sexta-feira, 30 de setembro de 2016

O Medo - 恐 kong *


Elisabeth Rochat de La Vallée



O Medo e os Rins

O medo corresponde aos Rins. O movimento de sopros característico do medo é a perversão do movimento do elemento Água. É normal experimentar medo e temor: sábio temor e bem-vinda prudência, que fazem medir as conseqüências de uma ação. É o movimento da Água que retém no interno, atrai para baixo para manter solidamente as bases da vida. Mas se o movimento não é corretamente equilibrado pelos outros, se ele é muito intenso, então é o desabamento sem moderação, a descida sem controle. Já não é a imobilidade saudável que tudo contém, mas, sim, a ausência de reação e de retenção. Fica-se desnorteado, tudo desmorona e desaba; não se sabe onde nem quando tentar parar. A iniciativa tornou-se como que impossível e tudo se esquiva, tudo parece irremediável e perdido de antemão. O medo é uma emoção que corrói pouco a pouco a alegria de viver, o sentimento de pertencer com confiança à vida. Ela mina a base, atacando os Rins que são a fundação, o fundamento da vida.  Assim, o medo que nos pega brutalmente desequilibra em nós o movimento da água, dos Rins. Inversamente, uma deterioração lenta dos Rins pode levar a um estado psicológico de temor, de medo:

 “O medo (kong ) prejudica os Rins” (Suwen  5)
Quando os sopros do Shaoyin do pé, Rins, estão em insuficiência, inclina-se ao medo (shan kong 善恐), o Coração está temeroso (xin ti ti 心惕惕) como um homem quase a ser apreendido.” (Lingshu 10)

A insuficiência do meridiano dos Rins conduz a uma diminuição das essências e dos sopros dos Rins. Os sopros já não conseguem apoiar o trabalho sobre as essências; as essências já não conseguem sustentar o renovamento dos sopros e a riqueza do sangue e dos líquidos. Os Rins perdem seus espíritos, a vontade, eles já não dão fundamento e segurança. Ao mesmo tempo, a conseqüente falta de sangue no Fígado acarreta uma agitação nervosa, uma ansiedade permanente.  Encontra-se aqui uma característica da patologia do Shaoyin pé: o yin se desregula gerando frio ou imobilidade; e, ao mesmo tempo, aparece uma instabilidade, uma impossibilidade de parar ou repousar. É a pessoa extremamente extenuada, mas incapaz de ‘se repousar’ cinco minutos sobre uma cadeira, seu espírito não mais sabe se fixar, nem seu corpo se manter tranquilo.   
Os efeitos do medo

O medo repentino faz palpitar o Coração, que bate fortemente no peito. É o que mostra o caracter para o medo, kong  : ter o Coração  que bate, exposto a repetidos golpes, como quando se constrói um obra  por meio de toques reiterados e de leves batidas  . O desequilíbrio de sopros que resulta do medo é bem descrito no Suwen :
 “Quando há medo, os sopros descem. [......] Quando há medo, as essências se retraem; retraindo-se as essências, o Aquecedor Superior se fecha; fechando-se o aquecedor superior, os sopros voltam para trás; os sopros voltando para trás, o Aquecedor Superior fica inchado. Assim os sopros não circulam.” (Suwen  39)

O medo repentino, inesperado, é como um golpe no meio do ventre que desassocia os sopros e as essências, perturbando assim a aliança harmoniosa do yin e do yang. Os sopros, que já não são fixados pelas essências, se precipitam em direção ao alto e obstruem o Aquecedor Superior. Sua contracorrente ascendente bloqueia as descidas, estorva a distribuição dos sopros, impede a circulação deles; o que faz com que o Aquecedor Superior esteja congestionado, fechado e inflado. A desordem nos sopros no nível do peito, onde se elabora a consciência, resulta em palpitações, em agitação e pânico. De seu lado, as essências – ou seja, a expressão corporal do yin: líquidos, substâncias... etc. – já não são mantidas pelos sopros e caem. A falta de sopros no Aquecedor Inferior é análoga a uma fraqueza do yang dos Rins; as aberturas e fechamentos dos orifícios inferiores já não são governados, as matérias já não são retidas; o que explica os relaxamentos dos esfíncteres que se observa em caso de grande medo. 
Em baixo, no domínio dos Rins, não há mais sopros, há um vazio de yang. Em cima, no domínio do Coração, não há mais essências, há um vazio de yin.  Assim, o movimento dos sopros é perturbado pelo medo de tal forma que os sopros não mais asseguram o equilíbrio entre a subida e a descida. Em consequência, a relação entre o Coração e os Rins, o Fogo e a Água, já não é assegurada. O grande eixo da vida, entre origem e expressão consciente da vida pessoal, está perturbado.  

Um yin sem yang

Poder-se-ia dizer que o medo esvazia o yin do yang que deve normalmente residir em seu seio. Da mesma forma em que o trigrama da água, kan , se compõe de uma linha (contínua) entre duas linhas yin (partidas), o elemento Água, representado pelos Rins, é normalmente uma água animada de uma corrente, de essências trabalhadas pelos sopros; o que encontramos na aliança do yin e do yang dos Rins. O medo desenraiza o yang, pulsa os sopros em direção ao alto, os tornando incapazes de continuar a habitar o baixo e as essências dos Rins. Ao inverso, o trigrama do fogo, li , se compõe de uma linha (partida) entre duas linhas yang (contínuas). O Fogo, representado pelo Coração, é normalmente uma potência de circulação e de aquecimento, expressa na substância do sangue. A alacridade (xi ) destrói a presença do yin, a possibilidade de guardar no interno, vazio de yin que acarreta finalmente um vazio de sopros.  


