sábado, 13 de junho de 2020

Calor do Pulmão


Assim quando o Pulmão está quente e suas folhas queimadas, pele e pelos se esvaziam e se enfraquecem, se apertam e empobrecem; persistindo, isto gera as impotências ou o mancar.

肺熱 . 則皮 . .
Gù fèi rè yè jiā o . Zé pí máo xū ruò . Jí bó zhù zé shē ng wě i bì yě .




Elisabeth Rochat de la Vallée


Tradução: Mariana C. T. Scarpa


O PULMÃO ENCABEÇA


            Várias razões explicam que a exposição às impotências começa pela exposição do Pulmão[i].
            O Pulmão é o mestre dos sopros em todo o organismo. Por isso, as impotências estão ligadas, na sua etiologia, aos sopros, lesadas por um excesso de yang. O Pulmão será sensível, por primeiro, “como o principal” [afetado] por uma perturbação dos sopros.
            A excitação do yang desregula os sopros; o Pulmão se torna incapaz de manter o ritmo normal das idas e vindas dos sopros no organismo (no qual a respiração é o aspecto mais imediatamente perceptível), inapto a regular os Cem MAI que ele recebe em audiência matinal (conforme o Suwen, capítulo 21).
            O Pulmão é particularmente sensível ao calor de secura extrema que, destruindo os vapores úmidos em que ele permanece impregnado e re-impregnado, o torna incapaz de manter seu equilíbrio yin/yang, líquidos/sopros. Não sendo mais fixado e equilibrado pela presença úmida nas folhas do Pulmão, os sopros se excitam, entram em desacordo e o Pulmão se enfraquece pela perda de seu bom funcionamento.
            O Pulmão, em contato direto com o exterior pela respiração, é facilmente afetado por um ambiente seco e quente.
            O Pulmão sendo o mais superiormente situado dos Cinco zang recebe, naturalmente, os efeitos perversos da subida pela inflamação de um calor interno excessivo.
            Todos os zang sendo beneficiados pelo Pulmão [por meio da] qualidade de seus sopros, de sua rítmica, que é função do equilíbrio aquecimento/resfriamento[ii], [quando há] uma perturbação do Pulmão, ela é sentida nos diferentes zang, nos quais os sopros vão também se alarmar, se excitar, superaquecer.

OS SINAIS DE DANO PULMONAR SE VEEM NA PELE

            A pele está seca, sem lubrificação; os pelos estão secos e quebradiços. Há enfraquecimento dos movimentos e das circulações que veiculam a irrigação e a umidificação; há empobrecimento da nutrição no local. Pele-e-pelos carecem das coisas necessárias a sua manutenção, estão na penúria, se apertam, miseravelmente (ji bo 急薄).
            O mecanismo é facilmente explicável:
            “O Pulmão está na dependência do metal. Assim quando o Pulmão está quente, o metal está seco (zao ) e suas folhas queimam.
            O Pulmão tem domínio sobre pele-e-pelos. Assim, quando o Pulmão está quente e suas folhas queimam, pele-e-pelos estão vazios, enfraquecidos, empobrecidos.
            Quando os alimentos sólidos entram no Estômago, os humores carregados de essências (que se desprendem dele, jing ye 精液) são transmitidos (zhuan ) ao Pulmão. O Pulmão recebe em audiência matinal os Cem mai, transmite e transporta as essências à pele e aos pelos, pelos e mai reúnem suas essências, fazem circular os sopros aos zang e aos fu[iii]. As essências e os Espíritos (espíritos vitais, jing shen 精神), os sopros e o sangue (qi xue 氣血) que são produzidos (sheng ) pelos Cinco zang, a pele, as carnes, os músculos e os ossos que estão sob o domínio dos Cinco zang, tudo isso é mantido e fornece (um material de base para a reconstrução) pelos humores carregados de essência (jing ye 精液) que são transmitidas e propagadas pelo Pulmão. Desta forma, quando as camadas da pele são empobrecidas, é que os humores carregados de essências não são mais transportados” (Zhang Zhicong).
            Quando o calor invade o Pulmão, os líquidos são afetados. No interior, há perda do qing su (清肅) e no exterior, há perda da propagação que permite a umidificação e a lubrificação.
            Sensível a dominação excessiva do metal pelo fogo, diremos que o fogo vem se sobrepor ao metal. A expansão, própria ao movimento do fogo, faz propagar em direção ao exterior os jatos de calor de secura, que o metal é incapaz de reter ou controlar.

