ALACRIDADE - XI 喜*
Alacridade e a cólera
(xi nu 喜怒 )
A alacridade é tradicionalmente colocada
pareada com a cólera:
“O homem
experiencia uma alegria excessiva (da xi 大喜), ele danifica em si o yang. Experiencia uma violenta cólera (da nu 大怒 ), ele danifica
em si o yin. Quando yin e yang estão os dois danificados, as Quatro estações já
não chegam (em seu tempo), a composição harmoniosa do frio e do calor já não se
realiza, o que por sua vez irá prejudicar o corpo (xing 形) deste homem.
Isto faz com que a alegria e a cólera, no homem, percam o seu lugar (shi wei 失位); faz com que ele seja constantemente sacudido de um lugar a outro, que seus
pensamentos e projetos não cheguem a lugar algum ...”. (Zhuangzi 11)
A alacridade e a cólera representam dois
movimentos opostos, pois a alacridade refresca e a cólera aquece. Estas duas
emoções são então próprias para desorganizar a harmonia yin yang do sopro no
indivíduo. Como o homem participa dos
sopros do cosmos, sua desordem é a desordem da natureza: as Quatro estações estão
desorganizadas, elas que representam o modelo de alternância e da composição
harmoniosa do yin e do yang. A desordem das Quatro estações, no indivíduo, é a
desordem dos seus sopros, a má composição e a má alternância do yin e do yang
no seu organismo e no seu mental.
Este par é retomado nos textos médicos, onde
ela pode representar os desequilíbrios induzidos pelas emoções má geridas, ao
lado dos males causados pelos perversos exteriores (calor e frio) ou de outras
causas como o mau uso da sexualidade:
“Assim então, o 'savoir-faire' é a manutenção da vida.
Não deixar de observar as quatro estações e
de adaptar-se ao frio e ao calor,
harmonizar alacridade e cólera e estar tranquilo
no repouso assim como nas ações,
regular o yin/yang e equilibrar o duro e o
mole.
Deste modo, evitada a chegada dos perversos, haverá
vida longa e visão duradoura. ”(Lingshu 8)
Alguém que, na sua constituição, tem um
domínio do yin ou do yang, terá no seu temperamento, nas suas reações
espontâneas, tendência à alacridade ou à cólera, a estar exaltado e vivo ou a
estar nervoso e irritado:
“Muito yang, é muita alacridade. Muito yin, é muita cólera.” (Lingshu
67)
O yin é colocado aqui em relação com a cólera,
pois se trata de um bloqueio que desencadeia a reação de cólera; enquanto que o
yang é uma expansão plena de vivacidade.
Este par da alacridade e cólera representa
também todas as desordens emocionais, pois estas duas emoções atacam o yin e o
yang, o sangue o os sopros, tudo o que nutre, umidifica e irriga ou tudo o que
anima, aquece e transforma.
“O Céu tem Quatro
estações e Cinco elementos para produzir, fazer crescer, recolher e tesourizar,
para produzir o frio, o calor, o seco, o úmido e o vento. O homem tem Cinco
zang e, por transformações, Cinco sopros, para produzir alacridade, cólera,
tristeza, pesar e medo. Assim então alacridade e cólera prejudicam os sopros,
frio e calor prejudicam o corpo. Cóleras violentas prejudicam o yin,
alacridades violentas prejudicam o yang. Os sopros em refluxo sobem, entopem as circulações vitais (mai) das quais a vitalidade deixa o
corpo. Se alacridade e cólera não são regulados, se frio e calor são excessivos
(intempestivos), a vida não mais é sólida.” (Suwen 5)
No par alacridade e cólera, estamos na
presença de duas emoções “yang”, pois elas correspondem aos elementos ((Madeira
e Fogo) associados às estações yang (primavera e verão) e aos zang ditos
“masculinos” (Fígado e Coração). Tem-se então um par yin yang, no interior do
yang. A alacridade não representa o yin nas emoções, mas unicamente no interior
das emoções que são caracterizadas por um movimento yang dos sopros.
