uma forma de designar o Pulmão. RM 20 [VC20],
situado no limite superior do Pulmão, é também chamado o dossel florido (hua
gai 化蓋). Um dossel é capaz de atrair e de
receber as influências vindas do Céu, isso que era sua função na China antiga:
um chapéu, particularmente oficial, era como um pequeno dossel; o imperador
tinha o maior, para atrair influências benéficas vindas do céu e as
redistribuir ao seu povo. O Pulmão tem o mesmo movimento que o Céu no corpo do
homem: ele distribui os sopros e os faz descer.
O
cérebro, por estar situado na caixa craniana e pela sua forma de dossel,
penetra todas as influências vindas do céu. Desta forma, o nome dos pontos desta
região é muito importante. Por exemplo, Bexiga 7 tem como nome tongtian,
livre comunicação com o Céu. Assim, o cérebro é um lugar de reunião e de
comunicação entre aquilo que sobe desde os Rins como líquidos e essências e
aquilo que desce do Céu e escorre através do corpo. O comentador Zhang Zhicong
afirma que o cérebro, mar da medula, comunica com o Céu em cima e comunica com
as vias da água embaixo. A expressão chinesa para via das águas ou rio é
composta por dois caracteres, o de água (shui 水)
e o de meridiano (jing 經), mas os meridianos são justamente
as grandes correntes que regulam o escoamento da água na superfície da Terra.
Não distinguimos entre o corpo do homem e a Terra, entre a regulação das vias e
da água sobre a Terra e aquela dos sopros no homem. A primeira serve de modelo
à segunda.
Nas
antigas imagens da China, há os quatro mares nas quatro direções. Eles são o
reservatório para cada qualidade de sopros: norte, sul, leste e oeste. Alguns
comentadores estimam que o dossel, que é o osso do crânio, é também o lugar em
que a conclusão da constituição do corpo é visível, pois a fontanela [“a
moleira”] que está aberta quando o bebê nasce, pouco a pouco se fecha. É por
isso que eles fazem do xinhui, DM22 [VG22], um ponto que governa as
medulas. No nome deste ponto, o sentido de hui (會)
é lugar de reunião, um lugar onde as coisas vindas de todas as direções se
encontram. O outro caractere, xin, se escreve tendo a cabeça (頭) à direita, e à esquerda o caractere para a caixa craniana
(囟), que faz parte do caractere para cérebro, nao (腦). Acrescentamos o coração (心)
abaixo para obter o caractere completo xin (顖)
o qual designa o osso que se encontra no topo da cabeça ou a fontanela
[“moleira”] anterior e, mais abrangente, as fontanelas [“as moleiras”].
Se
consideramos a parte esquerda do caractere, formado pelo coração sob o crânio (恖), uma aproximação se impõe com o caractere para pensamento,
si (思), [uma vez que] a qualidade
especial das atividades mentais é relacionada ao Baço. Quando os pensamentos giram
em círculos, eles se tornam obsessivos. Contudo, se todos os espíritos vêm dos
cinco zang e estão em um bom movimento, então, o pensamento gira bem,
gira redondo. A etimologia tradicional para si (思)compreende
o coração (心) sob o crânio (田=囟), para indicar que a vitalidade
vinda do Coração está em livre comunicação com o cérebro e o crânio. Assim
podemos ver que o caractere para cérebro ou fontanelas e o caractere para
pensamento possuem uma etimologia muito próxima. Alguns comentadores dizem que
não devemos punturar DM22 [VG22] antes dos oito anos de idade. Oito é a
primeira etapa para o desenvolvimento de um homem, segundo o Suwen
capítulo 1, e é a idade em que os sopros dos Rins conhecem sua plena potência e
plenitude.
Depois
da apresentação dos quatro mares, o Lingshu capítulo 33, nos fornece a
patologia de cada um deles; a patologia é diferenciada segundo o vazio e a
plenitude: “Excesso do mar da medula: se está alerta e robusto com muita força.
Preenche-se abundantemente o número de anos atribuídos. Insuficiência do mar da
medula: o cérebro gira (vertigem, nao zhuan 腦轉) e há zumbido nas orelhas, as
pernas ficam doloridas e há perturbação na visão podendo chegar até a cegueira.
A pessoa se torna lenta e cansada e deseja deitar e repousar”.
