A
NOÇÃO DE SHEN, ESPÍRITOS, NO PENSAMENTO CHINÊS CLÁSSICO
Elisabeth
Rochat de la Vallée
Tradução Mariana C.
T. Scarpa
A noção de shen 神, comumente traduzida por “espírito”, é
complexa e multivalente. Ela leva a significações diferentes conforme sua
evolução ao longo do tempo como também conforme os contextos em que ela se
encontra empregada. Desta forma, as nuances entre o emprego de shen 神 são importantes na
filosofia, nos textos religiosos, na teoria da medicina e no uso popular...
Se voltamos à origem, encontramos o
caractere shen 神
empregado nas inscrições feitas no bronze, bem como em textos mais antigos, com
o sentido de espíritos dos anciões: as potências que estão “no Céu” e que
exercem um poder “abaixo” sobre os seus descendentes. De onde vem o uso do
caractere shen 神
para os espíritos do Céu, em oposição, por exemplo, aos espíritos da Terra (gui
鬼).
Temos, portanto, shen 神,
os espíritos, as “divindades”, os seres dotados de uma potência divina, exercendo
suas influências sobre os homens e a natureza inteira. Seu poder é maravilhoso,
prodigioso, miraculoso, sutil e imperceptível. Constatamos o resultado da
presença dos espíritos, mas não podemos explicar como eles operam, uma vez que
a natureza mesma de seu poder é celeste, vinda de uma ordem “superior”. Não
podemos, portanto, explicar suas operações pela lógica da razão humana; não
podemos integrar a sua potência à expressão dual que é a do mundo sob o Céu.
Daí sua definição no Xici[2]:
“isto que o Yin/Yang não pode sondar, são os espíritos”.
Sua ação não pode ser senão
excelente e perfeita, pois é celeste. Ela é sempre e por definição expressão da
ordem do acontecimento e do desenvolvimento da vida no mundo, da ordem natural
a qual chamamos também de Céu (tian 天).
Os espíritos são, portanto, a
animação celeste em todo o ser. Eles são a ordem sagrada da vida em cada
fenômeno natural bem como nas relações humanas. Temos assim espíritos ou forças
naturais em todos os lugares como: para as partes da casa, para as doenças ou
para a felicidade; existem aqueles que regem o nascimento ou o casamento,
aqueles que protegem todos os ofícios, que protegem os Letrados ou os
prisioneiros. Eles presidem todas as atividades da natureza e do homem.
Os
espíritos na natureza
Os espíritos estão por tudo:
divindade da montanha ou do rio, do fogo ou da madeira, dos cereais ou dos
novos brotos, do trovão ou das nuvens, da peste ou da seca, da escarlatina ou
da varíola, da felicidade ou da riqueza, das portas ou da lareira, dos poços de
sal ou dos diques, da telha do telhado ou das latrinas, do Fígado ou dos olhos,
do Estômago ou do cérebro, …
Podemos ver os espíritos como
funcionários divinos, servidores do céu, garantidores da ordem natural. Não é
depreciativo ser empregados da vida, ser encarregado de manter os sopros na
corrente da vida, de comandar as manifestações (da vida), de tal maneira que
elas não desviem disto que elas devem ser, mas seguem sua natureza conferida
desde a origem[3].
O gênio [espírito] do rio faz correr
o rio até o mar; o espírito de um elemento, como o Fogo, faz com que o fogo
suba e incendeie, aqueça e difunda; a divindade da secura chega quando as
circunstâncias a provocam, o espírito das portas controlam aquilo que passa por
elas… Cada espírito assegura que tudo funcione de acordo com sua natureza
própria.
Os
espíritos no homem
Os espíritos descendem do Céu e
povoam o mundo que circunda o homem, mas eles penetram nos seres e controlam no
homem todos os movimentos da sua psicologia bem como de sua fisiologia.
Conforme o Zuozhuan[4],
encontramos para shen 神,
o sentido de muito inteligente; um homem “espiritual” é esclarecido, do
interior, por suas potências celestes, é um ser inspirado e maravilhosamente
sábio.
Os espíritos são, portanto, potências
exteriores, que existem por elas mesmas como agentes do Céu, capazes de
proteger os humanos ou de lhes causar danos. Mas eles podem também penetrar
seus corpos e estarem presentes no centro da pessoa e da personalidade que é o
coração, assim como em todos os órgãos e todas as partes do organismo. A
questão que se coloca é a de saber se os espíritos descendem em um ser por um
tipo de vontade do Céu ou se sua presença no homem é o resultado de um trabalho
de interiorização deste, no qual ele executa por conta própria. O trabalho
interior pelo qual se suscita em si os espíritos é objeto central de um texto
do final do século IV A.C., o capítulo Neiye de Guanzi. Podemos indagar se os
espíritos próprios de um homem têm uma existência real fora do corpo deste homem
e das essências que o compõem.
A expressão “essências-espíritos”, jingshen
精神, designa espírito vital
do homem, em que os espíritos são indissociáveis de suas essências. Os
espíritos animam as essências, se elas são tão puras e sutis para se deixarem penetrar
por eles. A potência que eles podem desenvolver em um humano está em função da
qualidade das essências que ele [humano] é capaz de manter e renovar; ou seja,
que a presença dos espíritos em um humano e a capacidade de controlar as
operações está em função da conduta deste homem: se ele sabe ou não se
aproximar da ordem natural nas atividades físicas como também em seu equilíbrio
mental e afetivo. Se aproximar da ordem natural é se deixar habitar pelos
espíritos para se conformar ao Céu. Assim, o modo de se colocar sobre a via da
interiorização dos espíritos depende do homem ; esta orientação interior o
conforta mais e mais na ordem natural que é o desenvolvimento optimizado de sua
própria vida; dizemos, então, que os espíritos, que ele soube atrair e guardar,
o guarda de todo o mal, tanto quanto o mantém, pela calma interior, a qualidade
necessária das essências. Entretanto, não há um determinismo absoluto, os
espíritos são voláteis, o homem não pode senão se conformar, na medida de suas
possibilidades, à ordem natural; mas como ele não pode penetrá-la
completamente, a menos que tenha chego no último estágio em que ele se torna um
com essa ordem, se tornando celeste e se incorporando à Via, caso contrário, há
sempre uma boa chance para que as flutuações existam em sua conduta. Os
espíritos não se guardam como se pudesse os reter ou encerrá-los; eles vão e
vêm, é o movimento característico deles. O homem só pode manter sua vigilância
para não cometer o erro que semearia em si agitação e perturbação à limpidez de
suas essências.
“Os espíritos dão vida a Isto que
não tem (forma, wu 無)
e as formas (os corpos, xing 形)
são concluídas por Isto que tem (forma you 有)[5].
… Assim dizemos: os espíritos enviam (ativamente) os sopros (shen shi qi
神使氣) e os sopros determinam
as formas. Essas formas têm os princípios de organização (li 理)
que determinam suas espécies e pelas espécies nós as classificamos. O Sábio se
funde aos espíritos para torná-los presentes (em si). Embora ele tenha em si o
maravilhoso, ele deve cumprir suas disposições próprias (qing 情)[6].
Aquele que vai no coração da Via gloriosa (de esplendor) possui a iluminação (ming
明). Aquele que não tem o coração de um
Sábio para aceder à inteligência (cong ming 聰明)
como poderia tornar presente em si os espíritos do Céu Terra e cumprir as
disposições naturais ligadas a sua forma? Os espíritos: os seres os recebem,
mas sem ter consciência (zhi 知)
deles; eles vão e vêm (qu lai 去來).
