sábado, 29 de maio de 2021

E.40 FENGLONG 豐 隆 FENG LUNG

Elisabeth Rochat de la Vallée

 Tradução: Mariana C. T. Scarpa

 


 

FENG   (Ricci 1592 – Grand Ricci 3541 – Wieger 97 B – Mat.1897)

Colheita abundante. Exuberante, opulenta; abundante, farta; plena, repleta. Hexagrama 55.

 

LONG (Ricci 3307 – Grand Ricci 7474 – Wieger 79 F – Mat. 4255)

Florescente, próspero, abundante. Grandioso, vasto; generoso, munificente; eminente; realçar. Sobressair, protuberante, proeminente.

Long long 隆隆: barulho do trovão.

 

O NOME

 Em relação ao Yangming

            Os dois caracteres associados ao nome do ponto evocam a opulência e a prosperidade. Eles são utilizados usualmente para enfatizar a abundância, algo que está totalmente pleno e que nada mais pode ser acrescentado.

            É o nome do hexagrama 55 do Livro das mutações (Yijing): Plenitude da abundância, momento em que o desenvolvimento atinge seu apogeu antes de começar a declinar.

            Este ponto exprime a riqueza particular do Yangming que possui abundância de sangue e sopros. A força do corpo como a calma do espírito depende também da riqueza renovada e da boa gestão das substâncias vitais sob a autoridade do Estômago.

            E.40 indica a amplitude das potencialidades do Yangming do pé; ela se reflete nos sintomas que são atribuídos a ele enquanto ponto luo e que oferecem uma variação exemplar, tanto pelos seus locais, quanto pela sua natureza: no topo (cabeça) como abaixo (pés, pernas), à frente (garganta) e na parte de trás (nuca), no físico (falta de força nas pernas), nas passagens e nos orifícios (garganta, mutismo), no mental (loucuras).

Em relação à localização

            O ponto está situado na panturrilha, onde se encontram as carnes volumosas que formam uma eminência. A abundância e a riqueza das carnes, a quase protuberância que elas formam na panturrilha, vão bem com o nome do ponto. O Estômago e o Yangming trabalham com a máxima eficiência para nutrir as carnes para que suas formas sejam bem repletas e que a força delas permita às pernas sustentar bem o corpo.

            Um Yangming capaz de fazer isso à panturrilha é capaz: de fornecer para todo o corpo um sangue rico e abundante, de nutrir os órgãos que exalarão os sopros, resultando em todas as circulações bem estabelecidas pelas massas líquidas corretamente e regularmente integradas. Assim, não há loucura nem mutismo, nem fraqueza ou bloqueio no alto e no baixo.

Em relação à Terra

            O fato de que o E.40 seja o ponto luo reforça a ligação com as carnes e sua manutenção pela conexão com o Taiyin do pé, meridiano do Baço.

            A expressão fenglong ( ) pode evocar uma colheita abundante, a munificência e as riquezas que resultam de uma bela safra. A relação com o elemento Terra (Baço e Estômago, Taiyin do pé e Yangming do pé) é subjacente.

“Os Quatro membros recebem (lin ) os sopros do Estômago, mas eles não podem chegar aos meridianos sem a sustentação do Baço; é somente desse modo que a distribuição pode ser bem recebida (lin ).

Quando o Baço está doente, o Estômago se torna incapaz de fazer circular os líquidos corporais (jin ye 津液) e os Quatro membros não podem mais receber os sopros que se desprendem dos líquidos e dos cereais. Basta um dia para que os sopros declinem e que as vias de circulações vitais (mai dao 脈道) não funcionem mais corretamente; musculaturas e ossos, bem como os espessores das carnes, sem sopros para vivificá-los, são danificados.” (Suwen, cap.29)

Em relação ao trovão e ao P7

            Fenglong é também o nome do deus do trovão e longlong (隆隆), uma onomatopeia para o estrondo do trovão.

            O trovão aparece frequentemente com as nuvens e as chuvas. Fenglong é às vezes dado, a si mesmo, como o gênio da chuva ou o deus das nuvens e da chuva.

