YONG 永 *
Constante , perpétuo, de longa duração
Perpétua Mutação
O que existe?
O que existe constantemente?**
Nos textos antigos chineses,
as explicações dadas para este caractere tomam a imagem de um rio. Porque o rio
está sempre no mesmo lugar , mas a água muda continuamente. Uma gota d’água
nunca é a mesma gota d’água.
Interessante notar que na
filosofia grega há a mesma reflexão mas, porém, leva à uma direção oposta, leva
ao aspecto efêmero das coisas.
A questão é: qual é a
identidade do rio?
Será que é o mesmo rio,
mesmo em constante mutação?
Ele tem a mesma fonte, ele
tem o mesmo percurso, ele se joga no mar,ele tem água... Então, o que muda? O
que é constante no rio?
É o fluxo continuo que não
muda. É isso que é real.
O que existe é o fluxo, o
movimento de transformação contínua. E é esta transformação contínua que faz
com que o rio nunca seja o mesmo. O rio existe.
Não se pode ver uma gota
d’água. A água é a mesma e não é a mesma. Esse fluxo é a constante do rio. O
que é diferente de dizer que o que é constante é rígido, inflexível.
Continuando com esta imagem,
podemos nos interessar por uma gota. No frio do inverno, uma gota d’água pode
congelar e este pedaço de gelo tem uma identidade particular. Logo chega a
primavera, o gelo derrete e retorna ao fluxo do rio. É a mesma água antes de se
tornar gelo.
A água é uma metáfora do Qi.
O Qi é a transformação perpétua no interior de tudo. O Qi que
não tem definição particular. O Qi que não é o Qi.
O que tem uma potencialidade infinita e indefinida. Que podemos também chamar
de Qi original, sinônimo do Grande Vazio.
Isso é um jeito de falar
daquilo que é indizível.
Podemos ter imagens
diferentes de coisas diferentes. Podemos dizer que Qi existe
antes de qualquer coisa aparecer.
O Qi tem o
movimento de se juntar e nesta concentração se transforma e faz aparecer as
diversas formas de vida. Mas estas formas de vida vão se desfazer um dia e
retornar ao que não tem forma, ao Grande Vazio.
Entendendo isso, podemos
acrescentar outras coisas:
Será que eu sou o gelo?
Eu sou interação entre Yin e
Yang. Algo que existe entre o Céu e a terra.
Mas será que esta interação
que existe, ela é mecânica?
O espírito humano nunca
aceitou esta ideia; será que procuro outra coisa para não ficar louca(o)?
O que define o ser humano é
ter uma consciência. Esta consciência de que sou o resultado de uma interação
que um dia irá se desfazer. Não é fácil de aceitar que somos uma forma de vida
cheia de vitalidade e que um dia irá morrer.
Então, o que fazemos com esta
constatação?
Uma saída é a loucura. A
loucura existiu em todas as épocas das civilizações.
Mas podemos dizer que
existimos também em um não-sentido, numa falta de sentido. Podemos viver desta
forma, aceitar. Existir em um não-sentido. Ou então podemos dizer que temos uma
consciência, e isso quer dizer algo. Mas a partir deste momento, esta
consciência gera uma responsabilidade. Não se trata de uma abordagem religiosa,
embora existam cruzamentos com abordagens religiosas. Se tenho
consciência de ser uma forma de vida no meio das milhões de formas de vida no
universo que, como eu, são formadas de condensação de Qi que
também vão se dissipar, é esta consciência que me diferencia das outras formas
de vida que existem.
Nos textos clássicos esta consciência se chama
o dom do céu. Este dom do céu é a capacidade de compreender, de ter consciência
dos movimentos da vida. Isto é particular ao ser humano: ver o que se passa na
natureza, observar a alternância das estações. E assim tirar as consequências
desta constatação.
Contemplando e estudando
estes movimentos, o espírito humano conseguiu estabelecer modelos e identificar
um tipo de ordem no movimento do Qi. E consideram (pensamento
chinês) estes modelos como uma organização subjacente a todas as formas de
vida.