Compreende-se bem como a cólera prejudica o
yin, ela que apressa os sopros em direção ao alto com violência, em um
movimento yang incontrolado, que esvazia o baixo e que danifica o sangue e os
líquidos. Compreende-se com menos facilidade como a alacridade prejudica o
yang.
A alacridade corresponde ao Coração, aos
sopros do Fogo:
“No Céu, é o
calor; sobre a Terra, é o fogo; [...] nos
zang, é o Coração.[...] Nas vontades, é
a alacridade (xi 喜). A alacridade prejudica o Coração.” (Suwen
5)
“Quando as
essências e os sopros anexam (bing 并 )[1] o Coração, há alacridade (xi 喜)” (Suwen 23)
A alacridade patológica, em excesso, deveria
então logicamente ser um excesso de fogo, uma excitação, um aquecimento, que danifica
o yin e infla indevidamente o yang. De fato, isto pode ser encontrado
perfeitamente em caso de alacridade excessiva; mas pode-se preferir acentuar o dano
ao yin.
A razão é sem dúvida dupla. Primeiro porque a
alacridade é antes de tudo um sentimento normal e desejável, que solta e
refresca muito mais que aquece; em seguida por que se o vento é muito forte, que
é o sopro da Madeira desequilibrado, desencadea-se a violência, o calor
excessivo, o sopro do Fogo desequilibrado queima e consome não apenas os
líquidos, mas também os sopros:
“Um fogo potente diminui os sopros, um fogo
leve reforça os sopros;
Um fogo potente se nutre de sopros, os sopros se nutrem de um fogo leve;
Um fogo potente dispersa
os sopros, um fogo leve produz sopros.” (Suwen 5)
A alacridade como
relaxamento dos sopros
A alacridade representa os sopros do Fogo.
Ora, na normalidade, os sopros do Fogo são o que nutre a vida e não o que a
destrói. Olhemos a apresentação do elemento Fogo em um texto do 3º século D.
C.:
“O Fogo é
posicionado no quadrante meridional. No quadrante meridional, o yang está no
alto e os Dez mil seres deixam pender os seus ramos. O Fogo (huo 火) significa também
transformar (hua 化): os sopros yang regulam os afazeres e os Dez mil seres são mudados e
transformados (bian hua 變化). [......] O quadrante
meridional comanda o crescimento e a manutenção (zhang
yang 長養)” (Baihutong, cap. Cinco elementos)
O fogo que mantém a vida não é aquele que
flamba e queima; é aquele que aquece e nutre, como o Coração, enquanto órgão
representando o elemento Fogo, faz circular o sangue para aquecer e nutrir todo
o corpo. O verão, a estação que corresponde ao elemento Fogo, é o período onde
esta função está em seu apogeu, quando os ramos das árvores se curvam sob o
peso dos frutos e a terra carrega as plantações que completaram seu crescimento (o Fogo gera a Terra). O fogo, os
sopros, o yang mantém relações analógicas estreitas; pode-se então associar ao
Fogo a ação dos sopros que, pela transformação que eles operam incessantemente
sobre as essências e todas as substâncias vitais, permitem a evolução e a
maturação dos seres. O Coração, também, permite a maturação e a realização da
vida pessoal. O Fogo é, também, os sopros que circulam por toda parte, se
elevam e se infiltram como uma fumaça, tudo o que permite propagação e
desdobramento. O Coração corresponde a isso comandando as circulações vitais (mai 脈) que distribui regularmente o
sangue e tudo o que mantém a vida.
Assim, uma alacridade que expressa os sopros
equilibrados do Fogo ajuda à circulação do sangue, à difusão dos elementos
nutritivos, às operações dos sopros yang. Por uma circulação sem obstrução de
um sangue rico e fluido, os espíritos se manifestam, os pensamentos e
disposições íntimas são mais facilmente corretos, as ruminações e reavaliações,
os ressentimentos e os temores têm menos conquista sobre nós.
É a apresentação da alacridade que se encontra no capítulo 39 do Suwen:
É a apresentação da alacridade que se encontra no capítulo 39 do Suwen:
“Quando há
alacridade, os sopros se relaxam (huan
緩 ). [............]