É por esta razão que o Sábio teme e deseja os manter presentes nele. Sendo seu
único desejo o de manter suas presenças, os espíritos se mantêm presentes nele.
Se ele deseja de tal modo suas presenças é porque nada é mais precioso”.
(Shiji, final do capítulo 25)[7].
Podemos compreender essas idas e
vindas como chegadas e partidas de potências exteriores; algumas situações
estão claramente ligadas a práticas de viés xamanista em que há fenômenos de
transe, de possessão pela divindade. Mas nos textos filosóficos e naqueles de
teoria médica, trata-se antes de estado de consciência: experimentamos ou não
experimentamos mais ou menos intensamente, o estado em que nos sentimos um,
unificado, inspirado, em conformidade com os grandes movimentos da vida em si,
em torno de si, na natureza e no cosmos. A visão que temos desses
acontecimentos e dos seres é mais ou menos clara, mais ou menos “evidente”.
Os espíritos, a presença dos
espíritos é então um “estado de espírito” que induz um “estado de corpo”; pois
a presença dos espíritos é inteligência e sabedoria, mas ela é também esplendor
do corpo, brilho da saúde.
Os espíritos não são quantificáveis
(veremos mais adiante a questão de seu número); tampouco eles são alteráveis.
Eles são os agentes a quem damos ou não potência de ação e controle.
Os espíritos, shen 神,
não pertencem a pessoa a qual eles habitam, entretanto eles fazem parte dela
pelo espírito vital (jing shen 精神);
eles são sua luz interior, sua percepção, sua inteligência, sua consciência e
suas aptidões [savoir-faire]. Eles são isto pelo qual um ser humano tem
uma consciência e um saber de homem, uma inteligência que não é só uma
habilidade, mas penetração da realidade viva. Sem os espíritos, um homem não é
verdadeiramente um ser humano; ele é louco ou inumano. Seu corpo conhece apenas
o desenvolvimento animal da substância trabalhada pelos sopros. O louco pode
assim gozar de uma saúde quase perfeita, mas não o consideramos como
verdadeiramente “são” e sua falta de inteligência o coloca em perigo. Quanto
àquele que se entrega a suas paixões, deteriorando suas essências, gerando
agitação e inquietação, ele torna inoperante os espíritos e sofre consequências
em seu mental e em seu corpo.
“O homem tomado pela demência, se
ele não pode evitar cair na água ou no fogo, se ele escolhe no fosso ou no canal,
você acredita que isto seria por uma falta do corpo (xing 形),
dos espíritos (shen 神),
dos sopros (qi 氣)
ou da vontade (zhi 志)?
Não. É porque ele faz um uso aberrante disso. Eles desertaram seus postos de
guarda (shou 守),
eles abandonaram seus lares, aqueles do exterior (wai 外)
e aqueles do interno (nei 內).
É uma situação em que o movimento e a parada não repousam sobre nada, em que a
atividade e o repouso não são mais centrados (zhong 中).
Ao longo da sua vida ele moverá um corpo (xing 形)
inválido pelos caminhos tortuosos e vias acidentadas, tropeçando no meio de
buracos cheios de lama e lixo. Vindo ao mundo equipado como um qualquer, ele é
zombado e desprezado pelas pessoas. Por quê? Porque a relação de seu corpo (xing
形) com os espíritos (shen神)
foi perdida.
Entretanto, quando os espíritos
reinam supremos (zhu 主),
o corpo segue e prosperamos; e quando o corpo impõe sua lei (zhi 制)
os espíritos seguem e nós nos degradamos. Os homens com apetites vorazes e
paixões devoradoras encobrem a potência de um olhar pleno de desejo; fascinados
que eles são pelos títulos e posições, eles têm apenas uma ambição: superar os
outros pelas suas habilidades e se instalarem sobre a [camada superior] da
sociedade. Com esse resultado, suas essências e seus espíritos (espírito vital,
jing shen 精神)
diminuem todos os dias um pouco mais, se desviando ainda mais. É um
transbordamento prolongado sem esperança de retorno; o corpo fechado e o centro
inacessível, os espíritos não encontram mais onde penetrar. Então as pessoas
experimentam, a todo instante, os efeitos desastrosos de sua cegueira e de sua
extravagancia”. (Huainan zi, capítulo 1).
Podemos dizer que shen 神
é isto que faz com que tenhamos consciência. O que é “ter consciência”? Se não
é [a possibilidade de] se ver em seu lugar no universo e ver o universo em sua
realidade. Entretanto, o pensamento chinês, principalmente sob influência do
Taoismo, preferirá dizer SER em seu lugar no universo e perceber o universo na
sua realidade, pois o objetivo último da vida não é observar, mas pertencer. A
contemplação é uma imersão, na qual não vemos mais nada, não sabemos mais nada
e todas as distinções se extinguem. Isso permite manter-se no movimento da vida
por incorporação, como uma plenitude de espírito, que é o abandono da consciência
clara e do pensamento discursivo.
A
noção de shen, espíritos, nos textos médicos
O uso da noção de shen 神,
espíritos, na teoria médica se apoia principalmente sobre sua visão dos textos
filosóficos. Assim eles estão presentes como a vida mesma de um homem, isto que
o torna são de corpo e espírito.
“Possuir os espíritos, é a
resplandecência (da vida). Perder os espíritos, é o aniquilamento” (Suwen 13).
Deste modo, podemos dizer que os
espíritos são o Céu (o natural) em mim, eles são os guias da vida que decorre
em conformidade com sua natureza própria, original, conferida pelo Céu.
Quando uma vida é bem regrada,
quando todos os sopros conduzem perfeitamente suas atividades próprias, ao
lugar certo, no momento certo, segundo o ritmo justo – isto equivale a afirmar
que os Cinco zang conduzem perfeitamente suas funções – então é a vida
espiritual.
“Os Cinco sabores penetram pela boca
e são entesourados pelo intestino e estômago; os sabores são entesourados pelos
zang para manter os Cinco sopros deles. A harmoniosa composição destes
sopros faz viver; os líquidos corporais densos e leves (jin ye 津液)
se completam perfeitamente, e os espíritos (shen 神)
então fazem viver, naturalmente”. (Suwen 9)
A
Luz dos espíritos
Os espíritos que guiam a vida não são
simples mecanismos, são sim uma luz. Esta luz é um clarão que permite o
conhecimento, a compreensão do que unicamente importa, isto é, disto que faz
viver. Como o único saber [savoir faire] que conta é o “saber viver” e saber
como manter sua vida[8],
o único conhecimento que vale é aquele que ilumina sobre a ordem natural da
vida e que permite aderi-la em todo o seu ser; isto não é um conhecimento que
vem de um saber acumulado, de um pensamento discursivo, de uma análise, mas
aquilo que é adesão ao movimento vital até a última fibra de seu ser.
“O Yin/Yang é a Via do Céu/Terra,
fio mestre e malha dos Dez mil seres, pais e mães das mudanças e
transformações, enraizamento e começo da vida e da morte, morada para a
resplandecência dos espíritos (shen ming 神明)”.
(Suwen 5)
Quando os espíritos estão no
controle, eles ativam os sopros em função da origem, da natureza própria de
cada um e da ordem sagrada da vida. A reação a todas as circunstâncias é,
assim, perfeitamente apropriada e justa; nada perturba o transcorrer da vida.