A
insuficiência do mar da medula é uma deficiência das essências e da luz das
essências. O cérebro gira e a pessoa se torna incapaz de manter o equilíbrio,
apresentando vertigens. Em chinês clássico, há uma diferença entre a cabeça que
gira e o cérebro que gira. É como uma simples vertigem para a cabeça, no
entanto, é muito mais profundo e mais sério para o cérebro. É talvez a fraqueza
das essências que conduz a uma falta de firmeza e de força. A primeira
manifestação no nível do cérebro é uma perda de equilíbrio. Depois há uma
perturbação no nível dos orifícios superiores, os olhos e as orelhas. Há
zumbidos nas orelhas e problema na visão. Ao mesmo tempo, as pernas ficam
doloridas, pois a medula não nutre mais os ossos, que sofrem com o peso do
corpo. Este sintoma nas pernas nos mostra bem que o cérebro é o mar das
medulas; sua patologia não se restringe somente ao cérebro, ela se encontra em
todo lugar em que as medulas deveriam estar fortes. Se os olhos não podem mais
ver, é mais sério ainda e pode levar à cegueira, ao obscurecimento da luz. Se
as essências são insuficientes, não há mais suporte para os espíritos e nem
para os sopros. A pessoa se torna lenta e preguiçosa e deseja apenas se deitar,
pois as medulas e os ossos estão fracos. Se as medulas não são suficientemente
fortes, então, o mar das medulas é insuficiente e os ossos não podem mais serem
firmes e sólidos. É impossível se sentir bem na posição de pé. Ao mesmo tempo,
não se pode mais pensar, pois nem o cérebro, nem o Coração têm mais esta capacidade,
visto que as essências não sustentam mais os espíritos.
A
descrição dada pelo excesso do mar das medulas não parece em nada patológica. O
Suwen capítulo 1 apresenta a vida do homem e da mulher com ritmos
específicos de 8 e 7 anos. Esses ritmos assinalam os períodos em que o homem e
a mulher podem reproduzir uma outra vida, seu período de fecundidade que está
em ressonância com os Rins e a potência de seus sopros e de suas essências. Huangdi
questiona a propósito das exceções, e Qibo responde que há uma regra, mas ela
suporta as exceções. Há isto que é normal e há isso que vem a mais. Ele explica
que essas exceções possuem uma vitalidade grande e forte e que seus sopros
circulam e comunicam livremente. O sopro dos Rins possui um excedente. Mas a
norma permanece a norma. É o mesmo tipo de coisa que se passa com o excesso do
mar das medulas. É um dom natural que está além da norma. As pessoas com este
excesso – que é sobretudo uma abundância – são robustas, alertas, vivas e
inteligentes e vivem até uma idade avançada. Vemos que o cérebro, mar das
medulas, está em uma relação estreita com os Rins e a natureza original, a dotação
pessoal, de cada indivíduo.
Quais
relações existem entre o cérebro e os pensamentos? Não há textos antigos que
trate claramente esta relação. Mas sabemos que o meridiano do Coração
estabelece uma relação direta entre o Coração e as conexões do olho no interior
do cérebro. Isto é descrito no Lingshu capítulo 10. A conexão é dupla,
uma é através do trajeto do meridiano shaoyin da mão, e a outra com seu
trajeto conectivo, luo, que se origina no ponto tongli
(Coração5), vai ao centro do Coração, depois se liga à raiz da língua e em
seguida obedece as conexões do olho no interior do cérebro. Nesta citação, a
expressão “o centro do Coração” é plena de subentendidos, pois é o vazio que é
a morada dos espíritos.
A
explicação mais clara se encontra talvez no capítulo 17 do Suwen, o qual
nós já abordamos previamente. A presença das essências luminosas, jing ming
(精明, a luz nas essências), significa que as essências estão no
cérebro, e que os sopros e as essências mais puras estão reunidas para permitir
a influência benevolente dos espíritos, de maneira a produzir os aspectos mais
sutis da vida humana pelos órgãos do sentido e pelos processos do pensamento. A
relação entre o Coração e o cérebro é certa, mas em todos os textos, a
psicologia, o intelecto ou a espiritualidade estão sempre em relação com o
Coração. Nenhum texto diz que os espíritos vitais, os pensamentos ou as emoções
pertencem ao cérebro. Mas se o cérebro não funciona, pois as essências não
chegam ou estão muito pobres, os espíritos do Coração não podem se manifestar;
deste modo, os pensamentos não são mais dignos desse nome.