Quando há
alacridade, os sopros são bem harmonizados e a vontade (zhi 志) se distribui bem
por toda parte, reconstrução (ou nutrição) e defesa (ying wei 營衛) comunicam e
circulam bem. É assim que os sopros estão relaxados.”
Os sopros se relaxam, pois eles não estão
submetidos a nenhuma tensão indevida;
não há nenhum nó no peito que atrapalharia a distribuição dos sopros yin
(reconstrução) ou yang (defesa); nenhum bloqueio no mental que impediria o bom
funcionamento do espírito.
Entretanto, a alacridade pode se tornar muito
viva, acarretando um desequilíbrio dos sopros, no qual o yang domina o yin, o
fogo queima os líquidos e consome os sopros. O relaxamento dos sopros se torna
então um esgotamento.
A dilapidação só tem um tempo: uma vez que as reservas estejam esgotadas,
fica-se esgotado e despojado; toda a vitalidade foi desperdiçada e os sopros,
no presente, faltam. Um relaxamento completo, uma falta de tônus, por vezes
mesmo o abatimento, o vazio na alma, sucedem frequentemente períodos de
alegrias delirantes.
Não se vê as jovens crianças, quando há uma
festa, entregarem-se de Coração à alegria, e depois cair, esgotados, em uma
apatia e depois em um sono reparador? E que dizer de todos aqueles que se
excitam por conta de um evento esportivo, passando da medida, sem mais
conseguir parar; nutrindo sua excitação, que é cada vez menos alegre e cada vez
mais violenta, por todos os meios: gritos, álcool..., confundindo a aceleração
do ritmo vital com o prazer da alacridade.
A alacridade como
superexcitão e desvio
Pode-se também considerer a alacridade como
um superaquecimento, uma superexcitação. A aceleração da corrente vital, de
sangue e sopros, não mais consegue parar, se conter; ela se embala. O Fogo
muito forte ataca então o Metal, o Pulmão, de acordo com o ciclo de dominação (ciclo
ke ):
“De alacridade e de alegria, os espíritos se
assustam e se dispersam; partindo, não há mais entesouramento” (Lingshu 8)
Muito normalmente, a alacridade provoca uma
expansão, uma exteriorização: de alegria, pula-se, fremissa-se, volta-se aos
outros, fossem estes, mesmo, estrangeiros. Uma grande alegria pode mesmo cortar
o fôlego ou fazer urrar. Não se vê, não se escuta isso todos os dias nos
recintos esportivos?
A doação que se faz de si mesmo ou de suas
riquezas sob o golpe da excitação provocada por uma alacridade viva é raramente
apropriada, refletida, útil: um homem que acaba de ganhar na loteria dará, sem
consciência da incongruência, sapatos a alguém sem pés.
Se a difusão é saudável, a dispersão é
patológica. Neste último caso, o interno se esvazia, há dilapidação em direção
ao exterior. A inconsciência conseguinte à alacridade faz perder toda noção de
perigo ou de simples discrição; nada é guardado ou conservado; mas longe de ser
uma generosidade real, há aí apenas um desperdício vão. As forças da vida, as
essências e os sopros, são pulsadas para fora do corpo. Seguindo-as, os
próprios espíritos, deixados sem suporte e sem eco, se dispersam como pássaros
assustados.
Os espíritos (shen 神) são pássaros no mundo antigo. Eles têm sua
liberdade de vôo. Eles têm também dos pássaros a fragilidade, o aspecto ou assustado
ou amendrotado. Uma excitação viva ou uma dilatação sem limite é como o
cachorro correndo loucamente pelo pátio ou o gato fazendo os pássaros fugirem.
Se tudo é empurrado para fora, como as
essências poderiam continuar entesourizadas no interno? Se as essências já não
são guardadas, como os espíritos poderiam se tonar em mim meus espíritos vitais
(jing shen 精神 palavra por palavra: essências e espíritos)?