“A Via está na unidade e os
espíritos imprimem um movimento de rotação sem voltar atrás. Se eles voltassem
atrás, eles não assumiriam mais as rotações, isto seria a perda do mecanismo
(sutil da vida, ji 機)”.
(Suwen 15).
“O corpo abriga a vida, os sopros
são a sua abundância e os espíritos a dirigem. Se uma das entidades perde sua
posição, os três padecem”. (Huainan zi, capítulo1)
Quando cada órgão, cada sentido,
cada instância funciona perfeitamente, nada se opõe à presença dos espíritos;
isso reforça a perfeição do funcionamento procurando força e saúde e isso, ao
mesmo tempo, dá acuidade e a adequação convenientes, apropriadas ao
funcionamento dos órgãos dos sentidos e do mental. É a iluminação, o estado
espiritual, tal como é apresentado por Huainan zi no capítulo 7:
“Sangue-e-sopros (xue qi 血氣)
podem eles se concentrarem nas Cinco vísceras (zang) ao invés de se
difundir para fora, peito e ventre são preenchidos em sua totalidade, os
desejos e as cobiças perdem assim sua força. Peito e ventre estando
inteiramente plenos, desejos e cobiças são reduzidos a nada, olhos e orelhas
estão claros, a visão e audição penetrantes. Uma tal perfeição a espera de seu
objeto pelos sentidos, é ela a Iluminação (ming 明).
As cinco vísceras, podem elas se colocar na dependência do coração e não se
desviar dele, qualquer que seja a exaltação da vontade (zhi 志),
a conduta não se desvia. Assim os espíritos vitais (jing shen 精神)
superabundam e nada dissipa os sopros. Abundância dos espíritos, plenitude dos sopros,
tudo está em ordem, equilibrado, compenetrado: É o Estado espiritual (shen
神). O Estado espiritual torna perfeita
a visão, perfeita a audição, perfeita a realização: As tristezas e as
preocupações não podem mais nos afligir, os sopros perniciosos (xie qi 邪氣)
fundem-se em nós inesperadamente”.
Acolher
e manter os espíritos
Como atrair os espíritos do Céu?
Como mantê-los a fim de que eles nos guardem? Ajustando sua vida com a ajuda
dos espíritos que estão já presentes em si, afim de renovar suas essências da
qualidade própria à espécie humana.
“Os sopros grosseiros (fan qi
煩氣) formam os animais; os
sopros leves e sutis (jing qi 精氣),
os homens.” (Huainan zi, capítulo 7)
Há mais espíritos celestes no homem
do que em qualquer outro ser, por causa da qualidade das essências. Mas o homem
deve manter esta qualidade, senão ele perde os espíritos tornando-os
inoperantes e assim ele perde sua vida. Mantendo a qualidade das essências, os
espíritos continuam sendo atraídos, e por que eles são mais numerosos ou mais
presentes, as essências são ricas e puras. Portanto, são as essências que
permitem a presença dos espíritos.
“Que os viventes (sheng 生)
surjam denota as essências (jing 精).
Que as duas essências se abracem denota os espíritos (shen 神).”
(Lingshu 8).
Essas “duas essências” são as
essências dos dois humanos genitores, masculino e feminino, pai e mãe, raízes
das essências ditas do Céu anterior para o novo ser. Mas é também as essências
do Céu posterior se renovando sobre o modelo original das essências do Céu
anterior.
Como renovar as essências do Céu
posterior guardando a qualidade inata do Céu anterior?[9]
Evitando tudo o que atrapalha e perturba a atividade regular dos sopros, que
trabalham constantemente sobre as essências; isto é, evitando as emoções e
paixões, os desejos inapropriados, os excessos de calor e de frio, de cansaço
ou de relações sexuais… Trabalhando, no seu corpo e no seu mental, tudo isto
que preserva o ritmo normal dos sopros, permitindo a eles assimilar e
transformar as essências de modo que elas sustentem a presença dos espíritos.
“Intestinos e estômago sendo
alternadamente vazios e cheios, os sopros sobem e descem (qi de shang xia
氣得上下), os Cinco zang
estão estáveis e pacíficos, sangue e sopros (xue qi 血氣)
são harmoniosamente compostos e circulam facilmente (he li 和利)
e o espírito vital (jing shen 精神)
então, permanece no lugar. Portanto, os espíritos (shen 神)
são as essências-sopros (jing qi 精氣)
provenientes dos alimentos sólidos e líquidos.” (Lingshu 32).
Todas as técnicas são boas:
dietéticas, ginásticas, respiração, meditação… Sob a condição de que elas não
tenham outro objetivo senão o de adesão ao movimento da vida por ela mesmo e
que elas preservem e confortem o calmo interior.
O essencial no uso das agulhas (用鍼之要)
reside no conhecimento da regulação do Yin e do Yang (知調陰與陽);
quando se regula o Yin e o Yang (um em relação ao outro), então as essências e
os sopros resplandecem (精氣乃光),
unimos o corpo e os sopros (合形與氣)
e fazemos de modo que os espíritos sejam entesourados internamente ( 使神內藏).
(Lingshu, capítulo 5).
As
essências
Em um primeiro sentido, jing 精,
designa os grãos de arroz descascados, a parte refinada do arroz; por extensão
qualquer coisa purificada, escolhida, requintada, refinada.
As essências, puras e sutis, são os
modelos de cada vida (essências do Céu anterior) e a base de sua manutenção
(essências do Céu posterior). As essências tornam particular uma vida no seio
da vitalidade universal. Elas regulam as condições da vida para cada um, do
nascimento à morte, da aparição ao desaparecimento. Um ser se torna ele mesmo
através de todas as mutações que ele sofre ao longo de sua vida, pois as
essências asseguram fielmente esta continuidade.
Sua relação à origem e a
continuidade, bem como sua natureza yin, as liga aos Rins:
“Os Rins… são a morada das
essências. […] “Os Rins entesouram as essências (jing 精
). (Lingshu 8).
Elas são o material pleno de
vitalidade que tece os vivos. Elas permitem que as substâncias permaneçam
vivas, isto é, que elas sejam transformadas continuamente pelos sopros.
As essências da doação original
(essências do Céu anterior) determinam a qualidade específica da substância
humana. As essências do Céu posterior permitem a elaboração, o desenvolvimento
e a manutenção de um ser, por renovação, segundo as normas originais da própria
natureza.
“Homem e mulher unem suas essências:
os Dez mil seres são produzidos por transformação (hua sheng化生
)”. (Yijing ou Livro das mutações – Xici).
“As Essências são o enraizamento (ben
本) de um corpo vivo (shen 身)”.
(Suwen 4).
“O que vem primeiro (xian 先)
na vida de um ser (na vida pessoal expressa num corpo, shen sheng 身生),
é chamado Essências.” (Lingshu 30).
As essências passam de um ser ao
outro (por exemplo: a alimentação); por decomposição da matéria que as contém,
elas são assimiladas em um novo organismo (essências do Céu posterior); elas
ganham, de acordo com as afinidades, os zang que elas regeneram e onde elas
permitem a presença e o controle dos espíritos. Elas são trabalhadas e
transformadas permanentemente pelos sopros. Ao se consumirem, elas liberam os
sopros para as atividades específicas; por assimilação, elas vitalizam as
substâncias corporais.