O
Coração é a morada mais profunda e a mais importante para a unidade. É a
residência dos jing shen (精神), os espíritos vitais, pois ele
atrai a concentração especial das essências vindas dos outros zang. O
Coração é também o mestre da psicologia, das emoções e dos sentimentos, ele é,
por conseguinte, o mestre dos orifícios superiores e dos órgãos do sentido,
pois agindo como um mestre, ele deve tomar decisões baseado nas informações
vindas do exterior. Podemos utilizar esta unidade na esperança de ter um efeito
curativo para os pacientes.
O
cérebro e os meridianos extraordinários são o protótipo da junção do yin
e do yang mais igualmente da relação com a origem e a unidade original.
No adulto, são os espíritos vitais do Coração que são responsáveis pela unidade
do ser e de sua relação com sua origem. O cérebro pode ser considerado como uma
conjunção desses dois aspectos da vida, a origem nos Rins e a consciência no
Coração. O cérebro desempenha um papel na formação da pessoa, bem como na
constituição ou na degenerescência cerebral.
O
pensamento ocidental considera a consciência ou o pensamento como existentes em
si mesmos. Contudo, não há nada disso nos textos chineses antigos. O
pensamento, a consciência, os sentimentos, a psicologia dependem do processo, e
cada caractere chinês designa o movimento do processo que é o movimento de um
sopro. É simplesmente este movimento que engendra os sentimentos, as emoções,
etc. A “consciência” implica uma boa harmonia entre as essências e os espíritos
no nível do Coração, no nível de cada zang e no nível do cérebro. No Lingshu
capítulo 8, onde os aspectos do mental são apresentados, isto que é chamado
pensamento, si (思) é uma das fases do processo. A
patologia no domínio do pensamento é a parada do processo e a incapacidade de
passar a próxima etapa que é a formulação de planos. Nesta perspectiva, o que é
importante é que nada venha perturbar o vazio e a paz do Coração. O vazio e a
paz estão principalmente no Coração, mas devem estar também no cérebro. Se algo
de impuro invade o cérebro, então, há perturbação e doença e o tratamento
principal é tratar o Coração, para liberar os espíritos do Coração e permitir sua
comunicação com o cérebro.
Em
alguns textos de Zhuangzi há o emprego da expressão “residência dos influxos
espirituais”, ling fu (靈府). Ninguém sabe exatamente se esta
expressão designa o Coração ou o cérebro. Fu (府)
é o repositório que conhecemos; ling (靈) designa as influências espirituais
benéficas. Assim, ling fu é o lugar no qual, ou o mecanismo pelo qual,
as mais sutis essências podem se concentrar para a radiância dos espíritos.
Nada de impuro deve bloquear a liberação desta força interna espiritual.
Lingtai
(靈臺),
é o nome de um ponto do Dumai [VG] situado no nível do Coração (DM10 / VG10),
muito próximo de um outro ponto shendao (神道),
cujo nome significa “a via dos espíritos”. Vimos que o cérebro armazena as
essências provenientes dos Rins e da origem, mas as essências estão sempre se
renovando através da nutrição e o trabalho do Estômago. Inúmeros textos, como o
Lingshu nos capítulos 22 e 62, descrevem o movimento ascendente das
essências a partir do Estômago e os sopros remontam ao Pulmão, aos ocos e
orifícios da face e depois ao cérebro, a fim de revigorar e renovar as
essências. Podemos explica-lo pela transmissão dos líquidos ye no rosto
e nos orifícios conectados ao cérebro, ou dizendo que os sopros provenientes do
Estômago sobem ao Pulmão, aos orifícios e ao cérebro. Não devemos esquecer que
quando se fala de essência, fala-se de essências do Céu posterior, provenientes
da assimilação dos produtos externos (nutrição e bebida), mas essas essências
devem ser renovadas de acordo com o modelo dado pelas essências do Céu
anterior. Se o Estômago funciona mal, o cérebro, os zang e os fu serão
também deficientes.
SUWEN, CAPÍTULO 81
O
Suwen 81 define o cérebro como o yin. “Lágrimas e ranhos, é do
cérebro; o cérebro, é o yin. A medula é a plena força (Chong 充) dos ossos; é por isso que quando o cérebro se esgota, aquela
produz os ranhos”.
Isso
significa que as lágrimas e secreções nasais são fundamentalmente da mesma
substância que o cérebro; quando lágrimas e mucos escorrem, podemos constatar
que a substância que forma o cérebro vem realmente do yin, das essências
e dos líquidos. Se as substâncias escorrem muito, sofreremos de uma falta de
essências no nível dos orifícios superiores e do cérebro. Estes orifícios
estão, portanto, em comunicação com o cérebro e sua substância.