Se meus espíritos vitais já
não me guiam, como poderia eu me conduzir de maneira razoável e racional? Isso
não é loucura? Encontra-se um pouco mais à frente, no mesmo capítulo 8 do
Lingshu:
“Quando o Pulmão é
acometido por uma alacridade e uma alegria[2] sem limite, os Po ficam prejudicados. Prejudicados
os Po, o indivíduo perde a razão (kuang
狂 , fica-se louco); nesta perda de razão, o
propósito ignora outrem, a pele se encolhe e se encarquilha. Os pêlos se tornam
quebradiços e aparecem todos os sinais da morte prematura. Morre-se no verão .”
O que desaprovamos na alacridade e na
alegria?
De ser sem fronteira, sem limite. Elas são trabalhadas pelo desejo de
ser sempre mais. Se nada vem opor-se a isso, torna-se um desenvolvimento em
todas as direções e incontrolável. É uma excitação que faz saltar, os pontos de
apoio da vida e dos espíritos se escoam, as bases são arrebatadas pelo
movimento desenfreado em direção ao
exterior, suscitado pela alacridade.
As instâncias
Po, de qual todo o serviço é estritamente definido e ligado às essências, são
levadas para longe de suas tarefas. Nada mais é como deveria ser. O
arrebatamento do yang prejudica estes
Po, associados das essências; os condutos naturais e instintivos da vida são
pervertidos; os condutos normais do ser humano se tornam aberrantes; o yin se
esvazia, as essências se empobrecem.
Os Po ficam loucos à sua maneira de Po, e se
fala de loucura, loucura furiosa (kuang 狂 ), como os Hun se tornam
loucos à sua maneira de Hun, quando a tristeza toma o Fígado[3].
Mas, diferentemente da loucura ligado aos Hun, não se diz da loucura ligada aos
Po que ela se acompanha de esquecimento. Quando se fala de esquecimento,
compreende-se com naturalidade que o indivíduo se escapa a si próprio; a crise
se torna crise de identidade; ela é própria aos Hun, instâncias superiores.
Os Po estando prejudicados transmitem o golpe
recebido ao propósito (yi 意)[4]. O Coração se agita de alacridade e de alegria, suas emoções próprias;
ele se ressente da excitação dos
sopros no Pulmão, ele já não fixa o propósito, não mais vivifica corretamente o
Baço, não reconhece mais o que lhe é bom e conforme. Se o Coração não pára, não
se aplica, não há propósito real, mas sucessões de propósitos inconsistentes e que
são em seguida abortados. O propósito não conseguindo se conservar, não mais há
possibilidade de uma vontade autêntica, de uma orientação sã e sensata das
emoções, do mental. Nem mais pensamento, nem mais reflexão reais se formam. O
propósito incapaz de servir de matriz à vontade e ao pensamento, de reconhecer
e considerar seres e coisas, é um comportamento frenético, onde as relações
humanas são ridicularizadas, onde a
relação com o exterior é desviada moralmente: o propósito ignora outrem, é o
fim das relações que fazem o homem; é o desvario, a loucura.
O Fogo do Coração, muito forte, agride o
Metal do Pulmão (ciclo de dominação), o que propulsa por todos os sopros do
Pulmão. Eles escoam, plenos de calor perverso, até a pele, associada ao Pulmão
que se encolhe e se
encarquilha sob esses jatos de ar chamuscantes.
Morre-se no verão, quando o calor exterior e
a tendência natural da estação à exteriorização vêm encorajar a patologia e
trazem o golpe de misericórdia à falta de entesouramento das essências e dos
sopros no interno.
A loucura desencadeada por uma alacridade
muito forte se encontra no Lingshu, cap. 22:
“Loucura furiosa (kuang 狂): tem-se bastante saudade, tem-se tendência
a ver demônios e espíritos (gui shen 鬼神) e a rir sem emissão ao exterior. Isto se adquire por uma alegria muito
viva (da xi 大喜). Trata-se no Taiyin, Taiyang e Yangming do
pé. Depois no Taiyin, Taiyang e Yangming da mão.”