O DANO PROGRIDE E SE COMPLICAM AS PERNAS

            Se o Pulmão não se livra do seu calor perverso, o mau vai progredir e atingir as pernas.
            O mecanismo joga sempre sobre o empobrecimento dos líquidos corporais ricos em essência pelo calor intenso, bem como sobre a incapacidade crescente do Pulmão de preservar os líquidos e  descê-los em direção ao baixo (perda do qing su 清肅).
            Se secura e calor se agarram ao Pulmão e permanecem nele, sem serem expulsos, assim o yin do Pulmão é atingido e, no interno, há perda do qingsu (清肅), isto faz com que os líquidos corporais (jing ye 津液) não sejam produzidos por transformação. As articulações (guan jie 關節) e as redes de animação responsáveis pela força muscular (jin mai 筋脈) são privadas disto que as irriga, umidifica, mantém e nutre. Donde os wei bi (痿躄) onde os membros inferiores se encontram fora de uso.
            Articulações e músculos não recebem mais embebição líquida necessária a seus funcionamentos. O dano se percebe primeiramente no baixo do corpo, nas extremidades dos membros inferiores, pois a contracorrente ascendente do calor faz com que estas zonas sejam as primeiras a serem desertadas pela renovação em essências líquidas.
            A transmissão da doença não se faz mais pela periferia, no setor da pele e dos pelos, mas na parte inferior do corpo, no domínio da água e dos Rins. Podemos dizer que a doença da mãe (metal, Pulmão) se transmitiu ao filho (água, Rins). Os Rins se tornam incapazes de fornecer [os líquidos] às medulas e essências, ossos e articulações, particularmente dos membros inferiores[iv]. O Pulmão não faz descer mais os líquidos em direção ao aquecedor inferior. É isto a perversão do ciclo de [geração/] engendramento. Assim, os ossos das pernas não podem sustentar o corpo, os músculos das pernas não podem mais se esticar e se mover: é a impotência nas pernas (wei ), caracterizada pelo mancar e pela dificuldade de caminhar (bi ).
            “O Pulmão é a mãe e os Rins são os filhos. Se os Rins recebem os sopros quentes, os membros inferiores se crispam e não podem mais se estender; donde [vem] as impotências nas pernas (wei bi 痿躄) (Ma Shi).
            Mas é o conjunto dos zang que, de acordo com alguns, pode ser afetado pelo calor do Pulmão:
            “Quando as camadas da pele são empobrecidas e isso continua, então os humores carregados de essências (jing ye 精液) não são mais transmitidos e transportados e os Cinco zang possuem o calor, donde [advém] a aparição destas impotências em que não se pode mais caminhar (wei bi)” (Zhang Zhicong).
            Podemos (seguindo certas interpretações) considerar que essas impotências (wei bi) não concernem somente as pernas, mas podem englobar os Quatro membros. Compreendemos, assim, que os zang, no seu conjunto, recebem os efeitos perversos do calor do Pulmão e são, portanto, incapazes de colaborar para manter a mobilidade dos membros.
            Trata-se de uma extensão dos sentidos, [em que] o caractere bi () [se encontra] significando normalmente uma incapacidade a caminhar corretamente com suas duas pernas[v]. Ou ainda, trata-se de uma interpretação que reserva na expressão wei bi (痿躄), a impotência (wei ) para [designar] a incapacidade dos membros superiores e o mancar (bi ) para [designar] aquela dos membros inferiores[vi].
            Assinalemos as variantes do Taisu:
            - No lugar de “calor do Pulmão” (fei re 肺熱) ele coloca: Os sopros do Pulmão aquecem, são quentes (fei qi re 肺氣熱), criando assim um paralelismo absoluto com a apresentação dos quatro outros zang (variante já presente no Jiayijing). Ele suprime a ruptura do paralelismo que existe no Suwen 44.
            Evitando a expressão “sopros do Pulmão” (fei re 肺熱), o Tratado das Impotências marca que os sopros do Pulmão são de fato os sopros do mar de sopros do peito e, mais amplamente, do organismo todo.
            - No lugar de impotências desencadeando o mancar (wei bi 痿躄), o Taisu coloca: as impotências que o tormenta, ou ainda, as impotências que o exclui (wei bi ou pi ); o sentido das duas expressões é, entretanto, o mesmo.




[i]       Notaremos que, muito comumente, quando as impotências são de origem interna, expomos primeiro a patologia dos zang, ao passo que nos bloqueios de função (bi ), a ordem da exposição seria ritmada pelas estações.
[ii]    A função qing su (清肅) do Pulmão dá conta deste equilíbrio: há um arrefecimento (qing ) constante nas folhas do Pulmão, o que permite evitar o excesso de calor e de se manter claro-e-puro (qing). Ao mesmo tempo, os vapores líquidos são renovados e o ritmo dos sopros conservado; a propagação dos elementos essenciais assim como a descida dos líquidos pelo tronco são assegurados.
[iii]     Conforme Suwen, capítulo 21: “Os sopros dos alimentos sólidos penetram pelo Estômago; os sopros turvos (quer dizer, de origem alimentar) se reportam ao Coração, há impregnação das essências nas circulações vitais (mai). Os sopros das mai se escoam pelos meridianos (jing ); os sopros dos meridianos se reportam ao Pulmão. O Pulmão recebe em audiência matinal os Cem mai; ele transporta as essências à pele e aos pelos; pelos e mai reúnem suas essências; há circulação dos sopros para o armazém...”.
[iv]    Conforme Lingshu, capítulo 36... etc.
[v]     Conforme Shiji, Liji, Chunqiu...
[vi]    Esta é a interpretação de Wu: shou wei zu bi 手痿足躄.





ZHUANGZI ch. 5 - Trad. Jean Lévi

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