            O trovão é o barulho que segue o raio; ele acompanha, deste modo, a descarga purificadora; ele faz parte de um fenômeno natural que caça os miasmas e permite reencontrar um céu claro e sereno, limpo das nuvens densas e das chuvas pesadas. A associação do trovão e do raio se exprime, em medicina, pelo par E.40 e P.7 (Lieque)[i]; conjuntamente eles refrescam e limpam, exprimindo as relações íntimas do Pulmão e do Estômago, bem como aquelas de seus meridianos.

            A analogia entre o P.7 e o E.40 é reforçada pelo fato de que cada um desses pontos se situa fora do alinhamento dos outros pontos de seus meridianos.

            Fenglong está, na perna, no ponto onde mais se aproxima do território do Shaoyang do pé, cuja força de jorramento e de impulso em direção ao alto são bem conhecidas.

O LUO

“O destacado (bie ) do Yangming do pé possui o nome de Fenglong (E40, ). A 8 distâncias do maléolo, ele se destaca e caminha ao Taiyin. O trajeto destacado segue a face externa da tíbia e sobe conectando-se (luo ) com a cabeça e a nuca, onde ele se reúne aos sopros de todos os meridianos; depois desce conectando-se com a garganta (hou yi 喉嗌).

Em caso de contracorrente nos sopros: bloqueio na garganta (hou bi 喉痺) e afonias severas (cui yin 瘁瘖).

Em caso de plenitude: fúria e loucura (kuang dian 狂癲).

Em caso de vazio: os pés (membros inferiores) não podem mais sustentar (o corpo) e as pernas definham (ku ).

Para tratar puntura-se o ponto Luo”. (Lingshu, 10)

 

O trajeto do luo é ascendente; a potência do yang se exprime plenamente e religa diretamente ao ponto na cabeça, talvez ao topo de onde vem o raio e o trovão; depois, à nuca, a todos os meridianos (yang), na região onde eles se reúnem.

A potência yang, os sopros do Yangming, estão presentes no alto das costas, sem dúvida em conexão com Dumai na nuca, com o resultado de uma subida desde a parte externa da perna, próxima do Shaoyang do pé e dos meridianos extraordinários Yangwei ou mesmo o Yangqiao. O trajeto do Luo completa assim as relações tomadas pelo meridiano com o Dumai (acima da testa) e o Shaoyang do pé (parte lateral da face, orelhas, têmporas).

            Em sua subida, o trajeto luo atravessa o abdômen, passa pelo coração e pelo peito (onde se encontra o mar dos sopros), depois pelo pescoço. Os sintomas tratados por esse ponto concernem às regiões que são percorridas pelo meridiano: a garganta onde a pressão contracorrente provoca bloqueios impedindo a descida; o Coração ou a cabeça, onde se desenvolvem os diversos tipos de loucuras; a perna onde a deficiência dos sopros acarreta numa falta de força.

NATUREZA E FUNÇÃO DO FENGLONG

            As outras indicações do ponto E.40 são sobretudo ligadas a uma forte contracorrente ascendente; elas incluem: as cefaleias, as vertigens, os edemas da face ou dos membros[ii], os desconfortos agitados no coração, as superexcitações, as alucinações, os globos histéricos, as dores no peito e no abdômen, as dificuldades de micção e eventualmente de defecação, as dores nas pernas ou ainda uma falta de força e um resfriamento dos pés.

            Entretanto, a grande indicação deste ponto concerne aos mucos. A potência dos sopros e a força de circulação – principais características do E.40 - se pervertem facilmente em contracorrente patogênica; mas elas permitem lutar contra os bloqueios do sopro do Fígado, a congestão do Baço pela umidade, o bloqueio dos sopros no peito que estão entre as grandes causas da formação dos mucos.

            Fenglong ajuda os transportes efetuados a partir do Aquecedor Médio, sustenta os sopros do Baço e do Estômago. Se os sopros funcionam bem em sua transformação e assimilação dos fluídos, se eles circulam muito vigorosamente para que os líquidos (jin ye) se difundam, tem-se como resultado a eliminação dos mucos e da umidade.