Ruptura das comunicações entre Coração e Rins

O medo é então a ruptura das comunicações benéficas entre alto e baixo, entre Coração e Rins. As essências, privadas de dinamismo, já não se elevam. Os Espíritos do Coração, não mais gozando do suporte das essências dos Rins, se desviam, se afobam e a conduta é insensata. Já não há acesso à memória, não há retorno possível a um pensamento construído através do Baço; não há análise correta da situação graças ao Fígado, mas apenas uma urgência de fugir.  Sobretudo, já não há do que sustentar os espíritos vitais, esta sutil aliança, renovada sem cessar, de essências e de espíritos (jing shen 精神). Quando as essências já não conseguem tornar presentes os espíritos, aí então são a clareza e a pertinência da consciência e dos pensamentos, das reações, dos julgamentos e das condutas que se desviam. Os movimentos do corpo não mais são comandados pela consciência: se os sopros estão fracos, as pernas – e mesmo todo o corpo – já não conseguem se mover.
Não pode haver vontade real de mexer, uma vontade governada e potente não pode existir, pois os Rins estão fracos e não mais se comunicam com o Coração; não há circulações de sopros suficientes para efetuar o movimento.
É frequentemente impossível determinar quanto é da fraqueza da vontade e quanto é da fraqueza dos sopros, pois é um todo, é a mesma fraqueza dos Rins que se expressa.  Se os sopros estão fortes, ou pulsados em direção ao exterior, eles agitam os membros da mesma maneira como fazem palpitar o Coração; foge-se, corre-se, mas não importa para onde, pois a consciência não mais esclarece a conduta.  Opõe-se o temor que faz tremer e a paz que regozija o Coração. Medo e temor são a insegurança, a ausência da tranqüilidade, o desaparecimento da alegria de viver. 
Esta ruptura pode vir de uma emoção violenta, causada por um choque exterior. Ela pode também vir de uma degradação lenta, mas inexorável, de um estado psicológico. Ela é por vezes o resultado de um estado psicológico de fraqueza. 

“Em caso de bloqueio (bi ) no Coração, os mai já não circulam com facilidade; se há mal estar sob o Coração, isto faz como um tambor; há subida brutal de sopros e dispnéia; a garganta está seca e tem-se a tendência a eructar; quando os sopros em refluxo (jue qi 厥氣) sobem, há medo.” (Suwen 43)

Os sopros em refluxo são os sopros que já não atingem os lugares onde eles deveriam funcionar. Se há uma contracorrente ascendente do Coração, isto significa que o que deveria descer, a partir do Coração, é impedido de fazê-lo. A troca entre Coração e Rins se encontra então comprometida. Os Rins, não mais recebendo a impulsão do fogo do Coração, perdem sua força e não mais dominam sua vontade própria: o medo se apodera de um Coração que se tornou incapaz de se conduzir como mestre. Pode, igualmente, existir aí um vazio: o Fogo do Coração vai gastar até os sopros, os “devorar”, causar um vazio, que deixará o frio e a Água dos Rins ganharem todos os estágios do tronco; o medo se instala então em um Coração que está como congelado.
    

Os efeitos de um medo violento

 “Palavras cheias de furor (kuang yan 狂言), sobressaltos convulsivos (jing ), tendência a rir, gostar de cantar alegremente, fazer coisas insensatas ( wang xing 妄行), sem trégua: isto se contrai por um grande medo (da kong 大恐). Trata-se nos Yangming, Taiyang e Taiyin da mão.” (Lingshu  22)

Um medo violento e repentino bloqueia os sopros no Aquecedor Superior, onde um yang muito forte perturba o Coração e perturba seu funcionamento: as palavras já não são serenas e justas, o riso já não é saudável, a doença dos Rins se transmitiu para o Coração. O bloqueio sentido no peito e no diafragma leva a cantar para expandir os sopros; canta-se com uma espécie de excitação alegre devido ao excesso de yang do Coração. Pela mesma razão, o mental está agitado e incerto; se está inclinado a atividades incessantes, porém desordenadas, irracionais.  O tratamento indicado no Lingshu visa dispersar a plenitude patológica no peito e clarificar o calor resultante do bloqueio de sopros, assim como sustentar os Rins.   

O medo que se elabora pouco a pouco

Um sentimento, uma tendência pode facilmente degenerar e conduzir a uma verdadeira patologia. O Lingshu, cap. 8, descreve como tal evolução leva a um medo que se instala nas menores fibras do ser:
 “Quando o Coração é acometido pela apreensão e pela ansiedade, pelos pensamentos obsessivos e pelas preocupações, os espíritos ficam prejudicados. Prejudicados os espíritos, sob o efeito do medo e do temor (kong ju 恐懼), o indivíduo perde a posse de si mesmo, as formas arredondadas se descarnam e a massa da carne fica devastada.”

