Assim quando o Pulmão está quente e suas folhas queimadas,
pele e pelos se esvaziam e se enfraquecem, se apertam e empobrecem;
persistindo, isto gera as impotências ou o mancar.
故 肺熱 葉 焦. 則皮 毛 虛 弱.急 薄 著 則 生 痿 躄 也.
Gù fèi rè yè jiā o . Zé pí máo xū ruò . Jí bó zhù zé shē ng
wě i bì yě .
Elisabeth Rochat de la Vallée
Tradução: Mariana C. T. Scarpa
O PULMÃO ENCABEÇA
Várias
razões explicam que a exposição às impotências começa pela exposição do Pulmão[i].
O
Pulmão é o mestre dos sopros em todo o organismo. Por isso, as impotências
estão ligadas, na sua etiologia, aos sopros, lesadas por um excesso de yang. O Pulmão
será sensível, por primeiro, “como o principal” [afetado] por uma perturbação
dos sopros.
A
excitação do yang desregula os sopros; o Pulmão se torna incapaz de manter o
ritmo normal das idas e vindas dos sopros no organismo (no qual a respiração é o
aspecto mais imediatamente perceptível), inapto a regular os Cem MAI que ele
recebe em audiência matinal (conforme o Suwen, capítulo 21).
O
Pulmão é particularmente sensível ao calor de secura extrema que, destruindo os
vapores úmidos em que ele permanece impregnado e re-impregnado, o torna incapaz
de manter seu equilíbrio yin/yang, líquidos/sopros. Não sendo mais fixado e
equilibrado pela presença úmida nas folhas do Pulmão, os sopros se excitam,
entram em desacordo e o Pulmão se enfraquece pela perda de seu bom
funcionamento.
O
Pulmão, em contato direto com o exterior pela respiração, é facilmente afetado
por um ambiente seco e quente.
O
Pulmão sendo o mais superiormente situado dos Cinco zang recebe, naturalmente,
os efeitos perversos da subida pela inflamação de um calor interno excessivo.
Todos
os zang sendo beneficiados pelo Pulmão [por meio da] qualidade de seus sopros,
de sua rítmica, que é função do equilíbrio aquecimento/resfriamento[ii],
[quando há] uma perturbação do Pulmão, ela é sentida nos diferentes zang, nos
quais os sopros vão também se alarmar, se excitar, superaquecer.
OS SINAIS DE DANO
PULMONAR SE VEEM NA PELE
A
pele está seca, sem lubrificação; os pelos estão secos e quebradiços. Há
enfraquecimento dos movimentos e das circulações que veiculam a irrigação e a
umidificação; há empobrecimento da nutrição no local. Pele-e-pelos carecem das
coisas necessárias a sua manutenção, estão na penúria, se apertam,
miseravelmente (ji bo 急薄).
O
mecanismo é facilmente explicável:
“O
Pulmão está na dependência do metal. Assim quando o Pulmão está quente, o metal
está seco (zao 燥) e suas folhas queimam.
O
Pulmão tem domínio sobre pele-e-pelos. Assim, quando o Pulmão está quente e
suas folhas queimam, pele-e-pelos estão vazios, enfraquecidos, empobrecidos.
Quando
os alimentos sólidos entram no Estômago, os humores carregados de essências
(que se desprendem dele, jing ye 精液) são
transmitidos (zhuan 傳) ao Pulmão. O Pulmão recebe em audiência
matinal os Cem mai, transmite e transporta as essências à
pele e aos pelos, pelos e mai reúnem suas essências, fazem circular os sopros
aos zang e aos fu[iii].
As essências e os Espíritos (espíritos vitais, jing shen 精神), os sopros e o
sangue (qi xue 氣血) que são produzidos (sheng 生) pelos Cinco zang,
a pele, as carnes, os músculos e os ossos que estão sob o domínio dos Cinco
zang, tudo isso é mantido e fornece (um material de base para a reconstrução)
pelos humores carregados de essência (jing ye 精液) que são
transmitidas e propagadas pelo Pulmão. Desta forma,
quando as camadas da pele são empobrecidas, é que os humores carregados de
essências não são mais transportados” (Zhang Zhicong).
Quando
o calor invade o Pulmão, os líquidos são afetados. No interior, há perda do qing
su (清肅)
e no exterior, há perda da propagação
que permite a umidificação e a lubrificação.
Sensível
a dominação excessiva do metal pelo fogo, diremos que o fogo vem se sobrepor ao
metal. A expansão, própria ao movimento do fogo, faz propagar em direção ao
exterior os jatos de calor de secura, que o metal é incapaz de reter ou
controlar.
O DANO PROGRIDE E SE COMPLICAM AS
PERNAS
Se
o Pulmão não se livra do seu calor perverso, o mau vai progredir e atingir as
pernas.
O
mecanismo joga sempre sobre o empobrecimento dos líquidos corporais ricos em
essência pelo calor intenso, bem como sobre a incapacidade crescente do Pulmão
de preservar os líquidos e descê-los em
direção ao baixo (perda do qing su 清肅).