            E.40 harmoniza o Estômago, sustenta o Baço, reduz os mucos estimulando a transformação deles. Sua ação pode, assim, afetar o conjunto do trato digestivo.

            E.40 apoia a boa circulação dos sopros a partir do peito; libera os bloqueios e diminui as contracorrentes que geram os mucos que acarretam em asma, dispneia e tosse.

            E.40 dilata e conforta o peito.

            Ele apazigua as subidas excessivas do fogo e dos mucos que perturbam o Coração e o mental criando uma superexcitação louca ou tapando os orifícios do Coração, o que resulta em uma perda da razão e loucuras.

            E.40 devolve a calma ao mental e a serenidade ao espírito.

            Seu efeito sobre os mucos é geralmente obtido pela associação com um ou vários outros pontos, que precisam e orientam a ação.

            Um acoplamento comum o associa ao ponto mu do Estômago, Renmai 12 (Zhongwan).



[i] Ponto Luo do Taiyin da mão, Pulmão, acoplado com o outro Yangming, meridiano do Intestino Grosso.

[ii]  O yang e o vento empurram os líquidos em direção ao alto e ao exterior.

sexta-feira, 12 de março de 2021

IG 6 PIANLI (偏歷) – P´IEN LI – P´IEN-LI

Elisabeth Rochat de la Vallée

 

Tradução: Mariana C. T. Scarpa

 

PIAN   Ricci 4046 – Grand Ricci 9067 – Wieger 156 D – Mat.5246

Oblíquo, inclinado, pendido, de viés. Parcial, unilateral, metade, defasado, desequilibrado. Afastado, retirado. Extremamente. Somente. Especialmente.

 

LI Ricci 3025 – Grand Ricci 6850 – Wieger 121 L – Mat. 3931

Passar por; percorrer de ponta a ponta; escoar. Experimentar; examinar. Colocar em ordem; sucessão, calendário. Selecionar. Esparso, escasso.

 

O NOME

 

“Um trajeto destacado do Yangming da mão tem como nome: Pianli. A 3 distâncias do punho ele se destaca e penetra no Taiyin. Uma ramificação ascende ao longo do braço, passa por Jianyu[i] e sobe para o maxilar inferior, se inclinando (pian ) em direção aos dentes. Um ramo penetra na orelha e se reúne no zongmai[ii]. Em caso de plenitude, [há] cáries e surdez. Em caso de vazio, [há] frio nos dentes e bloqueios[iii]. Para tratar puntura-se o ponto Luo.” (Lingshu, capítulo 10).

 

            O nome do ponto sinaliza que a rede em que ele inicia percorre (li ) quase integralmente as regiões altas concernentes aos meridianos. Ele não se interessa pelo tronco e órgãos profundos (Pulmão e Intestino Grosso), pois ele está em uma rede mais superficial que o meridiano e a sua função não é aquela do trajeto destacado agindo na profundidade (trajeto distinto, jing bie 經別); ele não vai para a reunião dos meridianos yang na nuca, em que participa o meridiano, mas ele se junta aos mai reunidos em grande número na região da orelha. De outro modo, como o meridiano, ele passa sucessivamente (li ) pelo cotovelo, braço e acrômio, pescoço, maxilar, dentes.

            O trajeto do luo se faz exclusivamente de um lado (pian ) do braço; alcança o maxilar inferior, seu trajeto se inclina (pian) para penetrar nos dentes (sem dúvida, mais particularmente, nas gengivas dos dentes inferiores); é o local onde se começa a se desenhar obliquamente (pian) em direção a mandíbula que se ramifica uma porção dos sopros que vai em direção à orelha.

“O meridiano do Yangming da mão ascende e, obliquamente (pian ), sai este luo; o meridiano percorre (li ) mão e braço; um ramo vai para o Taiyin. Eis porque seu nome é: Pianli” (Taisu).[iv]

            É através do luo que se faz a relação do Yangming da mão com a orelha, relação importante na patologia e na terapêutica. Além disso, as orelhas estão do lado da cabeça, marcando, de uma parte e de outra (pian ), o fim do percurso (li ) do luo, etapa por etapa. Este percurso leva os sopros do Yangming não somente ao Taiyin da mão, mas aos orifícios superiores da boca e da orelha.