Ser meticuloso e consciencioso, temer fazer mal, não estar à altura, cometer um erro, não é em si patológico, se isto não se tornar obsessivo. Mas, se, pouco a pouco, todo pensamento é ocupado pela apreensão de falhar, se o indivíduo teme constantemente que algo ruim ou perigoso vai acontecer; então é todo o funcionamento do mental que está perturbado. Já não há liberdade no pensamento, pois não se consegue destacar-se de suas inquietações, das quais se está sempre à espreita. O Baço está incapaz de funcionar corretamente, bloqueado pelas preocupações ansiosas; ele não mais permite os deslizamentos e mutações do pensamento, ele já não distribui os líquidos e nutrientes que nutrem as carnes e a forma corporal. Mas o dano é mais profundo; o desgaste do Baço se aprofunda nos Rins, que estão enfraquecidos por este medo crescente. Os Rins prejudicados, as essências perdem sua qualidade e os espíritos não mais podem estar presentes. Então o indivíduo perde posse de si próprio, não se reconhece mais como si próprio. O medo torna o indivíduo incapaz de fazer retorno a si, à sua base e à sua origem. Ele empobrece a fonte da vida e torna impotentes as essências comandadas pelos Rins. Os espíritos já não têm morada e repouso; eles não mais conseguem, pela presença deles, suscitar os espíritos vitais (jing shen 精神) que são a expressão de uma vida pessoal real, autêntica. Os espíritos do Coração já não conseguem irradiar, conseqüência destes enfraquecimentos sucessivos, deste encolhimento sobre o baixo: enterra-se, não mais se mostra à luz e a luz não se mostra mais.


O temor, ju , é o sentimento interior (=  o coração) similar àquele dos pequenos pássaros  que abrem grandes olhos temerosos para manter a vigilância necessária à sua conservação : temor, inquietude, recear.

Sob o efeito do medo e do temor (kong ju 恐懼) dos quais não se consegue se livrar, as essências ficam prejudicadas. Prejudicadas as essências, os ossos são tomados por uma dor surda, a impotência vai até o refluxo. Por vezes, as essências descem por si mesmas.”(Lingshu 8)

O medo se enraíza, o dano persiste; as essências dos Rins são deterioradas; elas já não dão robustez e riqueza aos ossos e à medula; elas já não sustentam os líquidos e o sangue que nutrem os movimentos musculares, de onde surgem as impotências - que englobam todas as formas de paralisias flácidas, mas também a impotência sexual. Elas já não permitem a renovação dos sopros dos Rins (refluxo )1, deixando as substâncias vitais se perderem, como na espermatorréia. O medo se torna um medo de viver, pois a vontade de viver ela própria está minada. 
   
O MEDO E FÍGADO/VESÍCULA

O medo invade o Fígado-Madeira, que não mais encontra do que tomar seu impulso sobre uma base (Rins – Água) deficiente. Ele se opõe então ao ardor impetuoso do Fígado, à coragem viril da Vesícula Biliar. “Quando os sopros do Fígado estão em vazio, há medo (kong ).” (Lingshu 8)

Quando o Fígado está doente: dor sob as costelas dos dois lados, irradiando para o baixo ventre; tendência a se encolerizar.  Em caso de vazio, a vista se perturba, o olho não mais enxerga, a orelha não mais escuta. Tem-se medo facilmente (shan kong 善恐), como um homem quase a ser apreendido (ren jiang bu zhi 人將捕之). Trata-se nos meridianos Jueyin e Shaoyang.” (Suwen 22)

O Fígado e a Vesícula já não são nutridos pelo yin dos Rins; eles perdem sua força, e sucumbem a uma agitação muito profunda que vem da ausência de essências dos Rins. Como o mal vem da fraqueza dos Rins, esta agitação se manifesta como uma inquietude constante, o sentimento permanente de estar sendo perseguido, sinal de uma deficiência grave da Vesícula, acometido pela fraqueza e pela covardia. O medo faz parte dos sintomas da patologia pelo vazio da Vesícula Biliar:  
    
   1 Chama-se "flexão" ou "refluxo" jue  uma fraqueza, um vazio no interno que faz com que o que deveria ser distribuído, a partir deste interno, já não consiga atingir todos os territórios que deveria percorrer. A carência assim criada deixa livre o terreno para a intrusão do perverso. Aqui, este refluxo pode ser um esfriamento, começando nas extremidades dos Quatro membros.

Doença da Vesícula Biliar: tem-se tendência a tomar grandes respirações; a boca está amarga, vomita-se sucos, angústias sob o Coração (xin xia dan dan 心下澹澹), tem-se medo como um homem a ponto de ser apreendido (kong ren jiang bu zhi 恐人將捕之); há obstáculos e barulhos roucos na garganta e escarra-se frequentemente.” (Lingshu 4)

A incapacidade dos Rins de sustentarem o impulso vital da Madeira se traduz por uma fraqueza destes sopros, e mais particularmente no seu aspecto yang: a Vesícula Biliar. O que falta então é o ardor generoso, a coragem de avançar, a capacidade de “lançar-se”; quando ela está gravemente ausente, o equilíbrio do mental nada mais tem de ativo e já não ousa nada. A patologia do elemento mãe (Água) se transmite assim ao filho (Madeira).  Um dano ao Jueyin do pé, meridiano do Fígado, pode assim acarretar estados mentais cheios de medo e de temor, sinal da insuficiência dos sopros do Fígado e da fraqueza dos Hun2.    

