domingo, 15 de novembro de 2015

Algumas Generalidades sobre as Emoções



Elisabeth Rochat de la Vallée

Cada humano possui uma natureza própria (xing ), considerada como boa, dom do Céu, ordem natural do cosmos e lei moral em cada um.
Conferida pelo Céu, que é a ordem natural ele próprio, a natureza própria integra cada um no grande movimento da vida cósmica e o incita a aí permanecer.  Isto não significa que não existam desvios na transmissão genética (mas isto será considerado mais como uma alteração devido à conduta humana ao longo das gerações), ou defeitos que afetam um ser durante a sua formação e até mesmo no seio de sua mãe; desvios e defeitos que podem impedir o Coração de se desenvolver normalmente no indivíduo.  Mas isto significa certamente que um ser humano sempre tem normalmente a possibilidade de ter acesso por si mesmo à ordem natural, apesar das suas falhas e defeitos, se assim foi “concebido”.  Se submeter às incitações desta ordem, ou da natureza própria, reencontrar o Céu em si, é o único meio, o único caminho para não dissipar ou desperdiçar sua vitalidade. Quando os sopros operam corretamente e harmoniosamente, as essências (jing que são a plasticidade e a vitalidade das substâncias) são ricas e abundantes. Então, o jogo das essências e sopros (jing qi 精氣) se desenrola sem estorvo, o que implica que todas as funções vitais se ativam perfeitamente. Este perfeito funcionamento é a presença dos espíritos. É assim que o termo que associa as essências e os espíritos (jing shen  ) designa os espíritos vitais de um homem.
 Mas os desejos suscitados pelos objetos exteriores acarretam reações. É a gênese das emoções:
“O homem possui, por natureza (xing ), sangue-e-sopros (xue qi 血氣) e um Coração que permite o conhecimento (xin zhi 心知).  A aflição como a alegria, a alacridade como a cólera não existe permanentemente nele; estes são movimentos reacionais às incitações dos objetos. É então aí que intervém a arte do Coração (xin shu 心術). ” (Liji, Yueji)
As emoções se desencadeiam então em função de um objeto ou de um evento exterior e daquilo que ele induz como reação imediata: atração ou repulsa, amor ou medo que se modulam em múltiplas possibilidades tais quais alegria, cólera, medo, tristeza, arrogância, inveja... etc. Mas a reação à alguma coisa depende também das disposições naturais, da natureza própria de cada um assim como da maneira pela qual – no instante desta reação – somos fiéis à esta natureza – e portanto à ordem natural.  A natureza da reação mostra se o desejo que ocupa o Coração está em direção ao que permite o desabrochamento da vida ou em direção ao que lhe contravém.
Daí as variações de sentidos do caracter mais habitual para designar as emoções(qing ): disposições naturais, tendências, emoções, paixões. 
Se os desejos estão conformes à ordem natural, se as reações são apropriadas, então nos governamos como devido (zhi ), não existe desordem (luan ). Isto é seguir a boa ordem, seguir o natural e sua natureza própria, em função das circunstâncias; é realizar seu destino (ming )[1].
A arte do Coração (xin shu 心術) permite as reações apropriadas para a diminuição dos desejos que acarretam o “fora de si”.
O Coração é a vida afetiva, emocional, intelectual, mental, espiritual; tudo aquilo que acontece em mim e pelo qual eu tenho o sentimento de existir.
Meu Coração é então, eu, a unidade misteriosa e composta que sou eu; a unidade daquilo que vive, que é e que se faz; aquilo que eu sou, como eu sou, como eu vivo.
O Coração é o centro (zhong )[2] : ele recolhe todas as informações, conhecimentos, sensações, percepções, que vêm da periferia por intermédio dos órgãos dos sentidos (os orifícios da face), ou que sobem da memória ... Ele é também o centro de emissão das reações, dos sopros. O Coração de um homem é aquilo que permite ao ser humano assegurar e assumir seu destino, de ter um agir baseado em um conhecimento real, que é um savoir-faire (saber-fazer), uma sabedoria (zhi ).  Se não, é a desordem, a doença, a morte prematura.