            Na boca, o Yangming da mão reencontra o Yangming do pé. Eles compartilham o território. A reunião, na orelha, num conjunto de redes de animação, que asseguram um ritmo profundo das circulações (zongmai 宗脈), evoca a presença do Yangming do pé na região do olho, outro lugar de reunião destes zongmai. Os Yangming são ricos em sangue e sopros e, por isso, proveem o conjunto de redes de animação. As correlações são, assim, por vezes notadas.

            O cruzamento salientado no trajeto do meridiano Yangming da mão[v] é talvez a razão de reforçar no nome do luo a unilateralidade.

            Enfim, o movimento mesmo do luo do Yangming da mão em direção ao meridiano Taiyin da mão é uma passagem, um percurso que liga, encadeia os dois trajetos de sopros (li); ele se faz de modo oblíquo partindo do Yangming em direção ao Taiyin (pian).

            A relação do IG6 com o ponto luo do Taiyin da mão P7 (Lieque) é tão forte que certos autores buscam encontrar uma analogia em seus nomes, embora tomem um sentido raro para um caractere. Assim, disse-se que:

“Há uma ordem de sucessão (lie ) que se exprime por Li () e há um defeito (que ) que se exprime por pian ().” (Caiaibian)[vi]

            De qualquer modo, IG6 intervém facilmente na regulação do Pulmão.

 

O YANGMING DA MÃO

 

            Nos manuscritos encontrados nas tumbas de Mawangdui (fechadas por volta de 168 A.C.), o trajeto do Yangming da mão vai até a boca. Ele é chamado de “a circulação própria dos dentes” em um deles. Já no outro, ele vai até a região occipital.

            O texto do Lingshu capítulo 10 torna oblíquo o Yangming da mão a partir do acrômio e o faz passar pela parte detrás do corpo até a região da sétima cervical, onde se localiza o ponto Dumai14 (Dazhui).

            A qualidade de sopros do Yangming da mão, rico tanto em sangue quanto em sopros, torna-o adequado para dissipar o excesso do yang, diminuir o calor, baixar a febre. Utiliza-se, assim, a potência yang do meridiano para desbloquear as passagens, as aberturas, os orifícios ou ainda para ajudar o yang de defesa. Os sintomas gerais do meridiano tendem a se encontrar no alto do corpo, na garganta e nos orifícios superiores, ademais, dores sobre seu trajeto no braço e no ombro.

            O Lingshu capítulo 10 relaciona as patologias dos líquidos corporais (jin ye 津液) ao Yangming da mão, seguramente porque pode-se moderar o calor que agride e seca esses fluídos.

 

A NATUREZA E AS FUNÇÕES DE PIANLI

 

            O IG6 vai refletir as grandes características do Yangming da mão, especificando-as pela sua relação com o Pulmão e pelo trajeto do luo que reforça a conexão com a orelha e os dentes.

            Desde o Jiayijing (século 3 D.C.), este ponto é utilizado para febres ou malária, particularmente quando elas vêm acompanhada de um bloqueio de emissão do suor; ou ainda para diferentes bloqueios no alto do corpo, tais como bloqueios de passagens pela garganta (hou bi 喉痹) que podem incluir anginas, disfagia, faringite e amidalite.

            Encontramos igualmente já implicado no tratamento de diversas afecções dos orifícios superiores: olhos, orelhas, nariz, boca.

            O IG6 é utilizado sobretudo quando as causas destas afecções se encontram no excesso do yang, como pressões no alto que podem provocar bloqueios, ou também por ataques de agentes patogênicos externos, tais como: o vento e o calor; ou ainda seguidos de um calor que diminui os líquidos.

            O ponto é assim indicado para as diminuições da audição ou os zumbidos, para uma visão que se turva e não distingue claramente, para epistaxe, para as cáries ou diversas dores nos dentes, para uma secura na garganta.