Uma alacridade viva intensifica o movimento
natural dos sopros do Fogo em direção a elevação e à exteriorização, em direção
à difusão de tal maneira que este movimento já não é equilibrado
suficientemente pelos outros sopros. Os sopros do Coração se dispersam em
direção ao exterior e se tornam incapazes de entesourizar as essências no
interior. Tem-se então uma situação de vazio de sopros do Coração, de ausência
de sopros vitais (jing shen 精神).
“Quando a
alacridade cria um grande vazio, os sopros dos Rins encavalam (cheng 乘, usurpam os do Coração).” (Suwen 19)
O vazio dos sopros do Coração é sentido como
um vazio interior, por exemplo, na região do epigastro, que se deseja preencher
por uma espécie de bulimia. Mas comer muito não é suficiente para recolocar em
ordem o movimento dos sopros, pois nada os guia corretamente em direção ao
Coração. As essências não conseguem renovar corretamente o sangue do Coração e
nutrir os sopros corretos.
A inspiração dos espíritos não mais está
presente no olho, ela que dá iluminação ao Coração e luz à visão, já não se reconhece
então o que se vê. Como é o Coração que está danificado as alucinações tomam a
forma de demônios e espíritos. O olho é particularmente prejudicado por duas
razões: sua relação estreita com o Coração, do qual ele é menssageiro, e sua
posição alta, aonde chegam os sopros que
sobem seguindo o meridiano do Coração[5]. Ora, os sopros que são pulsados para fora do Coração seguem o movimento
do yang em direção ao alto.
Os sopros projetados pelo Coração em direção
à garganta fazem normalmente ressoar aí o riso. Aqui, o riso torna-se rictos,
pois os sopros já não são suficientemente potentes para fazê-lo ressoar.
O tratamento proposto pelo Lingshu cap. 22 se
apóia primeiramente sobre a renovação, pela alimentação, dos sopros do
organismo e, portanto, daqueles do Coração. Trabalhando sobre os meridianos do
Baço e do Estômago, assim como naquele da Bexiga para guiar os líquidos que
nutrem e que refrescam. Depois se trabalha sobre os meridianos do Pulmão, do
Intestino Delgado e do Intestino Grosso para dispersar o calor em excesso no
peito, o Intestino Delgado estando ligado ao Coração e o Intestino Grosso ao
Pulmão[6].
O RISO
O riso xiao
笑 é, de acordo com a
etimologia tradicional, um homem 大 que se curva e pende sua
cabeça para frente 夭, torcendo-se como bambus 竹 = ⺮ chacoalhados pelo vento.
O riso, como a alacridade, é bom ou nocivo. Como ela também, ele depende do Coração:
“Nos zang, é o
Coração. [.....] Nos sons, é o riso” (Suwen 5)
Quando os sopros são conduzidos pelo Fogo, pelo Coração, eles se elevam
no peito e brotam na garganta produzindo o som do riso, da mesma maneira como,
por exemplo, empurrados vivamente pela Madeira, pelo Fígado, os sopros produzem
um grito. Quando os sopros do Coração estão equilibrados, o riso é saudável e
calmo; ele sobe e explode a partir de uma situação de paz e de alacridade
serena, ele relaxa as tensões, particularmente no nível do Coração; ele deixa à
vontade e permite uma melhor comunicação. Mas ele pode também explodir sob a
pressão de uma excitação e de uma agitação incontroladas.
O Suwen, cap. 62 faz do riso irreprimível um
sinal de desequilíbrio dos sopros do Coração:
“O excesso
relativo aos espíritos[7], é um riso irreprimível.”
O Lingshu, cap.8, o denuncia como uma
plenitude patológica dos sopros do Coração, um calor excessivo:
“O Coração entesouriza
as circulações vitais (mai), que são
a habitação dos espíritos. Quando os sopros do Coração estão em estado de
vazio, há tristeza, quando eles estão em estado de plenitude, ri-se sem
conseguir parar (xiao bu xiu 笑不休 ).”
O riso louco incoercível, o riso louco denota
uma situação interna nociva e não
mais a ressonância do bem – estar.