O MEDO E O ESTÔMAGO/BAÇO

O estômago faz os sopros em contracorrente (qi ni 氣逆), as eructações (yue ) e os medos (kong ).” (Suwen 23) Se o calor se instala no Estômago, um efeito possível da contracorrente assim induzida é de esvaziar o baixo para congestionar o alto, e criar então uma situação análoga àquela do medo.
Quando o Baço é anexado (ocupado indevidamente), inquieta-se (wei ). (Suwen 23) “Quando há medo (kong ), os sopros do Baço encavalam (cheng  usurpam os dos Rins).” (Suwen 19)

Quando o centro, o elemento Terra correspondente ao Baço/Estômago, está vazio, ele não mais atua corretamente seu papel de intermediário entre o alto e o baixo, de centro rotatório das trocas entre os órgãos. Se o frio se instala, ele não consegue resistir à invasão pelos perversos da água, ou seja, ao movimento dos Rins que atrai com muita força as essências em direção ao baixo, fazendo refluir os sopros em direção ao alto. É o ciclo de contra- dominância, no qual o Baço é atacado pelo que ele deveria dominar: os Rins. A Água desequilibra a Terra, elemento que deveria normalmente controlá-la.    Cf por ex. Suwen 36.

O MEDO PROTEIFORME

O medo pode vir de múltiplas causas e enfraquecer diferentes órgãos. O Suwen 21 dá um uma visão geral, que nos servirá de conclusão:

“No homem, o pavor e o medo (jing kong 驚恐), a irritação e a fadiga (hui lao 恚勞), a agitação ou a tranquilidade (dong jing 動靜), todos provocam alterações. Assim então, se o indivíduo se ativa de noite, a dispnéia (chuan ) sai dos Rins, os sopros desregrados (yin qi 淫氣) tornam o Pulmão doente.  Se o medo (kong ) é devido a uma queda, a dispnéia sai do Fígado, os sopros desregrados danificam o Baço. Se o medo é devido ao pavor, a dispnéia sai do Pulmão, os sopros desregrados prejudicam o Coração.  Se o indivíduo atravessa um rio e cai, a dispnéia sai dos Rins e dos ossos. É por isso que tudo depende das circunstâncias: se o indivíduo é corajoso (yong ), os sopros circulam e isto é tudo; mas se está covarde, eles se demoram, o que acarreta doenças. Assim diz-se: O método (dao ) para diagnosticar as doenças consiste em observar a coragem ou a covardia do paciente, os ossos e as carnes, as camadas da pele, a fim de poder conhecer suas disposições íntimas (qing ). Eis a regra do diagnóstico.” (Suwen 21)


O Fígado tem a maestria sobre a atividade muscular e os Rins, sobre os ossos. Uma queda lesa músculos e os ossos. O medo faz desabar os sopros dos Rins. A Água já não consegue gerar a Madeira; o yang do Fígado já não está equilibrado e ele sobe em contracorrente, perturbando o Pulmão em sua passagem. A dispnéia, expressa no Pulmão, tem sua origem no Fígado, duplamente prejudicado no yin pela queda: no sangue dos músculos e no empobrecimento do yin que lhe vem dos Rins. A contracorrente do Fígado danifica o Baço, de acordo com o processo habitual. O Coração entesoura os espíritos. De acordo com o Suwen cap. 39, em caso de pavor, de terror (jing ), os espíritos não mais têm onde se reportar, a desordem se instala nos sopros do peito. O Pulmão é o mestre dos sopros; se seus sopros se colocam em contracorrente ocasiona-se a dispnéia. O medo prejudica os Rins, e, em contragolpe, o Coração, pois há a subida perversa e com força do frio da Água dos Rins. Se o indivíduo é corajoso, bravo, os sopros circulam e não há desenvolvimento de sintomas ou de doenças. Não se está perturbado no centro. Mas se o indivíduo é covarde, e os sopros da Vesícula são muito fracos para dar a orientação justa, há menos forças corretas para se opor ao movimento perverso dos sopros. No diagnóstico é fundamental conhecer as disposições íntimas, os sentimentos do paciente. Isto permite saber não apenas quais são os movimentos de sopros perturbados, mas também como os sopros, que se toca pelo tratamento, vão reagir.