            Sua patologia, enquanto ponto Luo, inclui frio nos dentes. Utiliza-se, assim, a capacidade de aquecimento do yang.

            Os outros sintomas na face são principalmente de distorções da boca que se entorta (paralisia facial) acompanhada de inchaço das bochechas, sem dúvida, em razão da sensibilidade do Yangming da mão ao vento.

            Em função de sua posição e do trajeto do meridiano utiliza-se igualmente o IG6 para dores no ombro, braço, cotovelo e punho.

            A ação do ponto sobre o peito é sobretudo uma diminuição do calor agindo sobre Coração e Pulmão.

            No nível do Coração, trata-se principalmente de delírios.

            No nível do Pulmão, IG6 ajuda na regulação e propagação dos sopros do Pulmão, por exemplo, para tratar dispneia e tosse; trata-se particularmente de liberar o Pulmão dos ataques do exterior.

            Ele também ajuda o Pulmão a regular os caminhos da água (tiao shui dao 調⽔道) e a participar no bom funcionamento da micção. Ele age sobre o vento que pode empurrar os líquidos fora de seus caminhos normais e ocasionar as obstruções que impedem os líquidos de caminhar normalmente como nos casos de disúria e anúria.

            Utiliza-se em associação com o ponto fonte do Taiyin da mão, Taiyuan (P9), segundo o acoplamento anfitrião/convidado, para os sintomas que incluem dispneia, tosse, dor no nível de Quepen (E12), garganta inchada, seca, mucos que fazem os nós e bloqueiam as decidas normais pelo diafragma, os bloqueios de sopros que mantêm uma dilatação do peito acompanhada de uma sensação de opressão, ...



[i] Jianyu (肩粒) nome do IG15, mas designa também a região acromial.

[ii] Zongmai (宗脈) zona de importante convergência dos mai, mantendo a vida do ouvido (conforme SW 63, LS 28) e recebendo dela uma regulação.

[iii] Bi ge (痹隔) aqui os impedimentos e bloqueios nas circulações passam pelo diafragma. A variante do Taisu é: dan ge (癉⿀).

[iv] Comentário do Yang Shangshan, Taisu, capítulo IX.

[v] Conforme o trajeto do meridiano, segundo Lingshu capítulo 10; o cruzamento se situa no sulco naso-labial.

[vi] Caiaibian 采艾編:obra compilada por Xie Guangzuo (dinastia Qing).




sábado, 13 de fevereiro de 2021

Números

 Elisabeth Rochat de la Vallée

 

Tradução : Flora Réhault

 


Um ou a unidade YI

O número Um é representado, desde os primórdios da escrita, por uma linha, um único traço horizontal -. Este corresponde ao número um, sozinho ou adicionado a outros números, como por exemplo com o dez para fazer 11. No entanto, milhares de anos antes da nossa era, o Um já possuía outros significados além do seu valor quantitativo. Ele designava então aquilo que precede ao resto ou aquilo que é único: o homem (yi ren 一人), o soberano, que não tem igual, sozinho, solitário, e que reina sobre os súditos no império. Além da soberania ser exclusiva, já que não se pode haver dois senhores, o soberano é também Um, a união e a unidade de todos os seres vivos em seu território. O Um é associado ao poder absoluto, que contém e acolhe todas as coisas. É acolhendo a todas as coisas que ele as reúne. Ele dá a cada uma delas um proposito fundamental, uma “raison d’être”.  

Os significados usuais do caráter refletem a sua riqueza: um, um só, único, uma vez, antes de tudo, cumprindo uma meta única, ser o eu de algo. Unir forças, reunir, juntar, unificar. O mesmo, igual; sempre o mesmo, constante, invariável. Puro, que não foi misturado, inalterado, e consequentemente perfeito. Completo. Cada um. Todos.

Numa forma complexa, usada para evitar a confusão e a fraude, o Um é escrito , que significa: aplicar somente para algo, unificar, idêntico, veraz. 