O que nós chamamos de riso amarelo – e que os
Chineses chamam de riso frio (leng xiao
冷笑 ) – é um riso que não expressa a realidade da situação interna. O
Coração está frio, esvaziado de seu calor por um luto que entristece ou por uma
situação que embaraça e torna vergonhoso. Mas se faz boa figura, para não
perder a cara, mostra-se um riso que não pretende enganar, imitar o riso
caloroso; mas um riso que significa: eu mantenho meu coração valente. Toda
pessoa bem educada compreende e não insiste, para não aumentar o embaraço ou
perturbar a situação.
A ALACRIDADE E A
ALEGRIA
O duplo aspecto do
coração
A alacridade forma igualmente um par com a
alegria (le 樂). Acontece da alegria não diferir realmente da alacridade e que as duas
emoções expressem a mesma situação onde os sopros do Coração se escapam sem conseguirem
serem retidos e controlados. É o caso do Lingshu cap. 8 citado previamente.
Mas o mais frequente é a alegria diferir fundamentalmente
da alacridade, mesmo que uma e outra sejam ligadas ao Coração. Elas expressam
perfeitamente então o duplo aspecto do Coração, a alacridade representando o
Coração como um dos Cinco zang, como os sopros do Fogo, e a alegria
representando o Coração soberano, unidade do ser e da consciência, centro de
todos os movimentos de sopros que constituem o físico e o mental.
A etimologia tradicional dos dois caracteres
mostra bem sua diferença:
喜 xi, a alacridade : uma mão bate 士 no couro do tambor 豆 e a boca 口 entoa cantos de alegria: o prazer das festas dos vilarejos, a excitação
dos cantos e das danças ao som frenético do pequeno tambor, a alacridade.
樂 le, a alegria : o grande tambor apoiado num suporte 白 , ladeado por sinos (sinos ou litofones) 么= ⼳, montados sobre uma base de madeira 木; eis a alegria, a música oficial[8], bem programada que, na
Corte, dá ritmo às cerimonias da vida do Império, com força e majestade.
Na alacridade, existe uma excitação, algo
rápido e leve, à semelhança da mão batendo no tambor viva e ritmicamente; o dinamismo
vital irrompe, manifesta-se com a petulância da juventude, sob o impulso de um
sangue vermelho claro.
Há mais calma, lentidão, profundidade e
tranqüilidade, harmonia e vibração orquestrada, na alegria, que é também a
música.
Onde o riso exprime a alacridade,
frequentemente partilhada em grupo, o sorriso é suficiente para comunicar
plenamente a alegria, que é harmonia consigo e harmonia com o cosmos e as
miríades de seres que aí vivem.
Onde a alacridade acelera a circulação do
sangue e sopros, tornando mais fácil e mais agradável nossas sensações internas
e nossas percepções exteriories, a alegria é a serenidade que faz coincidir
nossa vida com a vida do universo. O Coração, mestre das circulações vitais e
sanguíneas (mai 脈) é também nossa capacidade de seguir a ordem natural do Céu em nós, a
abrigar os espíritos (shen 神 ).
A alegria do Céu
A alegria não é uma emoção; ela é um
sentimento profundo que vem do fato que a vida em nós segue seu caminho sem ser
desviada por desejos ou atividades contrárias à nossa natureza própria. A
alegria é o que experimentamos no mais profundo de si, quando se é um com o
Céu, com a ordem do mundo que se expressa no movimento regular dos sopros. Ela
é como a música[9] harmoniosamente composta e executada, quando cada instrumento da
orquestra, dócil à batuta do chefe, toca apenas para a harmonia do conjunto e
vive apenas para ela. Aqueles que não se conduzem assim impedem o desabrochar da
alegria:
“Eles conduzem
seus espíritos a contra – tempo, eles se afobam e enfraquecem seu Coração, eles
vão contracorrente da alegria de viver.
(sheng le 生樂 ).” (Suwen 1)
No lugar de seguir o tempo, os momentos do
tempo e de tocar na sua vez e com os outros, cada um quer exisitir para si
próprio e por si próprio se fazendo escutar. Tal hiperatividade fruto de um ego
que não quer ceder, se opõe à harmonia yin/yang, feita de alternâncias e de
uniões equilibradas. É o oposto da alegria própria à vida.