*Passagem extraída do Fasciculo" As Emoções",editado pela E.E.A.
(Tradução Andrea Jacusiel )


http://www.elisabeth-rochat.com/docs_fr.html

domingo, 18 de setembro de 2016

A CÓLERA – 怒 - NU*


Elisabeth Rochat de la Vallée

A CÓLERA E O FÍGADO

“A cólera (nu  ) prejudica o Fígado.” (Suwen 5)
“Irritaçao e cólera (fen nu 忿怒) prejudicam o Fígado.” (Lingshu 66)

A cólera corresponde ao Fígado. Quando ela expressa a normalidade do elemento Madeira, é a própria impetuosidade da vida, sobretudo na potência dos começos; a força que desencadeia os movimentos e os empurra até o seu ponto extremo, o impulso para a elevação, a impetuosidade que faz avançar para frente. Ela é análoga à força do vento que sopra ou da planta que rompe o solo ainda congelado, a violência dos nascimentos que expulsa o ser para o dia, impelindo-o em seguida a crescer e a expandir-se, ou ainda, o esforço que tensiona os músculos.
A cólera patológica é a perversão do movimento da Madeira. Quando ele rompe suas amarras, deixa suas raízes e perde seu controle; ele se torna arrebatamento, fúria desenfreada, raiva irracional.
Ou então é a cólera reprimida, que bloqueia os sopros do Fígado, impede as circulações, provocando explosões esporádicas, das quais a violência é conseqüência ao mesmo tempo do bloqueio e das forças do indivíduo.
Muitos se deixam levar pela veemência da cólera, sem mesmo se dar conta. Eles causam organicamente um grande dano a si mesmos, seja esta cólera contra si, contra os outros, contra a “ordem do mundo”, seja ela violentamente expressa ou contida a grande custo. Pois a cólera é tanto aquela que explode quanto aquela que permanece escondidareprimida: quando a pressão acumulada explode, sangue e sopros são levados em direção ao alto, massivamente. Quando ela é retida, a agitação e a insatisfação geram bloqueios sem resolução, situações sem saídasque nos corroem.
A cólera se nutre dela própria se não a moderarmos, se a cegueira impedir de raciocinar. A cólera esvazia o yin e, tornando-se totalmente yang, inflama-se. Já não podemos ancorar-nos na realidade, não existe mais julgamento, mas uma conduta insensata, uma perda de rumo e de controle; já não há nada estruturado, enraizado ou corretamente orientado, no plano mental ou das emoções. É o oposto da função do Fígado, definida no cap. 8 do Suwen: ser o general dos exércitos, de onde provêm uma análise exata e uma reflexão sensata. Ou da função do Fígado, que quando firmemente ancorado no yin dos Rins oferece, através do seu sangue, uma moradia às almas Hun.
Os tratados militares nos dão bons exemplos desta perda de rumo que pode atingir o general-chefe ou os oficiais superiores. Um bom estrategista fará de tudo para provocar o general inimigo, para colocá-lo fora de si, jogando sobre o que é ao mesmo tempo seu ponto forte e seu ponto fraco: sua impetuosidade. Em efeito, um homem sem coragem para avançar para frente, sem impulso e sem combatividade, não fará um bom general; mas, inversamente, um bom general será facilmente irritado. Um general, enraivecido, não seguirá os planos acertados após análise detalhada das circunstâncias; avançará sobre o inimigo, manifestando nas suas ordens e atitudes a desordem que reina em seu interno. Da mesma forma, oficiais superiores, cegos de furor, já não escutam as ordens, mas se atiram ao combate precipitadamente, sem levar em conta o que é possível; conta apenas a luta, o engalfinhamento desordenado e vão que os deixam exauridos e desatinadosEles se colocam em perigo por aquilo que eles acreditam ser seu valor. Estes generais, no corpo, são o Fígado.
PATOLOGIA DO FÍGADO

A irritação pode ser ressentimento, cólera retida ou estado que não se confessa como cólera. É um bloqueio. Os sopros do Fígado estão bloqueados, por uma razão ou por outra, e os sentimentos também não mais se expressam e não evoluem, a psicologia está bloqueada, existem espécie de nós no pensamento e no afetivo. Estes mesmos sopros, por seu bloqueio, acarretam dores nas costelas.

“Quando o Fígado está doente: dores nos hipocôndrios, com irradiação ao baixo ventre; inclina-se à cólera (shan nu 善怒).” (Suwen 22)

Estar inclinado à cólera não é simplesmente estar irritável ou exasperado, mesmo se estes termos definam bem a situação. O Fígado perdeu a harmonia de suas relações yin/yang, o que quer dizer que o yin que nutre e mantém cumpre mal sua função, por uma razão ou por outra; então o sangue não mais preenche o Fígado e o Fígado fica desequilibrado. Poderíamos observar diversos sintomas como hipertensão, por exemplo. Mas teremos também um desequilíbrio dos sopros do Fígado naquilo que faz o psiquismo, levando a esta perpétua irritabilidade, podendo, de acordo com as condições do terreno e da psicologia própria, desencadear a cólera com freqüência, às vezes ou mesmo jamais.
É um estado psicológico que os textos ligam facilmente à mulher durante as mentruações, pois a perda de sangue se repercute então sobre o Fígado e cria uma situação, freqüentemente passageira, de irritabilidade, de nervosismo.
Esta tendência da mulher à irritabilidade está muito ligada à etimologia tradicional do caracter para a cólera. A cólera,  nu, é ter no Coração  o ressentimento irritado da mulher reduzida à escravidão  , a mulher  que “se tem na mão” .
A insuficiência do sangue no Fígado afeta também as almas Hun e a capacidade do Fígado de refletir, prever, imaginar de maneira saudável. Temos então os transbordamentos de inveja, de ciúmes, de ansiedade, ou delírio paranóico... Como a cólera, a inveja é tradicionalmente ligada à mulher na China; poderíamos dizer, de maneira geral, que toda secura do sangue do Fígado causa alterações do funcionamento mental desta ordem. 
A EXCITAÇÃO DO YANG