 

O dois ou o casal er

Dois traços horizontais juntos formam o carácter do dois : . Esta escrita não evoluiu ou mudou com tempo. O sentido do caractere também permanece inalterado: dois, segundo, secundário.  

No entanto, bastante cedo surge a ideia de que o Dois já não é o Um, de que existe uma disparidade entre eles; podendo tratar-se tanto de uma diferença como uma divergência. Também pode se referir a uma duplicidade ou uma inconsistência.

É dai que tiramos o significado usual da palavra: dois, secundário. Segundo, secundar. Duas vezes, o dobro. O par, o casal. Igual, equivalente. Dobrado; multiplicar. Dividido, diferir. Misturado, mitigado, impuro. Inconstante, ambíguo.

Apesar de um mais um ser igual a dois no sentido matemático, e de que o Dois se parece com o Um escrito duas vezes, o carácter do Dois não simboliza de jeito algum o “duas vezes um”, isto porque o Um é o todo que não pode ser dobrado ou duplicado. Deste modo, os dois traços devem ser entendido, de forma simbólica, como a abertura do Um, como a distinção em meio a unidade. Eles representam a partição necessária, sem que se rompa o vínculo que existe entre os dois elementos.

Um caractere especifico designa este casal : liang , os dois que formam um par. Antigamente, ele representava o arreio de dois cavalos, a carruagem atrelada a dois animais. O caractere é usado para se referir a coisas emparelhadas, como sapatos, ou a dois parceiros, duas pessoas em uma relação fechada, operando através de uma íntima colaboração.

Como o dois, o caractere liang pode ser harmonia ou cisão: ruptura. Assim, dois corações (liang xin 兩心) podem ser dois irmãos, duas pessoas unidas por um forte vínculo emocional e afetuoso, e por uma grande afinidade; ou pode ser um coração repleto de duplicidade.

O dois, numa escrita complexa, é , ajudar, apoiar, auxiliar. Duvidar, hesitar. 

 

O três ou a tríade, san

Os três traços horizontais que formam o caractere são a simples representação do três como um número ou da terceira posição numa sequência.

No entanto, desde as inscrições oraculares (circa 1400 a.c), este caractere tem designado um grupo de três, pessoas ou espíritos, como por exemplo três espíritos ancestrais ou três influentes dignitários próximos do rei.

Este caractere evoca a tríade. Simbolicamente no caractere três, ,  há duas aberturas que permitem que o fruto do casal surja no meio. Isto representa a sua união. Três não é “três vezes um”, mas sim o Três que faz o Um, considerando assim a unidade em seu aspecto tríptico.

É dai que tiramos o significado usual da palavra : três, terceiro, triplo, tríade. Vários.

O três representa o fruto do casal e a sua compenetração. Ele representa todas as combinações possíveis do yin e do yang, sendo, portanto o número de qì do qual surgem as dez mil coisas. O três é o Um múltiplo.

O três, numa escrita complexa, é : a tríade, um caractere que significa participar, misturar, formar uma harmonia triplica.

 

 O quatro ou a partição , si

Nas inscrições oraculares, além do seu valor quantitativo (quatro, o quarto) o número quatro é também associado desde o começo com uma divisão fundamental : a divisão do espaço sob a autoridade do rei. Na terra, o poder do monarca parte do centro e se propaga sobre os quatro grandes territórios, que se estendem nas quatro direções e formam o reino – assim como no céu, o grande ancestral, o poder supremo, dirige os quatro espíritos que protegem a vida na terra em cada um desses quatro grandes territórios. Esses espíritos se manifestam por meio dos quatro ventos.

Apesar de o quatro ter sido escrito por séculos com quatro traços sobrepostos, seguindo o modelo do dois e do três, a escrita clássica do quatro inclui a divisão , dentro do círculo que se torna um quadrado . Isto é o que permite que hajam subdivisões, tal como os oito pontos da rosa-dos-ventos. É dai que tiramos o significado simbólico do quatro, que é o protótipo para todas as distinções e que faz com se destaquem certos instantes no tempo e áreas específicas no espaço. É também a partir disto que entendemos a potencialidade desses instantes no tempo e dessas áreas específicas no espaço.