Aquele que soube renunciar à avidez de viver
desfruta serenamente e plenamente da
alegria da vida que é a alegria ou música do Céu:
“Também se diz de quem tem o conhecimento da Música
(Alegria) do Céu,
A vida é um movimento do Céu; a morte é uma
transformação do ser;
Sua tranquilidade é partilha da virtude do
yin; sua ativação, a irrupção yang.
Quem então conheceu o que é a Música
(Alegria) celeste
Não é exposto nem ao ressentimento do Céu,
nem às contestações dos homens
Nem ao obstáculo das coisas, nem às censuras das
almas Gui.
O ditado o diz bem:
"Nele, a atividade é apenas Céu; a tranquilidade é apenas Terra
"Nele, a atividade é apenas Céu; a tranquilidade é apenas Terra
Seu Coração todo inteiro instalado no
repouso, ele reina sobre o mundo.
As almas Gui não se exaltam, suas almas Hun
não se abatem.
Seu Coração todo inteiro instalado no repouso, os Dez mil seres lhe
permanecem submissos.
Isto é o Coração em repouso estando vazio
Acompanha o movimento próprio do Céu/Terra.
E comunica com os Dez mil seres.
Isto se chama: Música (Alegria) do Céu.
Através dela o Coração do Santo mantém a vida
do mundo.” (Zhuangzi 13)
Alacridade e
alegria, servidores do Coração
A alacridade e a alegria se encontram lado a
lado, no Suwen, cap. 8, para expressar o perfeito funcionamento dos sopros do
peito, a serviço do Coração:
“O Meio do peito (dan zhong 膻中) tem o cargo dos agentes em missão (chen shi 臣使 ); alacridade e alegria (xi le 喜樂) se originam.”
O Meio do peito (Danzhong) é o sítio do mar
dos sopros; aí se unem os sopros que vêm diretamente do Céu pela respiração e
aqueles que vêm da Terra pela transformação dos alimentos. Uma harmonia
yin/yang se realiza então constantemente neste mar, composição harmoniosa que
dá aos sopros sua qualidade e seu ritmo. A harmonia realizada no mar dos sopros
representa a harmonia yin/yang operando em todos os sopros do corpo: sangue e
sopros, reconstrução (ou nutrição) e defesa... O ritmo correto que emana disto
se percebe na regularidade da respiração do Pulmão e àquela dos batimentos do
Coração. Há então um efeito sobre o próprio local, no peito, no Pulmão e no
Coração, e um efeito à distância em todas as circulações, comandadas desde o
peito e percorrendo todo o corpo. Mas a harmonia da composição dos sopros,
colocando a vida no seu ritmo natural, é também a melhor maneira de servir o
Coração, de lhe permitir comandar a vida tal qual ela deve se desenrolar.
Quando os criados servem um mestre tal qual o Coração,
eles não se ocupam apenas do sangue e de sopros, de reconstituição ou de
defesa, de carne e de ossos; eles se ocupam, por estas circulações e graças a
elas, de irradiar a influência dos Espíritos. Não apenas a saúde é boa, a tez
fresca e o olho vivo, mas tem-se no Coração o sentimento de pertencer plenamente
à vida, à sua própria vida: é a alegria (le 樂); aquilo que dá uma espécie de estimulação alegre
(xi 喜) que se repercute em todas
as instâncias (vísceras) e todos os movimentos (circulações de sangue e sopros)
do organismo. Este sentimento, experenciado harmoniosamente por todos os
lugares, reforça a unidade e a coesão do composto humano, é a marca que um
autêntico senhor opera. O prazer de
seguir espontaneamente aquilo que a vida comanda pelo Coração é também um sinal
de autenticidade.
Ausência de
alegria
Contrariamente ao que acontece com todas as
emoções, que se tornam patológicas pelo excesso, não há e não pode haver
patologia pelo excesso de alegria. A patologia que toca a alegria é sempre uma
falta, uma ausência de alegria: bu le
( 不樂 )
A ausência de alegria não é um simples
desprazer; ela é o sinal que a pessoa não está em harmonia com ela mesma, que
ela desenvolve pouco ou mal as potencialidades depositadas nela na origem, e
que em conseqüência ela também já não se integra na harmonia cósmica.