A agitação desenraiza o yin
“Quando o yang entra no yin, isto gera tranquilidade (jing );
 Quando o yin sai do yang, isto gera cólera.” (Suwen 23)

A tranquilidade em questão não é a serenidade, mas mais a apatia, a falta de iniciativa; uma ausência dos sopros da Madeira, quando o yang não é capaz de fulgurar em direção ao exterior, e permanece no recuo. O equilíbrio yin yang dos sopros está rompido, o yin domina e esmaga o yang.
A cólera é definida, ao contrário, como uma capacidade do yin de se guardar no interior, de onde vem uma falta de tranquilidade, de contenção, uma agitação. O yang domina e impede o entesouramento, a manutenção no interno das essências e do sangue. A incapacidade de guardar as essências acarreta um enfraquecimento da influência exercida pelos espíritos, um obscuramento do mental; os julgamentos já não são claros e justos; eles são conduzidos pela excitação e pela irritação.
Um pouco depois, no mesmo capítulo, falando dos pulsos sazonais, se diz que
“sentir o pulso próprio do fim do verão quando estamos no inverno, se chama o yin que sai no yang; sofremos de uma tendência à cólera (shan nu 善怒 ) da qual não podemos curar.” (Suwen 23)
Trata-se da cólera ou então de uma “saída”, uma erupção, um jorrar como vemos na cólera violenta, que explode; mas que aqui assinala que sangue e sopros, levados por um movimento yang dominante, estão na superfície do corpo quando deveriam estar nas profundezas. No nível dos Rins, o dano pode ser fatal, pois é o yin autêntico que se encontra assim desenraizado.

O vento excita a cólera

Existe uma relação natural entre vento e cólera, porque seus sopros são análogos àqueles da Madeira. O vento não é a cólera do Céu?  Não é, portanto, surpreendente de encontrar a irritação, a tendência a se encolorizar, como o resultado da presença do vento, em particular quando os ventos afetam os dois órgãos yang do corpo, o Fígado-Madeira e o Coração-Fogo, suscetíveis de reagir facilmente e prontamente à sua excitação.

“Aspectos apresentados pelos ventos do Fígado: muito suor, temor do vento, tendência à tristeza (shan bei 善悲 ); a tez está verde pálida; a garganta está seca e inclina-se à cólera (shan nu 善怒 ); por vezes detesta-se as mulheres” (Suwen 42)

O Fígado está doente. Em um primeiro momento, o impulso do Fígado não mais pode se manifestar; ele está bloqueado, oprimido; o movimento próprio do Metal o domina e sente-se triste.  O Fígado doente já não consegue apoiar o Coração, que não mais irradia alegria, mas se deixa invadir, oprimido pela tristeza (cf mais à frente, estudo da tristeza).
Entretanto a situação evolui; o yin do Fígado se deteriora, o sangue se estraga e se torna incapaz de equilibrar os sopros, de nutrir um movimento yang moderado e eficaz. A irritação então domina. Como para a tristeza inicialmente, não se trata de uma emoção nascida de reações a situações ou objetos exteriores; e sim de uma conseqüência do ressentimento interior do estado dos sopros do Fígado.
O Fígado, assim como a Vesícula Biliar, está ligado à sexualidade. Aqui o desejo sexual, que ocupa o pensamento e o Coração, se preenche de ressentimento e de irritação, se transforma em ódio. O vazio do sangue do Fígado pode assim causar problemas de ereção. E o homem recusa-se a aproximar das mulheres.

“Aspecto apresentado pelos ventos do Coração: muito suor, temor do vento, ressecamento (dos lábios e da língua) e a interrupção (da umidificação); inclina-se à cólera (shan nu 善怒 ) e às crises de irritação; a tez está vermelha. Quando a doença se intensifica, a fala já não tem vivacidade.” (Suwen 42)

A reunião dos perversos da Madeira e do Fogo cria esta situação de irritação. Os espíritos são afetados; os gritos de irritação marcam a ausência de controle sobre si.
A situação pode evoluir enfraquecendo os sopros do Coração; a elocução é então perturbarda fisica e mentalmente.
No calendário o Suwen cap. 69 apresenta o ano do grande descomedimento (excesso) da Madeira como o momento onde os sopros do vento se espalham em todos os lugares. Descreve as doenças que se espalham então mais facilmente e mais comumente, após uma primeira fase onde dominam as patologias de obstrução do Baço – Pâncreas; uma agravação traz perturbações mentais, perda da lucidez, confusão e tendência à cólera. Após a opressão e o bloqueio, a tensão sobe, o yang se endurece e empurra em direção ao alto.
Fraquezas e forças constitutivas
“Aqueles que são corajosos [.....] seu Fígado é grande e firme, sua Vesícula Biliar é plena à saciedade; quando se colocam em cólera, os sopros sobem poderosamente e o peito se dilata. O Fígado se levanta e a Vesícula está plena à transbordar, os cantos dos olhos se dobram e o olho se levanta, os pêlos se eriçam e o rosto está verde; eis de onde vem a coragem. [.....]  Aqueles que são covardes [.....] sua Vesícula Biliar não está plena mas sim relaxada [.....]; mesmo se eles estão em uma grande cólera, seus sopros não conseguem preencher seu peito. Fígado e Pulmão se levantam bem, mas os sopros decrescem e caem novamente: é por isso que eles não conseguem ficar muito tempo em cólera; vem daí a covardia.” (Lingshu 50)