As reações do Coração dependem das suas disposições interiores: ideias, tendências, preconceitos, emoções... tudo aquilo que encontra um lugar em mim. E antes de tudo elas dependem daquilo que faz com que tais ideias ou emoções encontrem um lugar em mim, da disposição profunda do Coração, da maneira pela qual ele se orienta no seu mais íntimo, aquilo que chamamos frequentemente de propósito ou intenção (yi ). É uma experiência comum que não reagimos da mesma maneira às mesmas palavras vindas de alguém que amamos e de alguém que não amamos. Se estivermos alegres, não seremos afetados da mesma maneira que quando estamos tristes ou em cólera. Assim, a disposição do Coração (que nós tenhamos ou não consciência de qual seja ela) afeta todas as nossas reações.
Algumas citações do Huainan zi, capítulo 11, ilustram esta visão das emoções:
 “Alacridade e cólera, aflição e alegria são reações espontâneas; os soluços brotam à boca e as lágrimas saem dos olhos: manifestações exteriores do violento sentimento vivenciado no Centro. Exatamente como a água que escoa em direção ao baixo ou a fumaça que procura se elevar. Existe alguém para incitá-los? Vós forçais a chorar: apesar do mal que vós suportais vós não ireis afligir ninguém. Vós forçais a amabilidade: apesar de vossa jovialidade, não há simpatia verdadeira. Pois os sentimentos provêm do Centro e estes barulhos são apenas a ressonância no exterior. ”
“A água agitada se levanta em ondas, os sopros em desordem criam a confusão na consciência, confusão que impede uma administração correta tanto quanto as ondas impedem a água de servir de nível. ”
“Frente a alguém que canta, se estamos tristes, choramos e, frente a alguém que soluça, se estamos na alegria, rimos. A aflição nos torna alegre ou a alegria triste, de acordo com o humor. Oras, pois, consideremos o vazio. ”
A calma e a quietude, a arte do Coração não é a negação dos movimentos e reações que faz a vida, é sua análise justa, a moderação que afasta os transbordamentos e os arrebatamentos, é o perpétuo restabelecimento de um equilíbrio feito de sopros e sangue, de carne e de ossos, de sentimentos e de pensamentos… 
As emoções são percebidas como movimentos de sopros, cada emoção sendo uma qualidade, uma atividade específica particular do sopro. Na época clássica, analisa-se, distingue-se, classifica-se os movimentos do sopro com a ajuda da doutrina dita Yin/Yang e Cinco elementos.
Cada órgão está então ligado a um sentimento, uma emoção, que é fundamentalmente a expressão do movimento do sopro próprio a um dos Cinco elementos.  Partindo das profundezas do órgão, este movimento de sopro interessa a tudo que se encontra sob sua maestria no ser humano.
Assim o Fígado dá o impulso e desencadeia as subidas como faz a Madeira; o movimento de sopro chamado nu  é primeiramente um impulso impetuoso que permite se elevar.  A excitação deste movimento, do Fígado (ou da Madeira), o transforma em cólera, que nada mais é que o excesso. As Cinco vontades (wu zhi 五志), propensões e tensões profundas da vitalidade, se tornam as Sete emoções (qi qing 七情), desordem no movimento regular de sopros que faz viver.
Se os Cinco órgãos se colocam sob a dependência do Coração e conseguem aí se manter, não há transbordamento.  O Coração os inspira cada um “no Coração”, pela presença pressentida dos espíritos. É o que chamamos dos Cinco espíritos (wu shen 五神), a expressão quíntupla dos espíritos em um humano.
Quando um órgão perde seu enraizamento nos espíritos, estes sopros já não asseguram o movimento justo e perturbam o funcionamento psicológico e fisiológico. O Suwen, capítulo 39, dá uma boa visão geral destas perturbações:

“Quando há cólera, os sopros sobem.
Quando há alacridade, os sopros relaxam.
Quando há tristeza, os sopros desaparecem.
Quando há medo, os sopros descem.
Quando há frio, os sopros estão recolhidos.
Quando há calor, os sopros escoam para fora.
Quando há estremecimento de pavor, os sopros se desordenam.
Quando há cansaço, os sopros estão deteriorados.
Quando há pensamento obsessivo, os sopros dão um nó. ”

Todos os níveis do ser se comunicam: uma perturbação emocional terá repercussões fisiológicas (nos domínios regidos pelo órgão responsável pela emoção, assim como nos domínios regidos por órgãos desequilibrados por esta desordem). Inversamente, um movimento de sopros, desviado, acarreta perturbações fisiológicas, mas também um estado emocional. Este pode ser apenas passageiro, reflexo do estado dos sopros e de seus movimentos neste período; ou pode vir do fato que um órgão está perturbado até a mais completa desordem e, portanto, já não tem maestria sobre seu movimento de sopro, não mais participa na composição harmoniosa do centro, ao equilíbrio da psicologia do mental.

[1] Chamamos «destino» a vida individual tal qual ela se desenrola em conformidade com sua origem natural/celeste.  Realizar seu destino é viver em harmonia com o cosmos, permanecer integrado à harmonia do universo. Agir assim traz o desenvolvimento mais completo dos seus dons naturais como a saúde mais perfeita possível.  
[2] O centro é aquilo que harmoniza; é a harmoniosa composição de todos os elementos. Centro e harmonização vão em par:zhong he 中和 : «Enquanto o prazer (xi ), cólera (nu ), tristeza (ai ) e alegria (le ) não são manifestadas, é o Meio (zhong ). Quando eles se manifestam sem ultrapassar a medida justa, é a harmonia (he ). O Meio é o grande fundamento (da ben 大本) do universo (Céu-Terra, tian di 天地), a harmonia é o Caminho universal (da dao 達道). Que o Meio e a harmonia sejam levados à sua realização, e o Céu-Terra encontrará seu ligar e os Dez mil seres seus recursos.»  (Zhongyong, Traduction Anne Cheng, História do Pensamento Chinês, p.171)
  
DIFERENTES LISTAS PARA AS EMOÇÕES

Seja em textos de sabedoria ou em livros médicos, tanto na lista das Sete emoções (qi qing 七情) quanto na das Cinco tendências profundas (wu zhi 五志) encontram-se algumas variações. Elas são sem importância, pois se trata sempre de evocar cinco qualidades dos sopros ou ainda três pares de emoções ou disposições completadas por um termo geral que as engloba.
Assim, encontra-se com freqüência, a seguinte série[1]: Alacridade (xi  ) - cólera (nu ) – aflição (ai  ) – temor (ju  ) – atração (hao  ) – aversão (wu  ) - desejo (yu  ).
Com a variante: Alacridade (xi  ) - cólera (nu  ) - opressão (you  ) – temor (ju  ) – atração (hao  ) - aversão (wu  ) - desejo (yu  ).
Aflição e temor, ou opressão e temor representam um par de emoções no yin, como alacridade e cólera o fazem no yang[2]. Atração e aversão representam tudo o que se gosta e tudo o que se detesta, aquilo a que se tende em direção à e aquilo que se evita. Os desejos recapitulam e cobrem o conjunto.
As séries por cinco, por vezes chamadas as Cinco emoções (wu qing 五情 ) mencionam frequentemente a alacridade (xi  ), cólera (nu  ), aflição (ai  ), alegria (le  ) e rancor (yuan  ).
As séries por seis, Seis emoções (liu qing 六情 ), são por exemplo, atração (hao  ) e aversão (wu  ), alacridade (xi ) e cólera (nu ), aflição (ai ) e alegria (le )[3].
Os Budistas preferem com freqüência enunciar as paixões como: Alacridade (xi  ) - cólera (nu  ) - aflição (ai  ) - alegria (le  ) – atração (hao  ) - ódio (hen  ) - desejo (yu  [4]).
O Budismo enuncia também uma série de Cinco paixões (wu qing 五情) que são os desregramentos dos Cinco órgãos dos sentidos, as percepções e sensações que passam por eles se degeneram em cobiça e desviosPodem-se acrescentar os maus hábitos de compreensão para compor a lista das Seis paixões (liu qing 六情 ).