Se
secura e calor se agarram ao Pulmão e permanecem nele, sem serem expulsos,
assim o yin do Pulmão é atingido e, no interno, há perda do qingsu (清肅), isto faz com que
os líquidos corporais (jing ye 津液) não
sejam produzidos por transformação. As articulações (guan jie 關節) e as redes de
animação responsáveis pela força
muscular (jin mai 筋脈) são privadas disto que as irriga,
umidifica, mantém e nutre. Donde os wei bi (痿躄) onde os membros
inferiores se encontram fora de uso.
Articulações
e músculos não recebem mais embebição líquida necessária a seus funcionamentos.
O dano se percebe primeiramente no baixo do corpo, nas extremidades dos membros
inferiores, pois a contracorrente ascendente do calor faz com que estas zonas
sejam as primeiras a serem desertadas pela renovação em essências líquidas.
A
transmissão da doença não se faz mais pela periferia, no setor da pele e dos
pelos, mas na parte inferior do corpo, no domínio da água e dos Rins. Podemos
dizer que a doença da mãe (metal, Pulmão) se transmitiu ao filho (água, Rins).
Os Rins se tornam incapazes de fornecer [os líquidos] às medulas e essências,
ossos e articulações, particularmente dos membros inferiores[iv].
O Pulmão não faz descer mais os líquidos em direção ao aquecedor inferior. É
isto a perversão do ciclo de [geração/] engendramento. Assim, os ossos das
pernas não podem sustentar o corpo, os músculos das pernas não podem mais se
esticar e se mover: é a impotência nas pernas (wei 痿), caracterizada
pelo mancar e pela dificuldade de caminhar (bi 躄).
“O
Pulmão é a mãe e os Rins são os filhos. Se os Rins recebem os sopros quentes,
os membros inferiores se crispam e não podem mais se estender; donde [vem] as
impotências nas pernas (wei bi 痿躄)” (Ma Shi).
Mas
é o conjunto dos zang que, de acordo com alguns, pode ser afetado pelo calor do
Pulmão:
“Quando
as camadas da pele são empobrecidas e isso continua, então os humores
carregados de essências (jing ye 精液) não
são
mais transmitidos e transportados e os Cinco zang possuem o calor, donde [advém]
a aparição destas impotências em que não
se pode mais caminhar (wei bi)” (Zhang Zhicong).
Podemos
(seguindo certas interpretações) considerar que essas impotências (wei bi)
não concernem somente as pernas, mas podem englobar os Quatro membros.
Compreendemos, assim, que os zang, no seu conjunto, recebem os efeitos
perversos do calor do Pulmão e são, portanto, incapazes de colaborar para
manter a mobilidade dos membros.
Trata-se
de uma extensão dos sentidos, [em que] o caractere bi (躄) [se encontra]
significando normalmente uma incapacidade a caminhar corretamente com suas duas
pernas[v].
Ou ainda, trata-se de uma interpretação que reserva na expressão wei bi
(痿躄),
a impotência (wei 痿) para [designar] a
incapacidade dos membros superiores e o mancar (bi 躄) para [designar]
aquela dos membros inferiores[vi].
Assinalemos
as variantes do Taisu:
-
No lugar de “calor do Pulmão” (fei re 肺熱) ele coloca: “Os
sopros do Pulmão aquecem, são quentes”
(fei qi re 肺氣熱), criando assim um paralelismo absoluto com a apresentação
dos quatro outros zang (variante já presente no
Jiayijing). Ele suprime a ruptura do paralelismo que existe no Suwen 44.
Evitando
a expressão “sopros do Pulmão” (fei re 肺熱), o Tratado das
Impotências marca que os sopros do Pulmão
são
de fato os sopros do mar de sopros do peito e, mais amplamente, do organismo
todo.
-
No lugar de impotências desencadeando o mancar (wei bi 痿躄), o Taisu coloca:
as impotências que o tormenta, ou ainda, as
impotências que o exclui (wei bi 痿 ou pi 辟); o sentido das
duas expressões é, entretanto, o
mesmo.
[i] Notaremos que, muito comumente, quando as impotências são
de origem interna, expomos primeiro a patologia dos zang, ao passo que nos
bloqueios de função (bi 痹), a ordem da
exposição seria ritmada pelas estações.
[ii] A função qing su (清肅) do Pulmão
dá conta deste
equilíbrio: há um arrefecimento (qing 清)
constante nas folhas do Pulmão, o que permite evitar o excesso de calor e de se
manter claro-e-puro (qing). Ao mesmo tempo, os vapores líquidos são
renovados e o ritmo dos sopros conservado; a propagação dos elementos
essenciais assim como a descida dos líquidos pelo tronco são assegurados.
[iii] Conforme Suwen, capítulo 21: “Os sopros dos alimentos
sólidos penetram pelo Estômago; os sopros turvos (quer dizer, de origem
alimentar) se reportam ao Coração, há impregnação das essências nas circulações
vitais (mai). Os sopros das mai se escoam pelos meridianos (jing 經); os sopros dos meridianos se reportam ao Pulmão. O Pulmão
recebe em audiência matinal os Cem mai; ele transporta as essências à pele e
aos pelos; pelos e mai reúnem suas essências; há circulação dos sopros para o
armazém...”.