A ausência de alegria é um sintoma, que pode
assinalar um dano no Coração, antes mesmo do aparecimento de qualquer outro
sinal:
“Doença de calor
do Coração: primeiramente está-se sem alegria; depois, após vários dias, há o
calor (febre)...” (Suwen 32)
O dano no Coração, assinalada pela ausência
de alegria, não é unicamente física; ela pode ser mental:
“Quando a demência
(dian ji 癲疾) começa a aparecer, fica-se antes de tudo
sem alegria (bu le 不),a cabeça está pesada e dolorosa, olha-se em direção ao alto e o olho
está vermelho; quando a doença se intensifica e culmina, há indisposição no
Coração (agitação e aquecimento).” (Lingshu
22)
Trata-se de demência (dian 癲), e não de loucura (kuang 狂) como no caso da alacridade, pois o mal começa por
uma fraqueza dos sopros corretos, uma incapacidade do Coração manter seus
sopros na boa ordem. Em conseqüência, uma contracorrente ascendente se instala
e explica os sintomas na cabeça e no olho. A ausência de alegria assinala a
fraqueza do Coração.
A ausência de alegria pode até mesmo, como no
Lingshu cap.24, assinalar a fraqueza do Coração que já não consegue assegurar a
vida e se torna assim o último sintoma na evolução de um mal; após o qual já não
há nada a fazer além de aguardar o desfecho fatal.
[1] Anexar é se encontrar um excesso, sangue e
sopros todos reunidos em um lugar, em vez de se partilharem e de se
distribuirem nos diferentes lugares de suas funções.
[2] Alacridade e alegria (xi le 喜樂) é para serem tomadas aqui com
o sentido único de alacridade. Cf mais à frente estudo da alegria.
[3] Ver a apresentação
da tristeza. Ressalta-se que, no Lingshu cap.8, o dano aos Hun e aos Po se
traduz por uma loucura agitada, conseqüente a uma grande força do yang. No caso
do Fígado, atacado pela tristeza e pela aflição e afetando os Hun, a força do
yang vem do bloqueio e da queima das essências, e o yang volta sua força contra
a vitalidade interna, provocando a morte por retração. No caso do Pulmão atacado
pela alacridade e pela alegria afetando os Po, a força do yang carrega tudo
para o exterior, provocando a morte por inflamar a vida, consumindo-a por todos
os meios. Cf Os Movimentos do Coração, reed. Desclée De Brouwer 2006, p.184 a
196.
De uma maneira geral, toda emoção carrega para fora
de si e faz perder a razão, cada uma à sua maneira.
[4] Para uma explicaçãodo que representa o
propósito, cf Os Movimentos do Coração, opus cité, p.87 à 90.
[5] O Shaoyin da mão, do qual um ramo liga o
Coração ao sistema interno do olho.
[6] Os comentários citam mais frequentemente os
seguintes pontos : Bp.1 & Bp 4 - Be.39, Be.58, Be.61
& Be.63 - E.36 & E.41 - P.9 & P.7 - I.D. 7 & I.D. 8 - IG. 6
& IG. 7.
[7] Os espíritos representam
aqui o Coração, os sopros do Coração. Nao pode haver excesso de espíritos,
quando estes tem o sentido da presença celeste, da inteligência espiritual.
Quando se fala de excesso de espíritos, é necessário compreender um excesso no
calor, o fogo, os sopros do Coração.
[8] Em chinês, o caracter 樂 de pronúncia le significa alegria e de pronuncia yue significa música.
[9] Pois é o mesmo caracter para alegria e música.
* Passagem extraída do Fascículo "As Emoções", editada pela E.E.A.
http://www.elisabeth-rochat.com/docs_fr.html
Tradução de Andrea Jacusiel.
* Passagem extraída do Fascículo "As Emoções", editada pela E.E.A.
http://www.elisabeth-rochat.com/docs_fr.html
Tradução de Andrea Jacusiel.