As essências não são visíveis por si
mesmas, mas nada de substancial existe, toma forma e vive sem elas; percebemos
suas qualidades, sua abundância e sua penúria, em cada ser vivo. Assim como o
corpo é da competência da Terra, as essências são da competência do Céu, uma
vez que as essências são a iniciativa e o controle da expressão vital
representada pela forma corporal.
“o Céu pelas essências (jing 精)
e a Terra pelas formas (xing 形),
O Céu pelos Oito reguladores (do tempo) e a Terra pelos Cinco organizadores
(que são os Cinco elementos), podem se comportar como pai e mãe dos Dez mil
seres.” (Suwen, capítulo 5).
Em toda a forma as essências são,
portanto, isto que dá a vida, isto que manifesta o natural, isto que permite
aos sopros animar os corpos e as substâncias. Toda manutenção da vida e
realização corporal repousam sobre as essências.
“As Essências (jing 精),
em todos os seres, é isto que os tornam vivos (sheng 生).
Embaixo, elas produzem os Cinco cereais; em cima, elas deixam as estrelas bem
alinhadas; transcorrem (liu 流)
o intervalo entre Céu e Terra, elas são os espíritos da Terra e os do Céu (gui
shen); entesouram (cang藏)
no centro do peito, é o homem santo (sheng ren 聖人).
E assim, eis os sopros...” (Guanzi – Nei Ye).
“Que os viventes surjam denota as
essências”. (Lingshu, capítulo 8).
É preciso, portanto, manter preciosamente
e ativamente as essências, não desperdiçá-las, perdê-las, deteriorá-las, pois
assim destruímos a qualidade das substâncias vitais: líquidos corporais e
gorduras constitutivas, sangue e esperma, e mesmo medula e cérebro, osso e
carnes; enfraquemos e distorcemos a produção em si dos sopros; obscurecemos o
pensamento e nos opomos à presença dos espíritos.
O
espírito vital (jing shen 精神
)
A associação das essências sutis e
dos espíritos representam o mais alto nível da vida humana, a humanidade de um
homem. É a fonte do conhecimento, reflexão, pensamento, moral, conduta moral,
retidão interior que é também retidão dos movimentos do sopro…
Os Cinco zang, os quais
formam o centro da pessoa, estão encarregados do espírito vital, por oposição
aos Seis fu, mais voltado para o lado material da vida:
“O homem recebe a vida pelo seu
sangue-e-sopro (xue qi 血氣),
suas essências-e-espíritos (jing shen 精神,
espírito vital), para realizar seu destino em função de sua natureza própria.
[…] Os Cinco zang servem para entesourar essências-e-espíritos (jing
shen 精神),
sangue-e-sopros (xue qi 血氣),
Hun e Po (魂魄
). Os Seis fu servem para transformar (hua 化)
os líquidos e cereais e fazer circular os líquidos corporais (jin ye 津液
).” (Lingshu, 47).
O espírito vital (jing shen 精神)
de um homem, que representa seus espíritos próprios, sobrevive ao seu
desaparecimento, a dissolução da pessoa.
“Assim, os espíritos leves e sutis
(o espírito vital, jing shen 精神)
são propriedades do Céu e o esqueleto corporal (gu hai 骨骸),
propriedade da Terra. Os espíritos leves e sutis (espírito vital, jing shen
精神) retornam a sua porta,
os ossos retornam as suas raízes. Mas então como “eu” sobreviveria para
sempre?” (Huainan zi, capítulo 7).
Este espírito vital é pessoal,
específico de um ser, pois suas essências são as dele e dependem, pela sua
qualidade, da conduta de sua vida. É assim que alguns textos falarão de uma
alteração dos espíritos em um ser. Entretanto, podemos também considerar que,
se as essências são próprias e sob a responsabilidade do homem que elas
vitalizam, os espíritos enquanto mensageiros do Céu, não pertencem a ele. Eles
são sua vida, mas não pertencem a ele. Ele não pode, portanto, alterá-los
(contrariamente aos Hun e aos Po). Os espíritos são a potência
efetiva, a “virtude” do Céu, da ordem natural da vida. Eles são atraídos pela
conduta da vida, que determina a qualidade das essências. Quanto mais os
espíritos são presentes, tanto mais a conduta é naturalmente correta, e mais
aceitamos e desejamos sua presença. Eles são os condutores da carruagem da
vida. O Coração, estando pleno deles, pode dirigir a vida com potência e
eficácia e todas as dobras do ser, tanto psíquica quanto mental ou moral, são
plenas de sua presença.
Os espíritos não são a alma, ou um
princípio de vida pessoal que sobreviveria a morte. Shen é diferente de Hun
ou Po que são pessoais. Os espíritos estão por toda a parte onde está a
vida, a Via do Céu, e eles inspiram de acordo com a qualidade das essências, no
homem o espírito vital (essências espíritos, jingshen精神),
pela sutileza e refinamento das essências dá acesso à consciência (zhi 知)
que é um saber/saber viver[10]
(zhi 智).
Os
cinco espíritos
O
número dos espíritos
Quantos são os espíritos? Um? Cinco?
Cem? 18 000? Os números que lhes são atribuídos não são quantitativos, mas
qualitativos. Eles dão uma indicação dos espíritos que estão em questão.
Por exemplo, os Dois espíritos (er
shen 二神)
poderiam ser o Yin e o Yang, sob seu aspecto de potência produtora da vida; os
Três espíritos (san shen 三神)
seriam aqueles do Céu, Terra e do homem ou dos Picos sagrados, ou ainda os
espíritos que, no corpo, habitam os três campos de cinábrio; os Quatro espíritos
(si shen 四神)
seriam as divindades que dão sua qualidade própria às Quatro direções do
espaço. Os Seis espíritos (liu shen 六神)
poderiam ser seis categorias de espíritos a quem oferecemos os sacrifícios
(Quatro estações, frio e calor, sol, lua, estrelas, secura e inundação) ou
ainda seis espíritos que, no corpo, animam o Coração, Pulmão, Fígado, Rins,
Baço e Vesícula Biliar. Cem espíritos (bai shen 百神)
são uma legião de espíritos. Mas o essencial é expresso pelo provérbio: “As
miríades de espíritos formam apenas um espírito” (qian shen wan shen dou shi yi
shen 千神萬神都是一神).
Cinco espíritos (wu shen 五神)
indica que os espíritos devem ser considerados no que diz respeito a Cinco,
distribuídos e particularizados em cada um dos Cinco zang, se estamos em um
contexto corporal; em um contexto mais geral, eles são os espíritos dos Cinco
elementos, das Quatro direções e do centro; ou ainda os Cinco soberanos míticos
divinizados.
Cinco é o nível de organização da
vida, da divisão de todas as qualidades e movimentos de sopros que fazem e
mantém a vida. É uma organização que é feita na consciência; uma tentativa de
gerir o múltiplo mantendo presente a unidade, que é a única real[11].
O
Coração e os Cinco zang
“Quando meu Coração governa bem (zhi
治), os encargos (órgãos dos sentidos, guan
官) são também bem regulados (zhi
治). Quando meu coração está em paz (an
安), os encargos (órgãos do sentido)
estão também em paz. Este que governa, é o Coração. Este que confere a paz, é o
Coração.
O Coração esconde um Coração. No
centro deste Coração, há ainda um Coração. No coração deste coração, a
disposição interior (propósito) precede as falas, a disposição interior procede
a forma (xing形
), da forma procede as falas, das falas procede a execução (shi 使),
da execução procede a regulação (zhi 治).