Por exemplo, observavam o
bambu e o viam nascer e crescer. O bambu nos diz muito sobre o movimento vital.
Como sabemos dizer que o
bambu sabe viver?
A sua circunferência é
sempre a mesma. O bambu conserva a força vital durante todo o seu movimento de
crescimento.
Então, se eu quero conservar
minha força vital, é ideal que eu observe o bambu.
O sábio chinês observa que o
bambu sabe parar. Quando o bambu cresce e chega a um ponto máximo de um
movimento, ao invés de continuar forçando para crescer mais ainda, ele faz um
nó, ele volta para ele mesmo se recuperando e depois relança o crescimento.
O ritmo é fundamental. A
força vem da harmonia. Sem repouso, não posso agir. Então não se pode
concretizar nada sem o repouso.
Mas podemos projetar outras
coisas: o bambu é resistente e o ponto mais difícil de quebrar é onde ele é
vazio dentro. Podemos constatar que a força do bambu vem desta natureza.
O espírito humano observa o
bambu e tira as lições: então eu durmo quando o sol se põe e acordo quando ele
se levanta.
O espírito humano tem a
capacidade de elaboração, mas por quê?
Porque tem uma outra coisa
que é especifica no ser humano e está ligada a sua consciência. Por que ele não
é mecânico, ele não está totalmente na sua vida instintiva. Como sabemos disso?
Olhamos para qualquer
humano, ele destrói sua vitalidade com as paixões, ele se coloca na desordem
dele próprio em relação a ordem que observa da natureza. Vocês já viram algum
animal selvagem morrer de indigestão?
Então me encontro face a um
ser que está implicado neste sistema de comunhão do Qi e dos
sopros, mas que tem a responsabilidade de regular seus próprios sopros de
acordo com a ordem natural. E isso dá um sentido à vida.
Na china antiga, este
sentido não é o mesmo na confucionismo ou no taoismo. No confucionismo, o ser
humano é corresponsável da ordem cósmica, natural, tal qual ela se desenvolve
nele mesmo, na sua família, na sua comunidade assim como no conjunto inteiro do
planeta. O homem é responsável pela forma como a troca de sopro acontece; toda
conduta emite sopros que vai perturbar a ordem natural. Mas isso mostra um lado
grande do homem, ele é um dos três poderes do universo. Mesmo se sua vida
pessoal é limitada ele tem uma grandeza que pode ir além dele, mesmo quando não
se esta mais aqui.
Na china tradicional existe
no culto aos ancestrais a ideia de que o que eu sou atualmente não irá
desaparecer completamente com minha morte. A partir destas constatações vêm
várias crenças. Para Confúcio o que é importante é participar agora da ordem das
coisas.
Para os taoístas, a
realização plena da natureza humana não é simplesmente colocar a ordem no
mundo, da sociedade, etc. Mas incorporar completamente em mim mesma(o) as
transformações vitais tais quais elas se apresentam. Então não estou
preocupada(o) em ser um gelo porque eu tenho consciência de que este gelo é um
estado temporário que um dia irá descongelar. Significa alcançar um nível de
Consciência que vai além da consciência e que me faz estar conectada(o) com a
unidade.
Mas o que é a unidade? É o rio. Eu já sou o rio e serei sempre o rio.
*É a parte à direita do caractere MAI, circulações vitais , pulsos,
sempre
traduzido por « vaso
».Mai : 脈 ou 脉.
E a parte da esquerda , a carne ⽉ = ⾁ .
E a parte da esquerda , a carne ⽉ = ⾁ .
**Transcrição
de trecho da explanação de Elisabeth Rochat sobre “O
Movimento Vital”:
(http://elisabethrochat.blogspot.fr/2017/08/o-movimento-vital-segundo-visao-chinesa.html)
Transcrição
feita por Regina Nakamura
São José
dos Campos, 31 de Julho de 2017