 

Os quatro territórios (si fang 四方 )são todas as direções do espaço, como as quatro estações (si shi 四時 ) são o modelo para todos os momentos da vida. O mesmo caractere é usado para a estação, a hora, ou qualquer outro momento determinado pela temporalidade (shi ). Do mesmo jeito, um só caractere é usado para o quadrado, o território, o lugar, o posicionamento (fang ).

Numa escrita complexa, o quatro é : espalhar, exibir, organizar.

 

 O cinco ou a centralização wu

Desde os primórdios até o século III a.C, a escrita do número cinco era uma cruz, um cruzamento, muitas vezes enquadrada por dois traços . Com o tempo, a escrita clássica foi instituída.

Nas inscrições oraculares, grupos de cinco são ofertados como sacrifício a u grupo de cinco espíritos ancestrais (uma outra interpretação), cinco rituais são realizados ao longo do ano. Até hoje, conjuntos importantes são formados a partir do agrupamento de cinco elementos : gostos, sons, cores, planetas..., antes de se tornar, um pouco antes da era cristã, a base das correspondências universais que fundam a cosmologia dos cinco elementos (wu xing 五行 )

Assim, o cinco é o número da organização centralizada da vida, da “repartição” (divisão e distribuição) e da relação harmoniosa entre os cinco movimentos do qi que estão por trás de cada ser vivo e fenômeno. É o número de elementos nos conjuntos que seguem o modelo dos cinco elementos, e do centro. O cinco regula as permutas e associações de todo qi, organizadas a partir das suas cinco características inscritas.

A escrita complexa do cinco é : um esquadrão de cinco homens, um conjunto de cinco lares.

 

Seis ou o fluxo organizado, liu

A escrita arcaica do seis sugere o fechamento : o teto, a cobertura, o interior, a residência. Ela passou a ser entendida como a entrada, a penetração, que são as qualidades específicas do yin.

O seis tem como missão aplicar o princípio de organização iniciada pelo cinco. Se trata do número par excellence daquilo que cria repartições (divisão e distribuição) : a repartição do yin, do yang e do qi em três pares, que por meio de suas trocas formam o universo como o conhecemos, na junção entre o dinamismo celeste e a submissão terrestre. A divisão dos serviços do governo e da administração é baseada no modelo dos seis ministérios. As seis linhas contínuas ou quebradas do hexagrama representam os entrelaçamentos do yin, yang qi que provocam os acontecimentos da vida.

 

O seis é o fluxo e o refluxo que anima o qi, que por meio das suas trocas funda e preserva todos os espaços nos quais se desenvolve a vida.

O Seis é, portanto o número fundamental que organiza a grande animação. Se trata, quanto aos fenômenos naturais dos seis tipos de espíritos que sacrificamos nos seis altares ancestrais. Na terra, são os rios e os canais. Analogicamente, há no corpo humano doze meridianos que regulam a circulação vital. No curso do ano, há um ciclo de 60 dias ou de 60 anos.

Numa escrita complexa, o seis é : a terra firme, o continente, o caminho terrestre (como a estrada). 

 

O sete ou a emergência qi

A escrita arcaica do número sete lembra uma cruz cujo traço horizontal é frequentemente encurtado. Podemos então identificar um traço vertical em ascensão que cruza ou corta o traço horizontal de menor importância. Isso ilustra a emergência, a aparição do yang, o broto que germinando chega ao mundo.

Perto do final do século III a.C, o traço vertical que antes era reto passa a curvar-se na parte de baixo, obtendo assim o caractere clássico do sete, .

O sete simboliza a aparição concreta da força vital, o impulso vital com seus perigos e excessos. Todo crescimento implica um potencial fracasso. É preciso dominar esta força que tenta emergir para que não se torne uma violência incontrolada. Sete, qi, é o único número (além do cem) que se pronuncia de forma aspirada.

O sete é a confiança, o jorro efusivo. É o surgimento de uma inspiração secreta. O Yin yang e os cinco elementos formam o poder, e tem que manter uma ordem interior para evitar a desordem e o desastre. Existem sete orifícios superiores (ou yang claros), sete emoções, sete almas Po representando o surgimento da vida tanto no aspecto mental quanto corpóreo.