Sem regulação, não escapamos a desordem (luan 亂),
uma desordem que leva à morte.
Quando, pela presença das essências,
a vida se desenvolve naturalmente, o exterior (wai 外)
mostra um tranquilo esplendor e o íntimo (nei 內)
é preciosamente conservado (cang 藏),
é isto que fornece uma fonte que sempre jorra, bem como um transbordamento
harmonioso e equilibrado que fornece uma fonte abissal de sopros. Fonte abissal
que não se esgota e dá firmeza aos Quatro membros. Fonte que não seca e que
fornece aos Nove orifícios suas comunicações adequadas, possibilitando ir até o
fim disso que nos apresenta o Céu/Terra, estendendo-se até aos Quatro mares. Ao
centro (zhong 中),
nenhuma confusão no propósito (a disposição interior, yi 意);
ao exterior (wai外),
nenhum perverso (xie 邪)
trazendo perturbação.”(Guanzi, Neiye).
O Coração é um, o Um, a unidade dos
Cinco zang. Os espíritos do Coração, uma vez que eles são também Um, se
exprimem através de cada um dos Cinco zang de uma maneira específica. Os
espíritos sendo o movimento natural próprio a cada um dos Cinco zang,
terão uma expressão específica que vai levar um nome particular para cada um.
São as Cinco expressões, manifestações dos espíritos ou as manifestações dos
espíritos para e nos Cinco zang.
“Sim, o Coração é o mestre das Cinco
vísceras (zang), ele regula o uso dos Quatro membros, ele faz fluir e
circular o sangue e os sopros, ele galopa sobre a fronteira do sim e do não,
ele vai e vem pelas portas e pelas aberturas dos Cem afazeres”. (Huainan zi,
capítulo 1).
Os Cinco espíritos são, deste modo,
a ordem por trás do funcionamento de cada um dos Cinco zang. Dividimos
da seguinte forma:
“O Coração entesoura os Espíritos (shen
神)
O Pulmão entesoura os Po ( 魄
)
O Fígado entesoura os Hun ( 魂
)
O Baço entesoura o Propósito (yi
意)
Os Rins entesouram a Vontade ( zhi
志 )”. (Suwen 23).
A apresentação mais completa, nos
textos médicos, se encontra no Lingshu, capítulo 8:
“O Céu em mim é virtude; a Terra em
mim é sopros. A Virtude flui, os sopros se espalham e eis a vida.
Que os viventes surjam denota as
essências e que as duas essências se abracem denota os espíritos.
Isto que segue fielmente os
espíritos em suas idas e vindas denota os Hun e isto que se associa às
essências em suas saídas e retornos denota os Po.
Àquilo que se encarrega dos seres,
chamaremos de Coração. Àquilo que o
coração se engaja, chamaremos de propósito. Que o propósito seja permanente
chamaremos de vontade.” (Lingshu 8).
Os
espíritos do Coração
Espíritos e Coração possuem uma
relação específica. O Coração, soberano e mestre da vida, é o “lugar” por
excelência da presença dos espíritos, uma vez que meu coração sou eu e que os
espíritos me permitem de ser eu.
“O Coração é o enraizamento da vida
(sheng zhi ben 生之本);
mudanças e transformações dos espíritos (shen 神)”.
(Suwen 9)
O Coração é a unidade, o centro, a
harmonia do centro. Não há forma senão enquanto centro; ele é luz dos espíritos
que clareia a consciência e a conduta, que dá a alegria de viver, a alegria do
Céu. Ele se espalha em toda parte, está presente em toda parte. O líquido
vermelho, bem visível e tangível, do sangue abriga a invisível presença dos
espíritos, eles se propagam por toda parte, assegurando a coesão do ser, as
percepções e as sensações, a sensibilidade e o conhecimento.
O Coração (xin 心)
assume o papel do Senhor e do mestre (jun zhu 君主);
o brilho dos espíritos (shen ming 神明)
provém dele. […] Quando o mestre espalha sua luz (zhu ming 主明),
os inferiores são pacíficos; uma tal manutenção da vida (yang sheng 養生)
busca a longevidade (shou 壽),
de geração em geração, e o Império sob o Céu resplandece de um grande brilho.
Mas se o mestre não espalha sua luz, as Doze funções correm risco; é isso que
provoca fechamento e boqueio das vias, a perda de comunicação; e o corpo (xing
形) é severamente afetado por isso. Tal
forma de manter a vida é catastrófica”. (Suwen 8)
“O Coração é o grande mestre (da
zhu 大主)
dos Cinco zang e dos Seis fu; é nele que habitam as
essências/espíritos (espírito vital, jing shen 精神
). Quando este zang é sólido e fechado, os perversos (xie 邪)
não podem entrar nele. Mas se eles o fazem, o Coração corre perigo; se o
Coração está em perigo, os espíritos partem dele e quando os espíritos vão
embora dele, é a morte”. (Lingshu 71).
Quando tudo funciona perfeitamente,
tudo se faz à luz dos espíritos, a consciência é iluminada, a inteligência
profunda, o julgamento são, o calmo perfeito, as percepções exatas; o corpo é
robusto, a aparência esplêndida, a saúde excelente… É o resplandecer que vem
dos espíritos: shen ming 神明.
Hun
e Po, dupla expressão do celeste e do terrestre
Não é possível falar disto que funda
a consciência humana, o espírito humano, o mental… sem falar, como constituem,
estes dois tipos de alma, de anima, de animação.
Hun (魂)
e Po (魄)
estão ligadas à Terra; eles portam as divindades da Terra, gui 鬼,
nos seus caracteres. Os gui 鬼
são ligados à Terra como as forças animadoras que dependem dela; eles são as
vezes perigosos ou mesmo maliciosos; eles podem também ser perigosos pois lhes
faltam a luz que ilumina a consciência e a sabedoria [conhecimento], uma vez
que elas vêm do Céu.
Hun e Po vivem como um
casal: sua união, é a vida; sua separação, nossa morte. Eles são duas facetas
da vida sobre a Terra; eles são a dualidade própria a toda expressão da vida.
Num ser humano, uma parte pertence, desde o primeiro começo, ao Céu, e uma
parte está definitivamente ligada à Terra. Seu abraço é a vida sobre a Terra:
“Os sopros celestes formam a alma
espiritual (Hun), os sopros terrestres, a alma corpórea (Po). Que
eles voltem à sua morada primordial e cada um manterá sua casa. Que saiba os
reter sem que eles escapem, se identificará o Grande Um cujas essências
mantêm-se unidas ao dao celeste.” (Huainanzi, IX, 23a, tradução Jean
Levi, Pléiade, p.368).
“O ser humano é a virtude
(combinada) do Céu/Terra, O entrelaçamento do Yin/Yang (陰陽),
o conjunto dos espíritos da Terra e do Céu (gui shen 鬼神),
o melhor dos sopros dos Cinco elementos (wu xing 五行).”
(Liji, Livro dos Ritos, capítulo Liyun).
A parte terrestre fixa o humano em
um corpo, em uma forma; estes são os Po. A parte celeste, que se eleva
em direção ao que é sutil e claro, estes são os Hun; mas os Hun
devem ser inspirados pelo Céu, os espíritos, a ordem natural, para não se
tornarem maus, nocivos, pois a claridade seria retirada deles. Pela mesma
razão, os Hun devem sempre dominar os Po.