 A lista que com mais frequência é mantida na medicina é a seguinte:
Alacridade (xi  ) - cólera (nu  ) – opressão (you ) – pensamento obsessivo (si ) - tristeza (bei ) - medo (kong  ) – tremores convulsivos ou pavor (jing ).
No Lingshu 8, encontramos Sete pares de caracteres para resumir todas as emoções que levam o ser à sua perda: Apreensão e ansiedade (chu ti 怵惕 ) – pensamentos obsessivos e preocupações (si lü 思慮 ) – tristeza e aflição (bei ai 悲哀 ) – alacridade e alegria (xi le 喜樂 ) – pesar e opressão ( chou you 愁憂 ) – cólera crescente (sheng nu 盛怒 ) – medo e temor (kong ju 恐懼 ).
Mas o mais freqüente são séries de cinco que nos sãos propostas. Elas apresentam diversas variações, apenas no Suwen:
Suwen 5 (1ª parte) : Alacridade (xi  ) - cólera (nu  ) - tristeza (bei  ) - opressão (you  ) - medo (kong  ).
Suwen 5 (2ª parte) : Alacridade (xi  ) - cólera (nu  ) – pensamento obsessivo (si  ) - opressão (you  ) - medo (kong  ).
Suwen 19: Opressão (you ) - medo (kong ) - tristeza (bei ) - alacridade (xi )- cólera (nu  ).
Suwen 23: Alacridade (xi  ) - tristeza (bei  ) - opressão (you  )[5] - inquietude (wei  ) - medo (kong  ).
O Suwen 39 apresenta os Nove sopros que danificam o equilíbrio da vida. Ao lado do par frio e calor (han re 寒熱 ) que representa todas as agressões exógenas, sete sopros dão conta dos desequilíbrios que se iniciam no interior do corpo, por uma má conduta de vida: Alacridade (xi  ) - cólera (nu  ) - tristeza (bei ) – pensamento obsessivo (si ) - medo (kong ) – sobressaltos convulsivos (jing ) - desgaste (lao ).
Percebe-se o equilíbrio entre o pensamento obsessivo (si ) e o pesar oppressivo (you ) de um lado, entre a tristeza (bei ) e pesar oppressivo (you  ) do outro. Quando se tem as Sete emoções, a lista inclui frequentemente os dois.
Percebe-se igualmente que o pensamento obsessivo (si ) pode ser substituído pela inquietude (wei ), apreensão, temor respeitoso; o que se aproxima dos enunciados do Lingshu, cap. 8.



[1] Por ex. em Liji, cap. Liyun.
[2] cf p.12 estudo do par alacridade e cólera.
[3] No Chunqiu Zuozhuan, Duc Zhao 25o ano. O Baihutong, juan 8 dá mais ou menos a mesma lista, substituindo a atração (hao  ) pelo amor (ai  ).
[4] Caracter quase equivalente ao caracter mais habitual para o desejo: yu . Frequentemente ele é preferido no Budismo, pois dá ênfase sobre o fogo da paixão.
 [5] Portanto aqui em ligação com o Fígado.



Passagem do Fascículo “ As Emoções”, publicado pela E.E.A


Tradução : Andrea Jacusei

MENCIUS II;V, I- 4

MENCIUS II A - Trad. André Lévy A vontade ( zhi  志 ) comanda os sopros ( qi zhi shi  氣之師 ) que preenchem nosso corpo ( ti zhi  chong 體之充 )...