Numa escrita complexa, o sete é  a árvore da laca.

 

O oito ou a repartição ba

Desde sempre, a separação em duas partes que permite que sejam feitas outras repartições (divisão e distribuição), é associada ao oito. Sua escrita clássica se assemelha ao dois , na medida em que discernimos uma divisão daquilo que era o Um. O oito é a divisão, a repartição e a divisibilidade.

O oito é responsável pelas manifestações e difusões do qi e dos espíritos vitais, aquilo que surge do oito é onipresente, ocupa a totalidade do espaço e do tempo.

O oito separa e distingue o qi. Ele traça limites à sua expansão. Porque é o dobro de quatro, o oito afirma a especificidade do qi vital. Ele estabelece as regras fundamentais. Alguns exemplos das variações do qi vital com o oito são : os oito trigramas, os oito ventos, os oito meridianos extraordinários.

Numa escrita complexa, o oito é : rasgar, separar, dividir.  

 

O nove ou a conquista jiu

O nove é quando se chega à uma conclusão. Tudo foi planejado, organizado, realizado. Em nove meses, a semente plantada na terra germinou e agora é a planta pronta para ser colhida. Ela amadureceu usando todos os recursos que suas raízes podiam oferecer, e nada pode fazê-la crescer mais ou aliviar o peso de suas reservas. O nove é o numéro que expressa o desabrochar absoluto, a maior expressão do yang, mas também a exaustão, o envelhecer.

Existem diversas versões da sua escrita, que variam segundo o significado atribuído. Podemos ver o murchar ou o desenrolar da planta. As escritas mais antigas mostram um gancho, uma curva.

Além do seu sentido numérico, o caractere do nove, jiu , é também usado para significar um grande contingente que forma um todo, um agrupamento de varias coisas. Sua homofonia com o caractere jiu : “aquilo que durou por muito tempo”, “velho”, as vezes faz com que soe como “velho". Porque o encontramos em diversos caracteres, ele parece reuni-los. Isto também se aplica a jiu , a tartaruga pombo, o caractere formado pelo passaro () e o nove (), e que também significa unir, reunir, agrupar. Também o caractere kui que significa junção no ponto de encontro entre as nove vias.

Na escrita complexa, o nove é : o quartzo preto.

 

O dez ou a unidade recomposta shi

A escrita primitiva do numéro dez é uma linha vertical. Com o passar do tempo, o broto ou o pequeno traço horizontal foi incluído, provavelmente para evitar que se confunda a ligna com uma mancha causada pelo utensílio de escrita.

O valor quantitativo parece ter prevalecido por séculos. Mesmo que o traço vertical possa evocar o céu, ou o movimento entre o céu e a terra, o aspecto simbólico dessas noções desenvolveu-se progressivamente.

A cruz, designada pelo caractere classico do dez , pode ser entendida como a interseção entre a linha do norte/Oeste e a ligna do Este/oeste. As quatro direções e o centro estão assim representadas. É a totalidade daquilo que é expressado na terra, o arranjo perfeito.

No entanto, a verticalidade é facilmente associada ao céu, e a horizontalidade à terra. Se considerarmos que o cruzamento da ligna vertical com a horizontal, a escrita clássica do dez pode ser facilmente interpretada como tudo daquilo que desce do céu e e aquilo que se espalha sob a terra, como a totalidade do céu-terra. O dez adquire assim um outro significado, de um todo completo e perfeito, à imagem do céu-terra.

O dez também inscreve todos os elementos distintos que compoem a vida na unidade. É também o numéro do homem, um entre vários e expressa a unidade da vida cósmica.

Numa escrita complexa, o dez é : reunir, agrupar, organizar.

 

 


ZHUANGZI ch. 5 - Trad. Jean Lévi

  O Tao deu-lhe a sua aparência e o céu a sua forma, porque deixaria que as paixões prejudiquem o seu corpo? Você se deixa distrair pelo mu...