Os Hun e os Po, ao
longo da vida, se encarregam da vitalidade. A qualidade do que é absorvido por
uns e por outros cria uma animação concreta cuja a potência não se extingue
pela dissociação que a morte opera.
Na separação, na morte, cada
parceiro retoma seu movimento natural: os Hun ganham as alturas dos céus
e os Po saem pelos orifícios (em particular, os inferiores) e recaem em
direção ao solo e na terra. Os Hun resplandecerão nas alturas e os Po
buscarão satisfazer-se nas profundezas. Deste modo, Hun e Po
terão desaparecido, fundindo-se novamente na potência universal a qual se
modelam os seres.
Desta forma, Hun e Po,
que, entre concepção e morte, se combinam para compor uma existência, têm uma
sobrevida.
Os
Hun
Os Hun, cujo movimento é yang,
terão tendem a subir nas alturas. Eles viajam livremente, permitem a imaginação
e os sonhos ou ainda a caminhada extática, a viagem fora do corpo. Eles são sem
forma e não são, por isso, prisioneiros da forma corporal. Eles são associados
aos sopros, eles mesmos sem forma, ligados ao Yang e ao Céu.
Na morte, tentamos ritualmente
lembrar dos Hun do defunto. Depois da morte, eles se tornam, no céu, os
manes gloriosos, os ling hun 靈魂,
venerados no culto dos antepassados.
Durante a vida, eles se elevam em
inteligência, conhecimento, sensibilidade, espiritualidade, imaginação, sonhos
e elucubrações, contemplações… Mas, para fazer isto, é preciso um enraizamento
no Yin, que lhes dão firmeza, impedindo a realização prematura de seu
impulso em direção ao Céu. Deste modo, eles necessitam dos Po para permanecer
presentes em um ser. Sua junção os equilibra e os faz habitar o ser que eles
compõem, estabilizados pelos sopros e o sangue; eles se mantêm os Hun
aos Po e os Po aos Hun, imbricando-se.
A partir dos Han, falamos de Três Hun.
Três evoca os sopros, do qual é o número por excelência. Certas práticas taoístas
utilizarão os três Hun para representar três níveis da vida interior:
espiritual, mental, emocional.
Os
Po
Os Po, cujo movimento é yin,
terão tendem a afundar nas profundezas. Eles estão ligados a isto que tem uma
forma, ao corpo, ao sangue.
Na morte, eles retornam à Terra,
onde eles, decompondo-se e desaparecendo lentamente, vão renovar a potência:
“As carnes e os ossos são enterrados
e se tornam como a terra dos campos.” (Liji, Livro dos Ritos, tradução
Couvreur, II, p, 289).
Se este retorno não se realiza,
porque os ritos não são respeitados, porque a morte foi violenta ou injusta…,
os Po tornam-se fantasmas que assombram os vivos em busca de satisfação.
Durante a vida, os Po são
responsáveis por nossos movimentos vitais, pelas sensações, reações, impulsos
instintivos. O sensitivo, o “vegetativo”, o corporal são de sua obediência. O
enraizamento sólido do Yang, que os sustenta, os completa, os harmoniza,
lhe é necessário. Ele impede seu retorno fatal à Terra, na terra.
A partir dos Han, o número
tradicional dos Po é Sete, número dos orifícios superiores (sensoriais),
das emoções, evocador de desordem potencial que agita a força vital quando ela
não é mais controlada, por exemplo, pelo Yin/Yang e os Cinco elementos
(cujo total é também Sete).
Hun
e Po na medicina
Na medicina, Hun e Po
estão ligados ao Fígado e Pulmão e habitam estes órgãos. Esta associação se
compreende em um primeiro nível como os grandes movimentos opostos de subida e
descida, como o sol que nasce à leste (à esquerda, correspondente ao Fígado) e
se põe ao oeste (à direita, correspondente ao Pulmão); eles são, deste modo, a
expressão do Yin/Yang enquanto dualidade: alto e baixo, sutil e
compacto, Céu e Terra…
As associações aos órgãos colocam
outros aspectos mais específicos à medicina:
O Fígado, pleno de sangue, é a
morada dos Hun pois o Yin fixa sua tendência volátil e o sangue
reforça o contato com os espíritos. Mental, imaginário, sonhos, pensamentos,
emoções… se encontrarão associados facilmente aos Hun, ao Fígado, sob
inspiração do Coração habitado de espíritos.
É assim que o Fígado os entesoura. O
Fígado é um zang masculino, exprimindo a veemência dos efeitos do Yang,
mas que se origina nos Rins (essências e medulas, “água” dos Rins); o Fígado
tem uma natureza profunda yin; ele é o grande entesourador, guardião do
sangue. Este sangue, que já traz a marca do coração e dos espíritos, fará, para
os Hun, uma morada ideal, permitindo a eles um lugar de fixação, como
quando oferecemos um ninho ou um poleiro aos pássaros do Céu. Reciprocamente,
os Hun participam da qualidade espiritual do sangue.
Os Hun são, por analogia
natural, ligados ao que não é substancial no sangue. Mas a substância do sangue
que os retém, agindo como um Yin que fixa o Yang.
O Pulmão, pleno de sopros, oferece
uma possibilidade aos Po de não cair na terra; os sopros são também as
atividades instintivas, os ritmos da vida, a respiração… que não acontecem pelo
fato de termos consciência disto, mas sim porque isto preenche todo o corpo.
É assim que o Pulmão os entesoura. O
Pulmão é um zang feminino; ele recolhe, como o movimento do outono, mas
ele é igualmente o mestre dos sopros, de sua distribuição com suas regulações
cíclicas, os ritmos instintivos da vida. Os sopros são o suporte dos Po,
permitindo a eles se exprimirem animando o ser.
Os Po não estão ligados aos
sopros enquanto Yang celeste, uma vez que eles estão ligados pela
afinidade natural à substância, à forma, por conseguinte, ao líquido sanguíneo.
Mas os sopros são o Yang que os equilibra.
O casal indissociável dos Hun
e dos Po estabelecem a possibilidade de uma vida individual,
personalizada, por suas tensões/oposições como também por sua
complementariedade (Yin/Yang).
Hun e Po não são
exatamente o meu mental, minha consciência, meu espírito, visto que eles
“precedem” meu coração e que eles fazem parte[12]
disto que permite a constituição do Coração, do eu, da pessoa com sua
consciência e a consciência de si. Eles exprimem os espíritos, shen,
agentes do Céu e da ordem natural, na dualidade que me permite ter um corpo
terrestre e um espírito celeste, mas de os ter um no outro, um pelo outro, um
para o outro (como todo casal Yin/Yang); sua separação é mortal; as
desarmonias são prejudiciais. Não há Hun sem Po, nem Po
sem Hun, não há corpo sem espírito que o compenetre, não há espírito
humano sem um corpo à habitar. Senão, é a morte, esta não é a vida presente na
sua expressão sempre dupla, ou melhor, dual, sobre a Terra e em direção ao Céu.
Vontade e propósito (zhi yi
志意)
Vontade e propósito são dependentes
do Coração, do si [do sentimento de identidade], da duração da minha vida, da
minha pessoa (feita da imbricação dos Hun e dos Po). Eles
exprimem o Coração, já constituído com uma consciência, com percepções e uma
capacidade a reagir às tendências, desejos, pensamentos, ideias, intenção,
propensão… e a faculdade de os dirigir e os submeter ou de se submeter. A
imagem do coração (心)
está inserida na composição dos caracteres que os designam.