SUWEN, CAPÍTULO 52
O
Suwen 52 nos adverte: “Se punturarmos a cabeça na altura do ponto naohu
(DM17 / VG17) e penetrarmos o cérebro, isto será imediatamente a morte”.
Hu
(户) é uma porta que não é muito grande
como um portal, men (門). Men é uma porta com dois
batentes, como uma grande porta que dá para o exterior, mas hu é uma
simples porta, como aquelas que existem entre as peças do interior de uma casa.
Men (門) é uma porta que abre para algo que
está em relação com a potência celeste. Hu (户)
é utilizado para a mesma coisa, mas em relação com a Terra. Em certos templos,
por exemplo, as portas que davam acesso aos espíritos ou aos altares dos
espíritos seriam men, mas as passagens em direção aos altares dos
espíritos da Terra seriam hu.
A
porta em direção ao cérebro (naohu 腦户)
é uma pequena porta para receber as influências terrestres e um lugar para que
alguma coisa a penetre. É um ponto de comunicação com o cérebro. Mas se você
colocar uma agulha no cérebro, você pode matar seu paciente.
Um
comentário do século VIII diz que o ponto naohu está em comunicação com
o interior do cérebro. Vimos isso com as essências do aparelho visual no meio
da nuca, no Lingshu 80. O cérebro é o mar da medula, o centro e o ponto
de comando das medulas. Aqui, os sopros autênticos (zhen qi 真氣) estão concentrados e acumulados. Desta forma, se uma
agulha penetra o cérebro, os sopros autênticos se escorrem causando a morte. A
razão pela qual o homem morre é que sua autenticidade e sua origem, proveniente
dos Rins, que estão acumuladas no nível do cérebro, se escapam.
Um
outro comentador, Zhang Jiebin, no século XVI, disse também que o cérebro é o
mar das medulas. Nele, o yang original (yuan yang 元陽), as essências e os sopros estão concentrados e acumulados.
As essências e os sopros que são ligados ao yang original podem juntos
subir para o topo do corpo, o cérebro, graças à pureza do yang original.
Assim, se uma agulha penetra o cérebro, os sopros autênticos se escorrem ao
exterior, acarretando a morte.
Outro
comentário fala do yang original que se escoa através deste ponto. Todos
os comentários nos dão uma interpretação partindo da relação do cérebro com a
origem dos Rins, a qual é também a origem da vida do homem.
O
Suwen capítulo 52 menciona muito os pontos proibidos. Se você punturar o
meio do Coração, você morrerá depois de um dia, para o Fígado é depois de cinco
dias, para os Rins seis dias, para o Pulmão três dias, para o Baço e a Vesícula
Biliar depois de um dia e meio. E para o cérebro, é a morte imediata! É claro
que os números são simbólicos.
[i] Aquela do Shuowen jiezi, conforme Wieger, em “Lições etimológicas”
número 40.
[ii] É o mesmo caractere luo que designa a relação tomada por
cada meridiano com a víscera do meridiano acoplado (por exemplo, a conexão do
meridiano do Pulmão com o órgão Intestino Grosso); é também o mesmo caractere
utilizado para as circulações conectivas entre dois pares de meridianos (por
exemplo, Pulmão e Intestino Grosso) assim como para os pontos que lhes são
associados (pontos luo).
[iii] Na descrição dos doze meridianos, esta relação de obediência shu
é aquela que liga um meridiano com sua víscera própria (por exemplo, o
meridiano do Pulmão com a víscera pulmão).
[iv] O meridiano do Coração, Shaoyin da mão, sobe até o olho e
penetra nas profundezas do cérebro e do aparelho visual.
[v] O cérebro gira: tipo de vertigem em que se tem a impressão de que o
cérebro se move e gira no interior da caixa craniana.
[vi] Quer dizer, o sistema visual no cérebro.
[vii] Sem dúvida o ponto yuzhen, Bexiga 9, segundo os
comentadores.
[viii] Nota da tradutora: O termo utilizado em francês é “transpoints”,
ele evoca um neologismo, conforme explicação fornecida no capítulo intitulado
“o ponto shu 輸”, na página 277, do livro “Os 101
conceitos-chave da medicina chinesa”, de Elisabeth Rochat de la Vallée.