O texto acrescenta que beber bebidas alcólicas pode inchar o Fígado, dar coragem, estimular a cólera; mas uma vez que os efeitos do álcool tenham se dissipado, nada permanence.
Da mesma maneira, no Lingshu 46, apresenta-se um indivíduo que tem uma fraqueza constitutiva do yin e uma tendência patológica à deterioração dos líquidos corporais; ele é então sujeito a uma espécie de calor interno, que enfraquece os Cinco zang e gera rigidez e tensão, uma força indevida e nociva do yang. Tal indivíduo é muito sensível à irritação, nervosismo, ansiedade, cólera.

O ARREBATAMENTO EM DIREÇÃO AO ALTO

As repercussões sobre o Aquecedor Médio
A cólera desencadeada no mental acarreta uma subida intespetiva dos sopros:
“Quando há cólera, os sopros sobem (shang  ). [.......]
 Quando há cólera, os sopros se colocam em contracorrente (ni ). Se isto for intenso, há vômito de sangue e até mesmo diarréia com alimentos não digeridos. É assim que os sopros sobem.” (Suwen 39)

Esta subida intespetiva em contracorrente é um desencadeamento dos sopros do Fígado e pode acarretar sintomas análogos àqueles consecutivos a um desequilíbrio do Fígado, como no caso de um vazio de yin do Fígado, por exemplo.
Sopros e sangue se precipitam para o alto, uma pressão se exerce, transversalmente, em direção aos órgãos situados sobre a passagem desta contracorrente[1]: pode se tratar das vísceras situadas no Aquecedor Médio (Baço e Estômago) e Superior (Coração e Pulmão). Os sintomas dados pelo Suwen 39 tocam o Estômago e o Baço. A contracorrente dos sopros do Fígado o impede de guardar o sangue; os sopros agridem o Estômago e o impede de abaixar normalmente; o sangue vai então refluir em direção ao alto na forma de vômito.  A contracorrente dos sopros do Fígado e a perturbação do Estômago enfraquecem o Baço, que já não consegue assimilar os nutrientes e os transportar para todo o corpo; esta perturbação se manifesta por diarréias liquefeitas onde as essências contidas nos alimentos são evacuadas no lugar de serem assimiladas.

“Em caso de cólera, os sopros do Fígado encavalam[2] (usurpam àqueles do Baço).” (Suwen 19)

Os efeitos sobre o Coração e o cérebro

Nesta mesma configuração de uma subida violenta dos sopros do Fígado, pode-se também observar sintomas como a facilidade a esquecer o que se diz ou faz (cf mais à frente Lingshu, cap. 8). Os efeitos da cólera alcançam o Coração e a consciência, acarretam a perca da posse de si e da razão em uma raiva que se torna fúria. Pode-se também observar os efeitos de um sangue massivamente levado em direção ao alto e que faz pressão sobre os capilares do olho e as circulações do cérebro provocando síncopes com hemorragia cerebral, espasmos cerebrovasculares… É a flexão por pressão (bo jue 薄厥 ):
‘Os sopros yang, vítimas de uma violenta cólera  (da nu 大怒), corpo e sopros são interrompidos; o sangue é levado massivamente em direção ao alto, de maneira que as pessoas são vítimas do refluxo pela pressão.” (Suwen 3)
O DANO AOS RINS

Pela cólera que se infla, os Rins não mais podem assegurar o seu movimento, análogo ao elemento Água: atrair e guardar nas profundezas, para nutrir os fundamentos da vida e permitir um impulso e um desenvolvimento contínuos e frutíferos. O dano ao espírito específico dos Rins, à vontade (zhi ), produz descontinuidade da personalidade. Reestabelecer os Rins restaura então a consciência de si, necessariamente e imediatamente, em um sujeito que não está mortalmente prejudicado.
Os efeitos do enfraquecimento dos Rins podem alcançar os osso e, mais particularmente, o seu lugar de comando eminente que se encontra na região lombar e, além de lá, toda a coluna vertebral. Se os Rins se esvaziam, suas essências já não podem nutrir a medula e reconstruir os ossos; nenhum movimento é possível, mais nenhuma flexibilidadeIsso vai de acordo com a idéia que se faz da cólera: ela tem a reputação de enrigecer e não flexibilizar, imobilizar sobre suas posições e não se voltar e se deslocar. Ora, a cólera se gera também de uma erupção do yang do Fígado mal contido pelas essências, que são, por exemplo, insuficientemente fornecidas pelos Rins.
A vontade faz mover o ser sem rigidez, com, ao contrário, flexibilidade em todas as atitudes, para apoiar o pensamento sem o enrijecer. A vontade é a força profunda, a estruturação mental, que se expressa, fisicamente, através dos ossos e, principalmente, daqueles que estruturam e mantém o corpo, da base do tronco à cabeça: a coluna vertebral. A cólera, esvaziando o baixo, prejudica tanto a vontade quanto a ossatura, pela deterioração das essências. A estruturação, da vontade ou do osso, é o contrário da rigidez; é a flexibilidade eficaz, o movimento forte, pois é exato, como aquele de um ginasta, como aquele de um mestre de artes marciais.
Quando a vontade está prejudicada, há perca da lembrança do que se acabou de dizer, quando os ossos estão prejudicados, a continuidade do ser está lesada; já não se consegue manter uma vontade, nem tender em direção a um objetivo, nem fornecer a tensão geral e coerente do movimento vital. A vida está sob tensão, como tudo que é orgânico. Em tal situação, o controle da vida é impossível:
“Na cólera crescente, nós nos perturbamos e nos desviamos; portanto, nada mais está sob controle. [...........] Quando os Rins são acometidos por uma cólera que cresce sem poder parar, a vontade é prejudicada. Quando a vontade está prejudicada, o indivíduo não consegue sequer se lembrar do que acabou de dizer, a região lombar e a espinha dorsal não podem nem pender para frente, nem pender para trás, nem dobrar-se, nem endireitar-se. Os pêlos se tornam quebradiços e aparecem todos os sinais da morte prematura. Morre-se no extremo do verão.” (Lingshu 8)
Mencionemos igualmente que um vazio da Água dos Rins acarreta uma insuficiência das essências e, portanto, do sangue que nutre o Fígado. Em consequência, tem-se um estado que acarreta a irritabilidade; mas no qual o vazio ao nível dos Rins traz seu próprio toque, que se traduz por um enfraquecimento geral e o aparecimento do fogo que se beneficia do vazio do yin.
O DANO SUPERFICIAL