Vontade e propósito são um par muito
frequentemente empregado fora do contexto médico, como zhi yi 志意
ou como yi zhi 意志.
Mas o par não é tão claramente Yin/Yang, Céu/Terra, como para Hun e
Po.
zhi yi 志意:
Pensamento, espírito. Vontade, propósito, desígnio, determinação. Insistimos
mais sobre a ideia que temos em mente, sob o desígnio que construímos e a
determinação que começa.
yi zhi 意
志: Vontade, intenção. Voluntária;
resoluta, determinada. Insistimos ainda mais sobre a firmeza do propósito, a
determinação, a resolução, a força de vontade.
Vontade e propósito estão ligados
aos Rins e ao Baço; eles são, dessa forma, ligados aos representantes, no ser,
do Céu anterior e do Céu posterior. O Céu anterior é a raiz, a origem, o
enraizamento na origem, o natural; o Céu posterior é a expressão constantemente
atualizada desta origem.
O
propósito
“Àquilo que o Coração se engaja,
chamaremos de propósito” (Lingshu 8).
Quando o Coração “se engaja”, um
pensamento o vem, uma imagem surge, uma lembrança, uma impressão, uma sensação
existe ali; e o Coração emprega acima sua capacidade de consciência. Empregando
essa capacidade de consciência, o Coração é responsável pela maneira como ele
considera isto que chega a ele: aceitar ou recusar, olhar com calma e objetividade
ou conforme os prejuízos e desejos subjacentes...
O propósito não é simplesmente a
representação consciente de uma ideia, é isto que temos no Coração e que funda
o nosso ser, sobre o qual se fundam todas as nossas reações, nossos humores,
nossas tendências, atrações e aversões… É a nossa disposição interior que vai
selecionar e interpretar isto que escapa ao campo da consciência.
O Baço apresenta ao Coração isto que
ele [Baço] extrai da riqueza alimentar para nutrir o Coração de um sangue abundante
e bem composto; através do mesmo movimento, o Baço apresenta ao Coração isto
que ele [Baço] puxa do solo da memória, aquilo que ele [Baço] fornece como
rascunho da forma do pensamento: as ideias, as proposições sobre as quais,
permanecendo na consciência, o pensamento vai trabalhar. O propósito é isto que
vem à mente e que vai ocupá-la. Quando um pensamento se encadeia no outro não é
propriamente o vazio do Coração; é uma instabilidade que não é profícua. Mas
quando uma ideia se fixa na consciência apresenta, assim, um perigo de fechar o
Coração a todas as outras coisas; é a ideia fixa que se transforma em obsessão.
O que temos no coração é muitas vezes o objeto de desejo; deste modo, o
propósito se perverte em desejos que roem e queimam; tanto em um caso quanto no
outro, consomem as essências, destroem o sangue, deixando o Coração cada vez
mais incapaz de reinar à luz dos espíritos. De fato, o propósito é como o
sangue: ele deve circular, sem estagnação, constantemente, para nutrir a vida
sem parcialidade. Que o Coração seja “vazio”, não implica que nada aconteça ou
não aconteça com ele; e sim que tudo é fluído e nada é desejado, preferido,
fora do movimento natural da vida.
O propósito está além da
consciência, visto que é a disposição que vai dar sua orientação à consciência
e ao juízo. O propósito é já uma intenção, uma orientação.
A
vontade
“Que o propósito seja permanente,
chamaremos de vontade”. (Lingshu8)
As disposições ou intenções, que não
estão ainda ancoradas, perduram no ser, tornam-se uma determinação. No momento,
as forças vivas são orientadas pelo Coração, a consciência, em direção a um
objetivo. Este objetivo deve ser fundamentalmente uma “vontade-viva”, aquilo
que empurra em direção a vida desde a origem e que a mantém viva pois permanece
na direção certa. Assim, uma árvore não cresce e resplandece senão se a seiva é
impulsionada, com todas as forças da árvore, de sua raiz em direção ao alto. A
vontade é esta tensão orientada de tudo isto que compõe minha vida. Há
múltiplas expressões, que deveriam sempre, qualquer que seja sua intensidade ou
seu objeto, permanecer fiel a esta orientação primeira. Caso contrário, elas se
voltam contra a vida que as sustentam.
A vontade está ligada a continuidade
do ser; manter uma ideia, avançar em direção a um objetivo, fornecer a tensão
geral e coerência do movimento vital. A vida está sob tensão, assim como tudo
isto que é orgânico. Mas é preferível que esta tensão se exerça na direção
certa. Assim, a “vontade” de um rio, desde a sua fonte, é a de chegar ao mar. A
água de um rio só chega ao mar se ela segue o seu curso natural, ou seja, se
ela permanece fiel à sua própria natureza. A natureza própria da Água é a de
descer, de ir para baixo. Como o mar é mais baixo que todos os rios, a água que
permanece fiel a sua natureza chega sempre ao mar. Os desvios e sinuosidades
que teriam espalhado seu curso não contam mais, pois são apenas o resultado das
circunstâncias da vida; o que importa realmente é que a água seja fiel a sua
origem, que determina sua natureza; ela realiza perfeitamente seu destino
fundindo-se, finalmente, com o mar.
O mesmo vale para o homem: fiel a
sua natureza própria original, contida e expressa pelos Rins, ele leva sua vida
em função das circunstâncias, mas permanecendo fiel a sua natureza própria; sua
vontade é tão perfeitamente justa e perfeitamente potente. Uma vontade que se
desvia da natureza original se torna nociva; quando o Coração aceita manter as
ideias, os propósitos que não lhe convém à manutenção da sua vida, a vontade não
está correta. A vontade é fundamentalmente uma vontade viva; contudo, um
propósito que é um desejo, uma ideia inapropriada, pode desorientar e mesmo o
desenraizar.
Os Rins são a origem e a base da
vida, o fundamento rico e sólido que permite o impulso e o desenvolvimento; sua
potência se exprime nos ossos, sua qualidade nas essências. Eles oferecem uma
morada apropriada à vontade.
A vontade se exprime também em
Cinco; sua unidade de vontade viva, enraizada na essência e a continuidade dos
Rins, se especifica em cinco impulsos fundamentais, que animam os Cinco zang
e formam a raiz das emoções e sentimentos, mas também a raiz do movimento
fundamental de cada órgão.
A
disposição e a orientação interiores
Vontade e propósito sendo anterior a
todo pensamento construído, não se voltam inteiramente à vontade refletida, à
consciência ativa e clara. Eles são os “espíritos” das potências que são
anteriores ao advento do pensamento humano, de todos os sentimentos que animam
o coração do homem, de tudo isso que se formula
em uma vida interior. Eles não são nem isto que a psicologia ocidental
chama de consciência, nem isto que ela chama de inconsciente[13].
Vontade e propósito são a orientação interior que determinam a maneira como
percebemos, compreendemos, reagimos a tudo isso que se apresenta. Propósito e
vontade permitem o desenvolvimento de um pensamento, que se desenrola em função
disto que está em mim como impressão, memória, tendência, sentimentos e mesmo
prejuízos ou preconcepções.
Vontade e propósito representam a
orientação de toda animação a partir de um mental bem construído e inspirado.
Eles são o pivô da distribuição de todos os elementos da vida psíquica, física,
espiritual… sob a responsabilidade do Coração:
“- A falência do corpo e a anemia completa
em que não temos resultado nenhum, a que isso se deve?
-
Os espíritos não operam mais (shen bu shi 神不使).
-
O que se quer dizer por “os espíritos não operam mais”?
-
As agulhas de metal e de pedra representam a Via (dao 道,
o meio de operar). Mas quando as essências e os espíritos (jing shen 精神,
o espírito vital) não podem mais penetrar, quando vontade e propósito (zhi
yi 志意)
não podem dirigir convenientemente (zhi 治)
e o mal não pode mais ser curado. Quando as essências são inexistentes e os
espíritos se foram, nem a reconstrução (nutritiva, ying 營),
nem a defensiva (wei 衛)
podem retornar e serem recuperadas. Como isso? É que desejos e avidez
indefinidamente renovados, acrescidos de medo pusilânime que não se pode parar,
essências e sopros (jing qi 精氣)
se soltam até a ruína, a reconstrução trava e a defesa é arrancada. Assim, os
espíritos nos deixam e a doença não é mais curável.” (Suwen 14).
A orientação correta permite evitar
a desordem no pensamento e sentimentos, e fazer bom uso das percepções e conhecimentos,
de tomar plena e proveitosamente os tratamentos dados pelo acupunturista.
Examinamos sempre as disposições interiores do paciente antes de todo
tratamento:
“Em todo tratamento é preciso
observar se o baixo está em conformidade com os pulsos (zhi yi 志意),
examinar a orientação interior (mai 脈)
assim como as características da doença.” (Suwen 11).
Em alguns casos em que o paciente
não está bem disposto, aconselhamos abster-se da puntura:
“Sendo assim, aquele que vai querer
utilizar as agulhas, que examina atentamente como se apresenta o doente, para
perceber a manutenção ou o desaparecimento das essências e dos espíritos (jing
shen 精神,
espírito vital), os Hun e os Po, e sua disposição (yi 意),
se ela é favorável ou desfavorável. Se os Cinco são afetados, a agulha não os
pode mais tratar.”(Lingshu 8).
Este mesmo acupunturista, quando ele
trata, volta sua vontade e seu propósito em direção ao paciente:
“Quando se puntura, […] a vontade (zhi
志) pacifica, considera-se o paciente,
sem voltar o olhar à esquerda ou à direita.” (Suwen 54).
Pela prática quotidiana, o terapeuta
se retifica cada dia afim de apresentar ao paciente a retidão de seus próprios
sopros, a retidão interior. Uma vontade pacificada não é uma vontade branda; é
a não vontade de outra coisa que não seja a mais correta possível, de estar no
movimento justo da vida em si. O terapeuta pode as vezes ter em mente as
reminiscências necessárias de seus conhecimentos, as informações pelas quais
ele as chama e as conecta, as ideias que surgem nele. Contudo é preciso que
nada disso o perturbe quando ele agir por sua própria concentração, não por uma
ideia ou vontade, mas sim sobre a situação tal como ela se apresenta, com a
capacidade de acolher tudo isso que surge, que faz parte do tratamento.
“Quando se fica em um lugar calmo e
retirado, em que se observa os presságios do caminho e da vinda dos espíritos.
Tendo portas e janelas hermeticamente fechadas, os Hun (hun 魂)
e os Po (po 魄)
não se dissipam; a concentração dos pensamentos (yi 意)
unifica (yi 一
) o poder espiritual (shen神)
para que essências e sopros (jing qi 精氣)
se distribuam conforme seja necessário. Quando nenhum barulho vindo dos homens
toca os ouvidos, o recolhimento das essências próprias se realiza e os
espíritos sendo Um, a vontade (zhi 志)
passa pela agulha com sua mensagem imperativa.” (Lingshu 9).
[1] Esta apresentação
está longe de esgotar seu objeto de estudo e tampouco pretende estudar todas as
facetas da noção de shen
神.
Ela explora simplesmente alguns aspectos que esclarecem seu uso nos grandes
textos de teorias médicas.
[2] Ou Grande comentário
do Livro das Mutações, redigido por volta do século IV e III antes da era
cristã.
[3] Pode certamente
existir conflitos de autoridade. Por exemplo, quando uma tal divindade é
condenada ou banida por um alto funcionário [superior, sênior], como
representante de um culto ilícito. Mas, neste caso, duas ordens do mundo se
opõem, todas as duas naturais: o ancião, cuja a divindade condenada se
prevalece, e o novo instaurado pelos Filhos do Céu, o Imperador, de quem o alto
funcionário retira sua autoridade.
[4] Comentário da Crônica
de Primavera e Outono (Chunqiu), sem dúvida escrita no século V-IV antes da era
cristã, e modificado por volta da era cristã.
[5] Para dizer que os
espíritos provêm do mistério original, lá onde se enraíza o desenvolvimento da
vida. Quando Céu e Terra se constituem, que os sopros Yin e Yang se
entrecruzam, os espíritos estão lá para dirigir todas as operações. “O mistério
profundo (que é original, xuan 玄) produz os espíritos”. (Suwen 5).
[6] O homem tem, por
natureza, isso que o dá acesso ao mistério original, ao Céu. Mas ele deve
seguir a via que o leva – ou retorna – em função das características de sua
natureza própria.
[7] Memórias Históricas
de Sima Qian, obra composta um século antes da era cristã.
[8] Conforme Lingshu8, Os
movimentos do coração: “O savoir-faire é a manutenção da vida”
[9] Chamamos “Céu
anterior” ou “Antes do Céu” o aspecto teórico e constitutivo da realidade e de
cada ser; as forças que presidem a aparição de um ser e que permanecem
ativamente ao longo de sua existência enquanto fundamento e modelo. Chamamos
“Céu posterior” ou “Depois do Céu”, o aspecto experimental e funcional da mesma
realidade, as forças vivas renovadas pelo indivíduo (respiração, alimentação),
todo o adquirido.
[10] Nota do tradutor: a
expressão empregada em francês é: “savoir faire/ savoir vivre”.
[11] É normal que tenhamos
as analogias entre os Cinco shen, a expressão dos espíritos por cinco, e os
Cinco elementos. Mas não seria lícito aplicar mecanicamente aos Cinco shen
todas as regras e ciclos conhecidos pelos Cinco elementos (os ciclos de
dominação ou de engendramento [geração]). Não podemos aplicar mecanicamente
todas as regras dos Cinco elementos senão quando tomamos cada noção, divididas
em Cinco, como representando a qualidade e o movimento dos sopros próprios aos
Cinco elementos; mas assim renunciamos as características próprias destas
noções. Isto vale não apenas para os Cinco espíritos, mas também para os Cinco
sabores, Cinco sopros atmosféricos… É estúpido dizer que o seco domina o vento,
senão quando seco e vento representam o Metal e a Madeira, como é falso dizer
que a umidade engendra a secura ou domina o frio, senão quando eles representam
a Terra, o Metal, e a Água. Quando abordamos esses sopros atmosféricos,
observamos suas relações não somente em função dos Cinco elementos que permitem
classificá-los, mas também em função de suas interações próprias. Ou ainda, a
cólera não engendra a alegria e a tristeza não domina sempre a cólera. Assim,
não podemos dizer, falando de qualidades específicas dos Cinco espíritos, que a
Vontade engendra os Hun ou que os Po dominam os Hun, salvo
para afirmar que os Rins-Água engendram o Fígado-Madeira ou que o Pulmão-Metal
domina o Fígado-Madeira.
[12] Conforme Lingshu 8, Os
Movimentos do Coração.
[13] Conforme René Girard e
o “desconhecimento”.