Por vezes um dano superficial provoca uma irritabilidade passageira. Será necessário diagnosticá-lo e tratá-lo como tal.
“Quando os perversos se alojam nas redes de ligaçao (conexão, luo  ) do Shaoyin do pé, o paciente tem dor de garganta a ponto de não conseguir ingurgitar comida; ele está inclinado à cóleras sem razão...” (Suwen  63)
Situações sem gravidade, como um resfriado ou um golpe de frio geram um calor reativo: inflamação que queima os líquidos sob a autoridade do Shaoyin (meridiano dos Rins) na região da garganta, provocando subidas em contracorrente dos sopros. O que dá a impressão de se estar irritado, encolerizado.  Mas não é uma situação “visceral”, um sentimento real.  Assim que a garganta melhorar, esta sensação de estar encolerizado ou irritado desaparece. Não há nenhuma razão para se estar encolerizado; não ficamos com raiva, mas os sopros explodem de cólera sob a pressão da inflamação.
No entanto, pode-se conservar esta irritabilidade mesmo após a cura da garganta, quando o Coração como que pegou gosto, e se inflamou, e foi contaminado pela inflamação, visto a proximidade e visto também os desgastes causados sobre o Shaoyin do pé, meridiano dos Rins, que se ocupa do que protege e nutre o Coração. É então uma situação profunda de desequilíbrio dos sopros.
Inversamente, a arte do Coração é o que permite permanecer calmo, mesmo quando temos dor na garganta.

ENTRE BAÇO E FÍGADO

Como saber se a cólera vem de um yang do Fígado imflamado ou de uma congestão do Baço? O Lingshu cap. 26 dá sua resposta:

“Tendência a se encolerizar (shan nu 善怒 ):
Se não se deseja comer e se falamos cada vez menos, punciona-se o Taiyin do pé.
Se a cólera se acompanha de uma abundância de palavras, punciona-se o Shaoyang do pé.” (Lingshu 26)

No primeiro caso, os sopros do Baço estão obstruídos e atrapalham as circulações: não mais se tem apetite, não mais se tem vontade de comer.  Por repercussão, o Fígado é bloqueado na sua expansão: fala-se cada vez menos. É conveniente então tomar sobre o meridiano do Baço para fazer circular os sopros[3].
No segundo caso, estamos na presença de uma forte contracorrente nos sopros da Madeira, uma subida poderosa do yang, que é tratada sobre o meridiano yang da Madeira, aquele da Vesícula Biliar. O que não impedirá de nutrir o sangue, se necessário.


[1] Por contracorrente (ni ), mais que a simples inversão da corrente, é o fato que os sopros vão em sentido inverso, é necessário compreender que eles não mais se conformam à ordem e ao ritmo convenientes para a manutenção da vida. Assim, o movimento natural dos sopros do Fígado é de subir. Sua contracorrente, no caso da cólera, é de subir com muita força, arrebatar para cima o que deveria nutrir o Fígado e os fundamentos da vida.
[2] Encavalar (cheng  ) é beneficiar-se da ocasião que se oferece pela fraqueza de um adversário para invadi-lo e subjugá-lo.
[3] Podeíamos tomar pontos também sobre o meridiano do Fígado. Por exemplo, Zhangmen, F.13, ponto mu do Baço.       O texto do Lingshu insiste na origem da situação.





*Extraido  da apostila editada pela EEA "As Emoções ".
  Tradução de Andrea Jacusiel

ZHUANGZI ch. 5 - Trad. Jean Lévi

  O Tao deu-lhe a sua aparência e o céu a sua forma, porque deixaria que as paixões prejudiquem o seu corpo? Você se deixa distrair pelo mu...